O discurso de Marcus Vinicius

A OAB parece agora compreender que seu papel em favor do Estado democrático de Direito passa pela defesa das instituições como o Parlamento

Apoie Siga-nos no

Setores sociais mais esclarecidos e mais privilegiados economicamente da população de diversos países do mundo têm se deixado levar por uma certa onda conservadora e niilista de opinião  tendente a enxergar na política uma atividade essencialmente criminosa ou ao menos desprovida, em sua essência, de valores éticos mínimos.

No Brasil esta visão distorcida da vida democrática tem se acentuado em especial pelo uso algumas vezes indevido do discurso anticorrupção em escamoteada intenção de ataque à soberania popular inerente ao regime democrático, numa tentativa autoritária de mudar o centro real do exercício do poder politico decisório dos poderes compostos por eleitos pelo povo, legislativo-executivo, para um Judiciário de togados acuados pela mídia comercial que cada vez mais se comporta como parte da disputa do poder – e não como fonte minimamente distante de seu relato.

Neste quadro, é alvissareiro o discurso de posse de Marcus Vinicius Furtado Coêlho como presidente da OAB federal.

O novo presidente da entidade apontou claramente o perigo da criminalização da política, prática que só traz por consequência o autoritarismo e a ditadura, consoante nossa própria experiência histórica.

Em seu discurso, o novo presidente não descurou de atacar as mazelas e malfeitos de nossa prática política e apontou o caminho de propostas sistêmicas tendentes a mitigá-las, qual seja o do financiamento público de campanhas e outras medidas inerentes à necessária reforma politica.

Assim, preferiu o difícil caminho da racionalidade e da sensatez que criam remédios sistêmicos eficazes contra o mal e não o percurso fácil da fala justiceira, demagógica e fulanizada, que emociona mas nada gera de solução real.


Sua fala tratou de lucidamente distinguir as práticas delituosas e antiéticas de alguns integrantes do Parlamento como poder e instituição.

Numa ditadura, a corrupção não deixa de existir. O que arrefece é a sua percepção, pela ausência de denúncias públicas e punição, ocasionadas pela ausência de uma imprensa livre e de órgãos de apuração independentes.

A corrupção não diminui pelo voluntarismo justiceiro de alguns supostos “heróis” da causa pública, mas sim pela existência de um sistema público de controle e punição, impessoal, profissionalizado e eficaz, além de uma cultura social voltada ao combate desta séria patologia.

Finalmente a Ordem dos Advogados do Brasil parece começar a compreender, pelo discurso lúcido de seu novo presidente, que a manutenção do tradicional papel da Ordem em favor do Estado democrático de Direito passa hoje em dia pela defesa das instituições democráticas, em especial do Parlamento, como poder de representação da soberania popular sobre os desígnios do Estado.

Como já nos ensinava Norberto Bobbio, a finalidade maior da democracia e de suas práticas políticas é a paz social. Sem democracia, a violência autoritária é a marca maior do agir estatal e sem politica a guerra e o conflito são a única forma restante de solução dos conflitos de interesse no interior da sociedade.

A política cessa onde começam as escaramuças. Que a insensatez autoritária cesse ante a força justa da lucidez democrática.

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.