Política

O escândalo das fragatas

O ex-ministro Nelson Jobim é citado em denúncia de propina na Itália

A transação envolvia Jobim, Lavitola, ligado a Berlusconi, e Scajola, ex-ministro e "intermediário"
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por Paolo Manzo

Segundo maior grupo industrial da Itália e um dos maiores fabricantes europeus na área de Defesa, a Finmeccanica acaba de se enredar em um escândalo de corrupção internacional com tentáculos no Brasil e no Panamá. Na manhã da terça-feira 23, Paolo Pozzessere, ex-diretor-comercial do conglomerado, foi preso e levado à cadeia de Poggioreale após uma ordem de captura emitida pelos magistrados do Tribunal de Nápoles, que o acusam de corrupção internacional. No dia seguinte, os principais jornais italianos divulgaram trechos do interrogatório de Lorenzo Borgogni, que no passado respondia pela área de relações institucionais da Finmeccanica. Aos responsáveis pela investigação Borgogni revelou um acerto para o pagamento de propina ao presidente do Panamá, Ricardo Martinelli, e ao ex-ministro da Defesa brasileiro Nelson Jobim.

A Itália negociava com o Brasil a venda de 11 fragatas e outros materiais bélicos no valor de 5 bilhões de euros, cerca de 13 bilhões de reais. Segundo Borgogni, a propina equivaleria a 550 milhões de euros, ou 1,4 bilhão de reais. Ainda de acordo com o relato, a “comissão” seria dividida entre Jobim e Claudio Scajola, então ministro do Desenvolvimento do governo de Silvio Berlusconi. Metade para cada um. No caso do Panamá, Martinelli receberia, pela compra de seis helicópteros e um sistema de vigilância costeira, 18 milhões de euros.

Scajola, que é investigado pela Justiça italiana, seria a “ponte” entre a Finmeccanica e Jobim. Os dois ex-ministros desmentem com veemência as acusações. “É verdade que encontrei o ministro da Defesa Jobim. Na Itália, havia crise e tentei vender as embarcações. Era meu dever ajudar”, afirmou Scajola, que nega ter recebido dinheiro. “Nunca chegamos a falar de um tema como esse”, afirmou Jobim, entre surpreso e irônico, em entrevista ao jornal italiano La Stampa. “Não sei o que fizeram os italianos. Só sei que o projeto ProSuper, que previa a aquisição por parte da Marinha brasileira de fragatas com a transferência de tecnologia, foi cancelado por questões fiscais. Além disso, os italianos tinham de encontrar um parceiro brasileiro e não conseguiram.” Em resumo, a compra das fragatas não aconteceu. Parte da mídia italiana afirma que o negócio teria sido suspenso não por causa de restrições financeiras do Tesouro brasileiro, mas por causa do mal-estar provocado pela decisão de Lula de não extraditar o terrorista Cesare Battisti.

No meio dessa trama, aparece Valter Lavitola, napolitano considerado “homem de confiança” de Berlusconi e nomeado pelo então primeiro-ministro para representar o governo italiano na América Latina. Pairam muitas suspeitas sobre o modo de atua-ção de Lavitola em sua temporada latina. Suspeitas que o levaram à cadeia e resultam na atual investigação. Jobim afirma tê-lo conhecido durante as negociações das fragatas: “Sim, conheci o Lavitola. Sei que estava no Rio de Janeiro para encontrar empresários antes que tudo naufragasse”. Mas se limitou a fornecer essa informação.

Em 2008, a indicação de Valterino, como é chamado pelos amigos, provocou apreensão na Farnesina, o Itamaraty italiano, pois a fama de Lavitola não deixava dúvidas sobre os problemas que o seu modus operandi poderia causar para a Itália no mundo. “Homem próximo dos serviços secretos comprometidos e da máfia napolitana”, definiria o jornal Il Riformista em 2010. O pai de Lavitola era o psiquiatra de Raffaele Cutolo, chefe da Camorra nos anos 1970, segundo revelou um relatório da CPI italiana sobre a máfia em 14 de dezembro de 1993, à página 73. Depois dos temores dos diplomatas, naturalmente, seguiram-se os fatos. O processo recém-iniciado em -Nápoles é uma das consequências.

O nome de Lavitola apareceu pela primeira vez na mídia brasileira em junho de 2010, por causa de uma festa organizada em São Paulo para comemorar a visita do priápico ex-primeiro-ministro italiano. Moças especializadas na arte do pole dance foram convocadas para enriquecer o clima do convescote, bem ao gosto de Berlusconi, à moda dos sultanatos árabes. Desde então, a dupla Berlusconi-Lavitola enredou-se em uma série de problemas que culminou na renúncia do primeiro, como chefe do governo italiano, e na prisão do segundo, em abril de 2012, depois de sete meses foragido entre o Rio de Janeiro, o Panamá e Buenos Aires.

Na opinião dos magistrados italianos que investigam as idas e vindas de Lavitola na América Latina, muito se descobrirá a respeito de sua passagem pelo Brasil e dos serviços prestados em nome da Finmeccanica. Giuseppe Bono, atual diretor-geral do estaleiro Fincantieri, controlado pela Fintecna, de propriedade do Ministério da Fazenda da Itália, em depoimento em 26 de setembro aos magistrados Vincenzo Piscitelli e Henry John Woodcock, descreve com detalhes a atuação de Lavitola, a sua ingerência no grupo industrial e sua relação íntima com Berlusconi. “Depois que já havia um acordo em nível de governos (italiano e brasileiro sobre as fragatas), Valter Lavitola foi até o Fincantieri e me disse explicitamente que merecia recompensa pelo trabalho feito. De acordo com Lavitola, Berlusconi só interveio graças a ele.”

Bono prossegue: “Eu lhe fiz observar que a intervenção do primeiro-ministro era coisa normal, graças à sua posição institucional e, portanto, não achava que a empresa devesse algo a Lavitola. Também porque ele nunca tinha recebido qualquer autorização para fazer isso”. O diretor do estaleiro contou ainda ter sido chamado, em 2011, a comparecer no Palazzo Grazioli, residência de Berlusconi. “Lavitola tinha me anunciado previamente que Silvio iria me chamar e quando recebi seu telefonema pensei em ir com o nosso advogado. Chegamos lá e fomos recebidos pelos dois (Lavitola e o premier). Berlusconi me disse, na frente de Lavitola, que eu tivesse bem claro na cabeça que Valter era seu agente fiduciário no Brasil. Naquela ocasião, tive a clara sensação de que Berlusconi estivesse pressionado por Lavitola.”

por Paolo Manzo

Segundo maior grupo industrial da Itália e um dos maiores fabricantes europeus na área de Defesa, a Finmeccanica acaba de se enredar em um escândalo de corrupção internacional com tentáculos no Brasil e no Panamá. Na manhã da terça-feira 23, Paolo Pozzessere, ex-diretor-comercial do conglomerado, foi preso e levado à cadeia de Poggioreale após uma ordem de captura emitida pelos magistrados do Tribunal de Nápoles, que o acusam de corrupção internacional. No dia seguinte, os principais jornais italianos divulgaram trechos do interrogatório de Lorenzo Borgogni, que no passado respondia pela área de relações institucionais da Finmeccanica. Aos responsáveis pela investigação Borgogni revelou um acerto para o pagamento de propina ao presidente do Panamá, Ricardo Martinelli, e ao ex-ministro da Defesa brasileiro Nelson Jobim.

A Itália negociava com o Brasil a venda de 11 fragatas e outros materiais bélicos no valor de 5 bilhões de euros, cerca de 13 bilhões de reais. Segundo Borgogni, a propina equivaleria a 550 milhões de euros, ou 1,4 bilhão de reais. Ainda de acordo com o relato, a “comissão” seria dividida entre Jobim e Claudio Scajola, então ministro do Desenvolvimento do governo de Silvio Berlusconi. Metade para cada um. No caso do Panamá, Martinelli receberia, pela compra de seis helicópteros e um sistema de vigilância costeira, 18 milhões de euros.

Scajola, que é investigado pela Justiça italiana, seria a “ponte” entre a Finmeccanica e Jobim. Os dois ex-ministros desmentem com veemência as acusações. “É verdade que encontrei o ministro da Defesa Jobim. Na Itália, havia crise e tentei vender as embarcações. Era meu dever ajudar”, afirmou Scajola, que nega ter recebido dinheiro. “Nunca chegamos a falar de um tema como esse”, afirmou Jobim, entre surpreso e irônico, em entrevista ao jornal italiano La Stampa. “Não sei o que fizeram os italianos. Só sei que o projeto ProSuper, que previa a aquisição por parte da Marinha brasileira de fragatas com a transferência de tecnologia, foi cancelado por questões fiscais. Além disso, os italianos tinham de encontrar um parceiro brasileiro e não conseguiram.” Em resumo, a compra das fragatas não aconteceu. Parte da mídia italiana afirma que o negócio teria sido suspenso não por causa de restrições financeiras do Tesouro brasileiro, mas por causa do mal-estar provocado pela decisão de Lula de não extraditar o terrorista Cesare Battisti.

No meio dessa trama, aparece Valter Lavitola, napolitano considerado “homem de confiança” de Berlusconi e nomeado pelo então primeiro-ministro para representar o governo italiano na América Latina. Pairam muitas suspeitas sobre o modo de atua-ção de Lavitola em sua temporada latina. Suspeitas que o levaram à cadeia e resultam na atual investigação. Jobim afirma tê-lo conhecido durante as negociações das fragatas: “Sim, conheci o Lavitola. Sei que estava no Rio de Janeiro para encontrar empresários antes que tudo naufragasse”. Mas se limitou a fornecer essa informação.

Em 2008, a indicação de Valterino, como é chamado pelos amigos, provocou apreensão na Farnesina, o Itamaraty italiano, pois a fama de Lavitola não deixava dúvidas sobre os problemas que o seu modus operandi poderia causar para a Itália no mundo. “Homem próximo dos serviços secretos comprometidos e da máfia napolitana”, definiria o jornal Il Riformista em 2010. O pai de Lavitola era o psiquiatra de Raffaele Cutolo, chefe da Camorra nos anos 1970, segundo revelou um relatório da CPI italiana sobre a máfia em 14 de dezembro de 1993, à página 73. Depois dos temores dos diplomatas, naturalmente, seguiram-se os fatos. O processo recém-iniciado em -Nápoles é uma das consequências.

O nome de Lavitola apareceu pela primeira vez na mídia brasileira em junho de 2010, por causa de uma festa organizada em São Paulo para comemorar a visita do priápico ex-primeiro-ministro italiano. Moças especializadas na arte do pole dance foram convocadas para enriquecer o clima do convescote, bem ao gosto de Berlusconi, à moda dos sultanatos árabes. Desde então, a dupla Berlusconi-Lavitola enredou-se em uma série de problemas que culminou na renúncia do primeiro, como chefe do governo italiano, e na prisão do segundo, em abril de 2012, depois de sete meses foragido entre o Rio de Janeiro, o Panamá e Buenos Aires.

Na opinião dos magistrados italianos que investigam as idas e vindas de Lavitola na América Latina, muito se descobrirá a respeito de sua passagem pelo Brasil e dos serviços prestados em nome da Finmeccanica. Giuseppe Bono, atual diretor-geral do estaleiro Fincantieri, controlado pela Fintecna, de propriedade do Ministério da Fazenda da Itália, em depoimento em 26 de setembro aos magistrados Vincenzo Piscitelli e Henry John Woodcock, descreve com detalhes a atuação de Lavitola, a sua ingerência no grupo industrial e sua relação íntima com Berlusconi. “Depois que já havia um acordo em nível de governos (italiano e brasileiro sobre as fragatas), Valter Lavitola foi até o Fincantieri e me disse explicitamente que merecia recompensa pelo trabalho feito. De acordo com Lavitola, Berlusconi só interveio graças a ele.”

Bono prossegue: “Eu lhe fiz observar que a intervenção do primeiro-ministro era coisa normal, graças à sua posição institucional e, portanto, não achava que a empresa devesse algo a Lavitola. Também porque ele nunca tinha recebido qualquer autorização para fazer isso”. O diretor do estaleiro contou ainda ter sido chamado, em 2011, a comparecer no Palazzo Grazioli, residência de Berlusconi. “Lavitola tinha me anunciado previamente que Silvio iria me chamar e quando recebi seu telefonema pensei em ir com o nosso advogado. Chegamos lá e fomos recebidos pelos dois (Lavitola e o premier). Berlusconi me disse, na frente de Lavitola, que eu tivesse bem claro na cabeça que Valter era seu agente fiduciário no Brasil. Naquela ocasião, tive a clara sensação de que Berlusconi estivesse pressionado por Lavitola.”

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