Política

O cínico apelo de Eduardo Cunha

Deputado usa a cantilena antipetista para se defender, a mesma que, antes, permitiu-lhe operar livremente e remeter milhões para a Suíça

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A votação da cassação do mandato de Eduardo Cunha encerra um ciclo político na Câmara dos Deputados. Não porque algo profundo tenha mudado com a saída dele da presidência da Casa — afinal, a composição do Congresso continua sendo a mesma e Rodrigo Maia, o novo presidente, era um dos principais colaboradores de Cunha —, mas porque simboliza o ocaso de uma figura que, depois de décadas nos bastidores do poder, foi alçado à categoria de figura pública e até de “herói nacional” pelos conspiradores que tomaram o poder no País e por alguns veículos de comunicação que os ajudaram nesse trabalho sujo.

Cunha saiu da toca onde sempre tinha estado escondido – primeiro como auxiliar de PC Farias e Collor, depois com serviços prestados a Garotinho – para se tornar articulador da “bancada evangélica”, que nada tem a ver com os cristãos evangélicos de verdade, inteligentes e conscientes de que sua fé não deve intervir no direito alheio. Ergueu-se, ainda, como eminência parda do PMDB fluminense, chegando, no auge de sua visibilidade, a chefe do golpe de Estado que entregou a Michel Temer a presidência da República que jamais teria conquistado nas urnas.

O peemedebista saiu das sombras porque precisava cumprir tarefa para a qual não podia ser mais um operador anônimo. E também porque o ego o traiu, uma vez que, cansado de operar escondido, apaixonou-se pelos holofotes e a fama. E esse foi seu erro, em minha avaliação. Como disse Oscar Wilde sobre si mesmo (perdoe-me, caro Wilde, por usar sua frase em comparação com alguém tão indigno de sua grandeza literária): “a fama que tanto almejei foi aquela mesma que me destruiu”.

Ser presidente da Câmara dos Deputados o colocou numa posição de poder cada vez maior, mas ao mesmo tempo desnudou seu modus operandi, seus malfeitos, seu cinismo, sua imoralidade.

Esse fim de ciclo também evidencia o cinismo da narrativa que foi vendida ao povo brasileiro através dos principais jornais e telejornais e da ação de grupelhos fascistas financiados por empresários e políticos, que os usaram para conquistar a adesão de muitos incautos nas redes sociais.

Essa narrativa apontava para o PT e os governos de Lula e Dilma como “os inventores da corrupção no Brasil”. Um antipetismo que mistura doses exatas de udenismo, macarthismo, simplismo, mediocridade e hipocrisia conseguiu convencer parte da população de que o grande problema da corrupção no Brasil era o PT e que, eliminando-o da arena pública, o problema seria extinto.

Não que o PT não tenha responsabilidades nesse processo (tem muitas!), mas o que torna o ciclo de Cunha terrivelmente cínico é o fato de que até mesmo as responsabilidades do PT têm a ver, principalmente, com o fato de ter se associado ao PMDB de Cunha e Temer, aos partidos do chamado “centrão” ou “baixo clero”, as legendas de aluguel que fizeram parte da base governista durante os últimos anos.

A narrativa construída é cínica porque o que foi dito ao povo é que essa gente — Cunha, Temer, o PMDB, o “centrão”, as bancadas da Bíblia, do Boi e da Bala, as legendas de aluguel — numa nova aliança com a velha direita incapaz de vencer uma eleição — PSDB, DEM, PPS — é que iria “salvar o Brasil da corrupção petista” [pausa para risos altos!].

Ou seja, o PT errou ao se aliar a esse bando, que convenceu parte do povo de que a solução era tirar o PT do poder e deixar tudo para eles…

A cassação de Cunha encerra esse ciclo. Alçado à categoria de “herói”, de “salvador da pátria”, ele conduziu o processo de impeachment de uma presidenta eleita e honesta, e agora será retirado de cena. Mas o estrago já foi feito!

Por incrível que pareça, Cunha está usando essa mesma cantilena antipetista para se defender, a mesma que, antes, permitiu-lhe operar livremente e remeter milhões para uma conta na Suíça. Este é o seu último apelo. Mas quem ainda cai nesse teatro de vampiros?

O Brasil, senhoras e senhores, não é para amadores!

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