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É preciso rever o financiamento público de campanhas

À frente de qualquer coisa, este modelo gerou distorções significativas, beneficiando partidos do centrão e elevando taxas de reeleição

É preciso rever o financiamento público de campanhas
É preciso rever o financiamento público de campanhas
Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
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Fugindo de qualquer sentença apressada sobre as eleições municipais de 2024, alguns pontos merecem atenção. O financiamento público de campanha precisa ser revisto – essa deveria ser a manchete política em letras garrafais. À frente de qualquer coisa, este modelo de financiamento gerou distorções significativas, beneficiando partidos do centrão e elevando a taxa de reeleição para 93,7% nos locais que receberam as chamadas “emendas pix”. Dos 112 municípios que receberam esse aporte, 105 saíram das urnas com vitórias expressivas. Dos 112 municípios que receberam esse volume de recurso, 105 saíram das urnas com vitórias expressivas.

Campanhas cada vez mais caras e dominadas por um viés mercadológico levaram o eleitorado a uma política tradicional e renovada apenas na superfície: digital, mas ainda patrimonial; tecnológica, mas conservadora, familiar e hereditária. Ignorar esses aspectos nas análises eleitorais é enxergar apenas uma fração do gigantesco problema político que o Brasil precisa enfrentar.

“A esquerda precisa sentar no divã” — assim sugerem as analistas freudianas Vera Magalhães e Andreia Sadi. Mas não é bem por aí. Há de fato uma necessidade urgente de renovação de quadros e lideranças no campo progressista. Mas, embora o cenário nacional seja desafiador, ele não é desesperador. Regionalmente, a esquerda avançou no Nordeste e, timidamente, no Sudeste, mas perdeu terreno de forma expressiva no Norte e Centro-Oeste. Em Porto Alegre e São Paulo, algumas derrotas foram especialmente significativas. Guilherme Boulos repetiu a votação de quatro anos atrás, apesar de contar com maior investimento e apoio do PT na capital paulista, mas sem sucesso. São Paulo, um termômetro das oscilações políticas do Brasil, traz um sinal de alerta sobre a estratégia para reaproximar o eleitorado periférico.

No campo da direita, surge o desafio de redefinir o antipetismo na era pós-Bolsonaro. O ex-presidente, inelegível e sem base de articulação sólida, deixa um vácuo. Seu “capital político”, o chamado “bolsonarismo”, não é sustentado unicamente por sua figura, mas pelas movimentações do PSD, do centrão e do PL, que agora conduzem o espectro conservador. O centro da política brasileira deslocou-se para a direita e já não vê futuro em Bolsonaro.

O capital político de Bolsonaro, a que muita gente atribui o nome de “bolsonarismo”, não se explica sozinho e está para além da figura do ex-presidente. São as movimentações em torno do PSD, do centrão, do PL, que mais importam daqui para frente. O centro da política brasileira está mais à direita e hoje não enxerga o seu futuro junto a Bolsonaro.

Sob a liderança de Kassab, o PSD praticamente absorveu o PSDB, especialmente em São Paulo. Dos 891 prefeitos eleitos pelo partido, 206 foram em território paulista, após vitórias expressivas também em Minas Gerais e na Bahia. Embora Kassab tenha uma leitura política apurada do país, é preciso lembrar o que mencionei no início: a máquina política que impulsiona Kassab é o dinheiro. Com esse modelo, é possível avançar, mas com um custo alto.

Encerrando esta breve análise, é preciso discutir a abstenção nas eleições. Na prática, o voto no Brasil é facultativo. Os incentivos para não votar são diversos: a multa é irrisória, a justificativa pode ser feita pelo aplicativo da Justiça Eleitoral, e as taxas de abstenção já se aproximam das de países onde o voto não é obrigatório. Esse será outro desafio nas próximas eleições: enfrentar a banalização do pleito, o desinteresse crescente da população e a falta de alinhamento ideológico do eleitor, um cenário ideal para o centrão, como venho alertando em diferentes espaços.

A esquerda não saiu vitoriosa, tampouco a direita. Venceu uma política tradicional, custosa e mercantilizada, que vê no controle do Executivo municipal um balcão de negócios. Nada de novo. Não há tempo a perder — “temos um enorme passado pela frente”, como diria Millôr Fernandes.

(Este artigo é parte das análises produzidas pelo Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação)

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