Política

O dilema do PT após a queda de Dilma

Na situação adversa, o partido tenta encontrar nas “Diretas Já” o fator unificador para tornar-se oposição eficaz

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A avaliação negativa feita por meio da mídia sobre o discurso de Dilma Rousseff após o impeachment traduz o que parte da classe política e econômica do País espera agora: a tal da pacificação. “Exagerado”, “clima de guerra” e “PT mostra suas garras” foram algumas das críticas feitas pelos comentaristas políticos da tevê brasileira sobre as frases e a postura de Dilma. Tudo porque a ex-presidenta deu a entender que vai continuar lutando contra o golpe.

Com direitos políticos mantidos, Dilma mostra intenção de encampar o “Fora Temer”, na mesma toada dos protestos de rua que começam a surgir após a conclusão do processo no Senado. Esfacelado, o PT seguirá o mesmo caminho para tentar conseguir se unificar. Mas isso não significa que a legenda esteja em condições de liderar esse processo. 

“O partido que perde um cargo como o de presidente da República não pode passar sem fazer autocrítica”, reconheceu a jornalistas o senador Humberto Costa (PT-PE), líder do PT no Senado, logo após a conclusão do impeachment. Dois dias depois da deposição de Dilma, o partido marcou uma reunião da Executiva Nacional, em São Paulo, para discutir exatamente qual o caminho a ser trilhado daqui em diante. Por unanimidade, os petistas decidiram relançar a bandeira das Diretas

Com o ex-presidente Lula na mira da Justiça, outra certeza é de que o PT deve empenhar-se para salvar seu principal cabo eleitoral. O partido também vê no resultado das eleições municipais de 2016 um termômetro para saber o tamanho do desgaste provocado na imagem da sigla com esse processo. Um dos nomes de destaque do PT, Fernando Haddad enfrenta dificuldades em busca da reeleição em São Paulo. 

Se o resultado for mesmo ruim, como esperado, alguns petistas também apostam na capacidade de Jaques Wagner (PT-BA), ex-ministro da Casa Civil de Dilma, para liderar a unificação da legenda. O governador petista de Minas Gerais, Fernando Pimentel, corre por fora por também ter problemas com a Justiça. 

Mais do que isso, o PT precisa provar que pode liderar uma aliança de esquerda sem repetir os mesmos erros que culminaram nesse cenário. Pelo menos no papel, essa autocrítica já começou a ser feita. Em maio, poucos dias após o afastamento de Dilma, a legenda divulgou uma nota com apontamentos sobre os erros que contribuíram para a perda de governabilidade e o enfraquecimento de sua base social. 

Entre outras coisas, o documento afirma que, de fato, o PT relegou as reformas política e tributária e deixou de lado a regulamentação dos meios de comunicação. Os petistas ainda admitiram, na ocasião, ter abandonado as consignas da luta social como vetor de pressão às instituições e, consequentemente, não priorizaram alianças com partidos de esquerda e movimentos sociais.

O problema é que, alguns meses depois da divulgação dessa resolução, repetiria a política de conciliação: parte da bancada petista apoiou a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados.

“O PT não está conseguindo sair da crise porque se omite, não faz uma prestação de contas com a sociedade”, afirma o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), Aldo Fornazieri. “Enquanto o PT não fizer esse acerto de contas não vai ter a confiança dos milhares que estão indo às ruas, enfrentar a polícia e protestar contra o golpe. A tendência é que o partido termine rachado.”

Para o professor de história da Universidade de São Paulo (USP) e biógrafo do PT, Lincoln Secco, a crise não é apenas do PT, mas de todo o sistema político. “Devo sempre lembrar que ele [PT] era um dos pilares do sistema político. Sem ele o que resta de legitimidade na República? Nada. O PSDB deixou o protagonismo de oposição para ser um partido dividido em três e associado a um governo ilegítimo. E o PMDB perdeu sua função de poder moderador da Nova República. A crise não é só do PT, é da democracia brasileira”. 

Outra questão que parece não ter sido superada no Partido dos Trabalhadores são as costumeiras incoerências na formação de alianças políticas regionais. Apesar do mea-culpa, o PT decidiu também em maio não proibir alianças municipais com o PMDB, mesmo após o partido construir o impeachment que expulsou Dilma do cargo.

Um exemplo citado por um dos nomes da cúpula do partido é o caso do governador do Ceará, Camilo Santana, que vai apoiar a reeleição do atual prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT-CE), em vez da candidatura da colega de partido Luizianne Lins. A escolha se deu porque Cláudio é do mesmo grupo político dos irmãos Gomes, Ciro e Cid, que o antecedeu no cargo. “Em outros tempos, ele seria expulso do partido”, diz um petista importante.

Esse tipo de situação tem rachado a legenda, com o risco de esvaziar ainda mais sua base social. “O partido deveria ter assumido alguma bandeira de recuperação da soberania popular quando começou o processo de afastamento, fosse através de um plebiscito, fosse através de eleições gerais”, reconhece o afirma o ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.

De fato, o apoio a estas propostas foi bastante tímido. “Se o PT não se unificar rapidamente em torno de uma bandeira dessa natureza se consolidará como um partido burocrático e tradicionalizado e perderá o que resta de respeito da base social que garantiu a eleição de Lula e Dilma”, diz Genro. 

Para fazer oposição ao governo Temer no Congresso, o PT voltou a discutir internamente uma ideia que circula há algum tempo e conta com aval do ex-presidente Lula. A proposta é a formação de uma frente ampla de esquerda, formada por partidos e movimentos sociais, como acontece no Uruguai. “Dessa forma, os movimentos participam de sorte a não ficarem subordinados aos partidos políticos. A ideia de um partido hegemônico como foi o PT, que exerce poder sobre a esquerda, se esgotou”, complementa Fornazieri. 

Humberto Costa é um dos defensores da formação dessa frente de esquerda, combinada com uma bandeira de “Diretas Já” nas ruas. “Eu entendo que nós conseguimos, durante esse processo (de impeachment), construir algumas alianças e acho que seriam interessantes preservá-las também na definição dos próximos passos. Estou falando da (aliança com) Frente Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular e do PSOL”, explica. “Eu acho que essa bandeira das Diretas pode ser eficaz. Temos de encontrar um fator de unificação.” 

Apenas se posicionar contra a retirada de direitos, imposta por Temer, não é estratégia para voltar a se credenciar como legenda representante da classe trabalhadora e da esquerda brasileira, segundo o professor Fornazieri. “O PT está fazendo uma aposta errada. Qual é a aposta? O Temer vai atacar os direitos sociais, os direitos trabalhistas. E o partido se recupera? Isso é muito pouco.” 

O professor Secco desenha um cenário ainda mais pessimista para os próximos anos. “Temos que reconhecer o óbvio: salvo por um desastre, Temer vai governar sem legitimidade um país caótico. A elite política não tem interesse em eleições. Pelo contrário, se puder vai inviabilizar até mesmo a de 2018. Quem sabe com um novo golpe: o do parlamentarismo?”.

*Essa é uma versão ampliada e atualizada da reportagem “O dilema do PT”, publicado originalmente na edição 917 de CartaCapital. Assine CartaCapital.

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