Política

O capitalismo comercial e o bolsonarismo

A parcela do empresariado mais refratário à modernização e à democracia estão no Comércio e no Serviço

Bolsonaro e Hang, fundador da Havan
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A crescente onda de expansão do bolsonarismo entre o empresariado e a classe média tem provocado assombro. Há uma absoluta falta de compromisso das elites nacionais com os valores democráticos.

A questão não é nova e remonta a um velho problema brasileiro. Em qualquer país com trajetória clássica de desenvolvimento coube à elite formular o projeto de nação que uniu a sociedade e coube aos trabalhadores denunciar as contradições de classe que cindiram esse mesmo tecido social.

Mas no país dos contrários o projeto de nação tem sido proposto sistematicamente pelas forças trabalhistas, desde Getúlio Vargas e Lula, passando por Jango e Dilma Rousseff, e tem sido interditado periodicamente pelas classes empresariais e intermediárias desde o udenismo e o bolsonarismo, passando pelo janismo e pelo neoliberalismo.

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Entre as décadas de 1930 e 1960, a constatação desse problema, análogo ao atual, produziu duas interpretações. De um lado, o otimismo de parte dos teóricos do nacional-desenvolvimentismo os lançava em uma verdadeira profissão de fé na busca pela existência de uma parcela progressista do empresariado nacional.

De outro, o realismo pessimista de parcela dos teóricos da dependência os colocava diante da constatação cética de que a ausência dessa fatia civilizada de empreendedores brasileiros impunha a necessidade de associação menor com o capital internacional.

O que resistiu à prova do tempo foi o diagnóstico da descrença em relação à existência de uma fração hegemônica modernizante no empresariado nacional, o que sucumbiu à prova do tempo foi o prognóstico de que a elite industrial nacional representaria o núcleo mais arcaico desse capital brasileiro.

A conjuntura recente mostra algo distinto, a fração empresarial mais refratária aos valores modernizantes e democráticos, e que hoje apoia Bolsonaro, não está na indústria, mas no comércio e no varejo.

A candidatura de Bolsonaro desde o início encontrou importantes adesões entre setores empresariais ligados ao agronegócio e ao mercado financeiro, mas a presença mais marcante entre os empresários que o apoiam estão em segmentos relacionados ao comércio e ao varejo.

Entre os empresários que publicamente declararam apoio ao candidato capitão merecem destaque a rede de roupas Riachuelo, de calçados Victor Vicenzza, de artigos esportivos Centauro, de locação de automóveis Localiza, de alimentação Habibs, de restaurantes Madero e Coco Bambu, de academias Bio Ritmo e Smart Fit, de variedades Lojas Americanas e de importados Havan, entre outras.

Se o apoio do agronegócio e do mercado financeiro garantem força territorial e monetária a Bolsonaro, não é absurdo supor que seja do apoio do comércio varejista que emerge parte da capilaridade e do enraizamento que drenam votos para o candidato.

Essas redes de estabelecimentos estão espalhados por shopping centers e centros comerciais de todas as cidades do País e se tornaram um ambiente mais do que propício para a propagação de valores de gestão e produção individualistas, competitivos, agressivos e excludentes, onde a desigualdade de remunerações e a distinção pelo consumo é a regra e não a exceção.

Esse não chega a ser um traço inédito da história brasileira. No século XIX, entre os senhores de terras e os financistas internacionais havia os comerciantes cujos ganhos eram açambarcados com o tráfico negreiro.

No século XX, entre os capitães de indústria e os banqueiros nacionais havia os importadores cujos lucros eram auferidos com as casas de importação de artigos de luxo.

O capitalismo de intermediação comercial e acumulação primitiva sempre esteve presente nessas plagas, mas suas manifestações atuais não deixam de impor novas questões.

A proeminência do setor de comércio e varejo na produção e reprodução de valores conservadores e arcaicos é também resultado das contradições da trajetória que nos vinte anos que vão de 1994 a 2014, da estabilização monetária ao início da crise econômica recente, não deram conta de reverter o processo de desindustrialização pelo qual o País passa.

A desindustrialização abriu espaço para que a lógica dos entrepostos comerciais privados se sobreponha à construção de um projeto de nação.

É da natureza dessa atividade contar com moeda supervalorizada, indústria subvalorizada, contêineres de importação desonerados e fretes de transporte subsidiados, daí seu alinhamento com a dependência econômica e cultural temperada com padrões de consumo norte-americanizados.

De forma simplificada, vendemos em lojas brasileiras produtos de indústrias estrangeiras, seria preferível comprar em lojas estrangeiras desde que os produtos fossem brasileiros.

Se o nacional-desenvolvimentismo tivesse proposto não apenas uma política de substituição de importação, mas uma política de substituição de importadores e se a teoria da dependência tivesse dado um choque de capitalismo não na indústria, mas no comércio varejista, talvez hoje o bolsonarismo não prosperasse com tanta êxito entre o empresariado brasileiro.

A derrota de Bolsonaro passa por mudanças na estrutura produtiva e na estrutura social do nosso padrão de desenvolvimento.

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