Política

O cheiro de negociata na privatização da Eletrobras

Cidadão pode pagar até 16% mais caro na conta de luz, mas acionistas milionários da estatal ligados a PSDB e PMDB já enchem os bolsos

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Os planos do governo Temer para privatizar a Eletrobras têm um “efeito perverso” para a população. A conta de luz ficará até 16% mais cara, alerta feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em debates dentro do governo sobre o modelo privatizador. É o contrário das promessas do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, segundo quem a tarifa cairá.

A venda tem outro perigo. Repetir-se o “apagão” de 2001, no fim do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. A gestão tucana desprezara o planejamento do setor, apostara no livre mercado, vendera várias distribuidoras de energia e estas, por sua vez, só pensaram em grana. Sem a Eletrobras nas mãos do Estado para agir em nome do interesse público, o risco renascerá.

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Mas, se o cidadão tem motivos para arrepiar-se, há gente por aí com razões de sobra para sorrir. Um pessoal endinheirado, próximo dos políticos certos (os do PSDB e do PMDB), com muito a ganhar na privatização. Lucros, aliás, que já começaram, motivo de a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a xerife do “mercado”, ter sido acionada para investigar se (já) há negociatas na praça.

O anúncio da privatização na segunda-feira 21 fez disparar as ações da estatal no dia seguinte, salto de uns 50%. Uma farra para dois grandes acionistas minoritários da Eletrobras, o fundo 3G Radar e o Banco Clássico.

Os sócios destas duas empresas têm laços com os tucanos, grupo político que está por trás da Eletrobras e de Coelho Filho, este pertencente a outro partido, o PSB.

O 3G Radar possui uns 5% das ações da Eletrobras. Trata-se de um gestora de recursos dentro da qual há participação da 3G Capital, uma companhia de sócios ilustres. O bilionário Jorge Paulo Lemann, homem mais rico do Brasil e um dos maiores do mundo (uns 90 bilhões de reais de patrimônio), Carlos Alberto Sicupira, o Beto Sicupira, e Marcel Telles, trio comandante da Ambev.

Com a valorização das ações da Eletrobras, o fundo ganhou de uma tacada só, na terça-feira 22, 78 milhões de reais. No dia seguinte, as ações da estatal caíram um pouco, 11%, mas não importa. O saldo final em dois dias foi de 49 milhões em lucros, segundo o Valor da quinta-feira 23.

Lemann e Sicupira são amigos do tucanato. Mais do que isso, na verdade. Parceiros, digamos.

Logo após a eleição de 2014, o derrotado Aécio Neves resolveu “encher o saco” de Dilma Rousseff, como ele mesmo foi pego a confidenciar naquela espantosa conversa com o criminoso empresário-delator Joesley Batista, da JBS-Friboi.

Um dos grupos organizados que ajudaram a infernizar a petista foi o Vem Pra Rua, convocador de passeatas pró-impeachment. O domínio “vemprarua.org.br”, seu site, estava em nome da Fundação Estudar. Que vem a ser filhote da Ambev, a companhia de Lemann, Sicupira e Telles.

Mais. Um dos executivos da Fundação, Fabio Tran, era um dos líderes do Vem Pra Rua. Só deixou a Fundação quando o vínculo com a turma do “Fora Dilma” veio a público, em março de 2015.

Durante os dias de agonia da petista para sobreviver no Palácio do Planalto, Sicupira reunia-se com senadores do PSDB para falar mal do governo e do Brasil e sobre a necessidade de mudar os rumos do navio. Uma história contada pública, mas discretamente, pelo mineiro Aécio.

Os endinheirados simpatizantes (para dizer o mínimo) do impeachment passaram indiretamente a desgastar a Eletrobras na era Temer, um apaixonado por ideias privatizantes. O 3G Radar divulgou em julho cálculos a apontar prejuízo de 186 bilhões de reais para a Eletrobras causados por erros e bandalheiras que teriam ocorrido na estatal em 15 anos de governo (do PT, basicamente).

Estranho. O sócio de uma empresa gasta energia (sem trocadilhos) para fabricar um cenário que, no fim das contas, afeta a imagem da empresa onde possui ações. Talvez seja por isso que tenha reduzido sua fatia na Eletrobras para 5% em dezembro de 2016.

Ou talvez não haja nada estranho. Em caso de privatização, as ações da Eletrobras tendem a se valorizar mais, vide o que ocorreu após o mero anúncio da ideia, e os minoritários podem até ampliar sua fatia na empresa. De quebra, o estudo ajuda a dar argumentos aos privatistas de plantão.

Fundo e governo fizeram uma verdadeira dobradinha na Eletrobras logo após a chegada de Temer ao poder, ainda em caráter interino, em maio de 2016.

Dois meses depois, o Conselho de Administração elegia sete membros. Na condição de acionista majoritário, o governo poderia lançar sete candidatos. Mas abriu mão de uma vaga e apoiou um indicado do 3G Radar.

Dessa maneira, o fundo deixou de aliar-se ao um dos dois concorrentes indicados pelos minoritários, o advogado Marcelo Gasparino da Silva. Que chiou barbaridade do ineditismo da coisa: “Nunca vi isso em nenhum lugar do mundo”.

O outro concorrente dos minoritários era José Pais Rangel, que acabou eleito. Ele é vice-presidente do Banco Clássico, cujo dono acaba de encher os bolsos e ampliar sua fortuna em função do anúncio da privatização da estatal. Trata-se do bilionário João José Abdalla Filho, conhecido no mundo dos negócios como Juca Abdalla.

Graças a seu banco e a um fundo deste, o Dinâmica Energia, é o maior acionista minoritário da Eletrobras, com 12,5%. Até 2016, tinha um patrimônio de 5 bilhões de reais. Com a disparada no valor da ações da Eletrobras pós-planos privatizadores, enriqueceu em 600 milhões, saldo da supervalorização de 50% num dia e da queda de 11% no outro, segundo o Valor.

Embora seja filho de família rica, o discreto Abdalla, de 72 anos, deu um upgrade em sua fortuna pessoal durante os governos tucanos de Geraldo Alckmin e José Serra em São Paulo. Uma história esquisita e com Justiça no meio.

 Nos anos 1980, o estado de São Paulo desapropriou o terreno de um lixão para transformar no atual Parque Vila Lobos. A área pertencia aos Abdalla. A indenização a ser paga pelo estado à família seria de 1,7 bilhão de reais, em dez prestações anuais.

Abdalla e seu primo Antonio receberam na verdade 2,5 bilhão. Um ex-deputado estadual, Afanásio Jazadji, estranhou a ampliação dos valores e entrou com uma ação popular na Justiça em 2011.

Para Jazadji, famoso radialista em São Paulo, houve fraude nas parcelas anuais de número 4 a 9, liquidadas entre 2004 e 2009. Nesse período, o comando do estado esteve com Alckmin (2003-2006) e Serra (2007-2010).

Os dois procuradores-gerais do Estado que trabalharam para a dupla tucana foram acusados na ação de responsáveis por um dano de mais de 700 milhões ao cofres públicos. Alguns meses depois, contudo, a Justiça extingui o processo, sem decidir sobre o mérito.

O tucanato de Alckmin e Serra tem hoje influência na Eletrobras e no ministério de Minas e Energia, uma pasta comandada por um jovem deputado e administrador de empresas de 33 anos.

O presidente da estatal, Wilson Ferreira Jr, já trabalhou para um governo estadual tucano, nos anos 1990. A economista Elena Landau, ardente privatizadora da era FHC, comandou o Conselho de Administração de março a julho.

Mas não é só o PSDB que tem tentáculos no setor elétrico. O PMDB também tem.

Juca Abdalla, o do Banco Clássico, concorreu em 2006 a uma vaga de suplente de senador na chapa encabeçada pela atual prefeita de Boa Vista (RR), Teresa Surita (PMDB). Ela é ex-mulher do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), presidente interino do partido de ambos.

Ao eleger um executivo de seu banco, José Pais Rangel, a uma vaga no Conselho de Administração da Eletrobras, Abdalla aliou-se a outro acionista minoritário de peso, o milionário Lirio Parisotto. Este é suplente do senador Eduardo Braga (PMDB-AM) desde 2011. Braga foi ministro de Minas e Energia no abortado segundo governo Dilma.

PSDB, PMDB, empresários, negócios (negociatas?), tudo no mesmo ambiente. Mais uma para a “doutrina do choque” no Brasil de Michel Temer.

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