Política

O Brasil cassado

Restituir simbolicamente os mandatos dos deputados perseguidos pela ditadura foi um ato de justiça

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No início de dezembro, a Câmara Federal, por solicitação da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), devolveu simbolicamente o mandato de 173 deputados cassados pela ditadura. Durante a abertura da sessão, Marco Maia, presidente da Câmara, disse que a solenidade representava um ato que buscava “apagar a nódoa causada pelos gestos autoritários que muito nos envergonha”. Envergonha muito, mas eu não quero apagar nada. Ao contrário: quero que a mancha seja marcada em cores fortes para ninguém jamais esquecer. A iniciativa reflete a determinação da sociedade em passar a limpo esse capítulo tenebroso de nossa história.

Fiquei emocionado. Não se trata de ato de revanchismo, de revolver  o passado movido por qualquer sentimento de vingança. É a necessidade premente de nos livrarmos de uma vez por todas dos fantasmas que ainda atormentam tantas famílias, turvam o entendimento histórico das novas gerações e limitam nossa caminhada na direção do amanhã.

As cassações de mandato vêm de longo tempo. Na Grécia Antiga, constituíam um instrumento da Democracia, uma salvaguarda dos eleitores contra aqueles que, abusando do poder, ameaçavam a liberdade coletiva. No Brasil pós-golpe, tornou-se uma ferramenta para se livrar de oposicionistas ou governistas que, de algum modo, se tornaram inconvenientes ao projeto da ditadura. Ou seja, um ilegítimo e violento instrumento do autoritarismo.

Frequentemente a cassação era acompanhada de prisão, torturas, exílio e até mortes. Cheguei em Brasília em 1971, nas primeiras eleições após o AI-5. O clima era de perplexidade e temor. Aprendi ali que ter medo faz parte da natureza humana, grandes são aqueles que conseguem vencê-lo pela razão. Quem se torna destemido é porque supera o medo.

Convivi nos anos 70 com muitos destemidos na Câmara Federal. Citar nomes é sempre um risco. Podemos cometer graves omissões. Mas, certamente, em qualquer relação estarão presentes Lysâneas Maciel, Alencar Furtado, Chico Pinto, Nadyr Rossetti, Almino Affonso, Arthur Lima Cavalcanti, Fernando de Santanna e Amaury Müller.

Alencar Furtado foi uma das maiores figuras políticas que conheci. Em 1976, fez o primeiro pronunciamento em nome do MDB na televisão. Foi cassado. Deixou uma lacuna imensa na bancada da oposição, era um grande -pensador e excelente orador.

E Chico Pinto? Cassado por criticar Pinochet é algo tão surreal. Chico não só foi cassado como preso, julgado e condenado. A Câmara dos Deputados o processou e o Supremo Tribunal Federal o condenou, suspendendo o seu mandato e o aprisionando.

E não poderia deixar de citar meu grande amigo Lysâneas Maciel. Fui avisado de que se, ele fizessse aquele discurso, seria cassado. Mas recuar não era uma opção e ele discursou. Foi cassado e teve de sair do País, rumo à Suíça.

Quem perdeu? Mais do que Lysâneas, Alencar e Chico, perdemos nós, o Brasil. Eles foram privados do direito de dar sua contribuição ao processo de redemocratização e desenvolvimento do Brasil, mas nós fomos privados dessa contribuição. Homens e mulheres, das mais diversas orientações ideológicas, que fizeram a esperança vencer o medo em pleno regime ditatorial. Comunistas, poucos. Patriotas, democratas, nacionalistas, na sua maioria. Todos capazes de se expor, de colocar em risco não apenas sua integridade pessoal como a de toda a família e amigos.

Por isso o tema é de total atualidade.

Quando falamos que alguém foi cassado, que alguém teve arrancados os seus direitos políticos, pensamos sempre no que o indivíduo perdeu. Seu direito a ter uma voz ativa, seu direito de gritar e reclamar, seu direito de expressão. Mas não se tratou apenas disso. Não foram somente eles que foram cassados. Quando alguém teve roubados seus direitos, todos nós tivemos. O Brasil também foi golpeado. A agressão à democracia se estendia à sociedade inteira. Que carregou na alma a mancha da violência enquanto a ausência da liberdade perdurou.

Por isso, devolver simbolicamente os mandatos confiscados representa mais que uma satisfação moral. Mais do que uma penitência social. Mais que uma reparação. Essa é impossível. Nada é capaz de apagar o sofrimento dos cassados, de suas famílias, de seus amigos, e da própria sociedade. Que sofreu com cada um deles, que carregou na alma a dor de cada exílio e o sangue de cada torturado, de cada morto, de cada desaparecido.

A devolução dos mandatos significa um ato de justiça. Um ato de grandeza que deveria ser encampado, principalmente, por quem golpeou a democracia. Em vez de se fazerem de ofendidos, deveriam, isso sim, apoiar publicamente tais iniciativas.

A justiça não se faz apenas pela punição dos criminosos, se faz também pelo pedido de perdão às vítimas.

No início de dezembro, a Câmara Federal, por solicitação da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), devolveu simbolicamente o mandato de 173 deputados cassados pela ditadura. Durante a abertura da sessão, Marco Maia, presidente da Câmara, disse que a solenidade representava um ato que buscava “apagar a nódoa causada pelos gestos autoritários que muito nos envergonha”. Envergonha muito, mas eu não quero apagar nada. Ao contrário: quero que a mancha seja marcada em cores fortes para ninguém jamais esquecer. A iniciativa reflete a determinação da sociedade em passar a limpo esse capítulo tenebroso de nossa história.

Fiquei emocionado. Não se trata de ato de revanchismo, de revolver  o passado movido por qualquer sentimento de vingança. É a necessidade premente de nos livrarmos de uma vez por todas dos fantasmas que ainda atormentam tantas famílias, turvam o entendimento histórico das novas gerações e limitam nossa caminhada na direção do amanhã.

As cassações de mandato vêm de longo tempo. Na Grécia Antiga, constituíam um instrumento da Democracia, uma salvaguarda dos eleitores contra aqueles que, abusando do poder, ameaçavam a liberdade coletiva. No Brasil pós-golpe, tornou-se uma ferramenta para se livrar de oposicionistas ou governistas que, de algum modo, se tornaram inconvenientes ao projeto da ditadura. Ou seja, um ilegítimo e violento instrumento do autoritarismo.

Frequentemente a cassação era acompanhada de prisão, torturas, exílio e até mortes. Cheguei em Brasília em 1971, nas primeiras eleições após o AI-5. O clima era de perplexidade e temor. Aprendi ali que ter medo faz parte da natureza humana, grandes são aqueles que conseguem vencê-lo pela razão. Quem se torna destemido é porque supera o medo.

Convivi nos anos 70 com muitos destemidos na Câmara Federal. Citar nomes é sempre um risco. Podemos cometer graves omissões. Mas, certamente, em qualquer relação estarão presentes Lysâneas Maciel, Alencar Furtado, Chico Pinto, Nadyr Rossetti, Almino Affonso, Arthur Lima Cavalcanti, Fernando de Santanna e Amaury Müller.

Alencar Furtado foi uma das maiores figuras políticas que conheci. Em 1976, fez o primeiro pronunciamento em nome do MDB na televisão. Foi cassado. Deixou uma lacuna imensa na bancada da oposição, era um grande -pensador e excelente orador.

E Chico Pinto? Cassado por criticar Pinochet é algo tão surreal. Chico não só foi cassado como preso, julgado e condenado. A Câmara dos Deputados o processou e o Supremo Tribunal Federal o condenou, suspendendo o seu mandato e o aprisionando.

E não poderia deixar de citar meu grande amigo Lysâneas Maciel. Fui avisado de que se, ele fizessse aquele discurso, seria cassado. Mas recuar não era uma opção e ele discursou. Foi cassado e teve de sair do País, rumo à Suíça.

Quem perdeu? Mais do que Lysâneas, Alencar e Chico, perdemos nós, o Brasil. Eles foram privados do direito de dar sua contribuição ao processo de redemocratização e desenvolvimento do Brasil, mas nós fomos privados dessa contribuição. Homens e mulheres, das mais diversas orientações ideológicas, que fizeram a esperança vencer o medo em pleno regime ditatorial. Comunistas, poucos. Patriotas, democratas, nacionalistas, na sua maioria. Todos capazes de se expor, de colocar em risco não apenas sua integridade pessoal como a de toda a família e amigos.

Por isso o tema é de total atualidade.

Quando falamos que alguém foi cassado, que alguém teve arrancados os seus direitos políticos, pensamos sempre no que o indivíduo perdeu. Seu direito a ter uma voz ativa, seu direito de gritar e reclamar, seu direito de expressão. Mas não se tratou apenas disso. Não foram somente eles que foram cassados. Quando alguém teve roubados seus direitos, todos nós tivemos. O Brasil também foi golpeado. A agressão à democracia se estendia à sociedade inteira. Que carregou na alma a mancha da violência enquanto a ausência da liberdade perdurou.

Por isso, devolver simbolicamente os mandatos confiscados representa mais que uma satisfação moral. Mais do que uma penitência social. Mais que uma reparação. Essa é impossível. Nada é capaz de apagar o sofrimento dos cassados, de suas famílias, de seus amigos, e da própria sociedade. Que sofreu com cada um deles, que carregou na alma a dor de cada exílio e o sangue de cada torturado, de cada morto, de cada desaparecido.

A devolução dos mandatos significa um ato de justiça. Um ato de grandeza que deveria ser encampado, principalmente, por quem golpeou a democracia. Em vez de se fazerem de ofendidos, deveriam, isso sim, apoiar publicamente tais iniciativas.

A justiça não se faz apenas pela punição dos criminosos, se faz também pelo pedido de perdão às vítimas.

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