Entrevistas
O Brasil é refém do Partido Militar, diz coronel
Para Marcelo Pimentel, o presidente Jair Bolsonaro é uma marionete do Partido Militar
Coronel, oficial da artilharia formado na Academia Militar das Agulhas Negras em 1987, Marcelo Pimentel destoa da maioria de seus pares. Ativo nas redes sociais, ele tornou-se um crítico contumaz de Jair Bolsonaro e da ingerência das Forças Armadas na política. “Não me refiro aos profissionais militares, muito menos ao Exército e às Força Armadas”, pondera. “Meu juízo de valor é o papel político e público que os militares desempenham ou desempenharam, e que é passível de apreciação por qualquer cidadão.”
Em entrevista a CartaCapital, Pimentel disse não temer novo golpe militar. “Os generais certamente pensam: Para que ditadura, se temos o poder?”
CartaCapital: O que seria o Partido Militar? Quem são seus líderes, ideólogos? Onde e como nasceu esse grupo?
Marcelo Pimentel: É um grupo coeso, hierarquizado, disciplinado, com algumas características autoritárias e claras pretensões de poder político, dirigido por um núcleo de generais formados nos anos 1970 na Academia Militar das Agulhas Negras, que integraram ou integram o Alto-Comando do Exército. Em sua dinâmica, eles têm ideário e fundamentação similar a um partido político formal. Seus dirigentes e o capitão sempre foram colegas e amigos próximos, desde 1973, quando conviveram na Escola de Cadetes do Exército. O Partido Militar é o idealizador da candidatura do ex-capitão. Seus líderes mais perceptíveis são generais de Exército ou de Divisão. Alguns estão no governo, outros não ocupam posições visíveis, embora sejam importantes.
CC: Como nasceu o apoio à candidatura de Bolsonaro?
MP: Há uma série de motivações. Essa mesma geração começou a ser promovida ao generalato e a ocupar espaços no Alto-Comando do Exército no início dos anos 2000, coincidentemente os períodos de governo do presidente Lula. São generais formados nos anos 1970, no auge da repressão. Alguns fatos contribuíram para a reestruturação do Partido Militar, entre eles a eleição e reeleição da presidenta Dilma Rousseff e o relatório da Comissão da Verdade, entre outros. O impeachment de Dilma, em 2016, foi o primeiro ato político do Partido Militar, preparatório e facilitador para o que havia sido esboçado em 2014, com a possibilidade de lançamento da candidatura do capitão-deputado. O nome de Bolsonaro, em 2018, foi algo natural, uma vez que era o único representante dessa geração no Parlamento. Note que a semente plantada nos anos 1970 permaneceu adormecida e só germinou e cresceu quando os generais assumiram postos no topo da hierarquia. Meu receio é de que os oficiais de hoje semeiem o ativismo político na atual geração. Minha preocupação não é somente pelo agora, mas pelo porvir.
CC: O Partido Militar tem projetos políticos futuros ou apenas cumpre uma missão no governo Bolsonaro?
MP: Reluto em chamar de governo Bolsonaro. Prefiro chamá-lo pelo que é de fato: o governo de generais do Partido Militar que manobra o presidente, com consentimento e participação dele, e controla a máquina pública na administração direta e indireta. Difícil é precisar o projeto político. Esses generais, ao longo da carreira, pouco se interessavam por política e mal discutiam os temas relacionados, limitando-se a opiniões genéricas de senso comum. O projeto dos militares é movido pela pauta corporativa e de interesse específico, caracterizada por inúmeras iniciativas que beneficiam a classe em geral, com prioridades para a cúpula com benesses, privilégios e prerrogativas de toda ordem.
“O impeachment de Dilma Rousseff foi o primeiro ato político” desse grupo
CC: A escolha do general Eduardo Pazuello para ocupar a pasta da Saúde foi uma decisão do presidente ou escolha do grupo de militares?
MP: Formalmente, claro, foi uma “decisão” do presidente, mas não creio que tenha sido dele a indicação, a nomeação e, em grande medida, a própria ação do general à frente do ministério. Um general da ativa no comando do Ministério da Saúde, creio, foi ação do Partido Militar, com a concordância e autorização do próprio comando do Exército. Neste caso, a sociedade ainda aguarda que os jornalistas perguntem ao general Leal Pujol, então comandante do Exército, não se ele autorizou, posto que seja evidente que o fez, mas por que autorizou um general que “não sabia nem o que era o SUS” a exercer o cargo em plena pandemia.
CC: O senhor afirmou que 90% ou mais de oficiais das Forças Armadas negam que tenha havido “ditadura no Brasil”. Conclamou seus pares a “revisitarem o período autoritário”. O que mudou no pensamento militar pós-1964?
MP: A partir de 1988, a política e as Forças Armadas exerceram um movimento de afastamento recíproco, cada um a ocupar o espaço institucional que lhe cabia. As Forças Armadas e os militares contribuíram para a estabilidade democrática nesse período. Estava tudo muito bem, com pequenos percalços, quando, sob o comando do general Eduardo Villas Bôas algo começou a mudar, para pior. O episódio dos tweets às vésperas do julgamento no STF sobre a prisão em segunda instância, em abril de 2018, foi o fato visível para a sociedade de que as “coisas não eram como antes no quartel de Abrantes”. Desde então, o que tenho criticado é a postura individual de muitos militares da geração formada na Aman nos anos 1970, os quais, chegando aos postos máximos da carreira, assumem atitudes impróprias, indevidas, em relação à política e ao papel institucional dos oficiais do Exército no cenário nacional. Não há nada de errado, por enquanto, com as Forças Armadas, mas poderá haver se os processos de politização dos militares e de militarização da política e da sociedade continuarem a se acentuar. Aliás, se essas práticas não forem sustadas, as sementes de novas intervenções estarão plantadas e germinarão na mentalidade da juventude militar brasileira ao longo de suas carreiras.
CC: O Brasil hoje corre o risco de um novo golpe?
MP: Não acredito, embora não descarte que possa haver algumas encenações. Em lugar de ditadura, os generais do Partido Militar certamente pensam: “Ditadura para que, se temos o poder?”
Publicado na edição nº 1159 de CartaCapital, em 27 de maio de 2021.
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