Política

Nurembeg não investigou a resistência aos nazistas

A resistência armada e a desobediência a um regime ditatorial é atitude legítima, em especial com relação a um Estado terrorista

Antropóloga trabalha em São Geraldo do Araguaia em busca de restos de desaparecida na ditadura em 2004. Foto: AFP / Vanderlei Almeida
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As discussões em torno da Comissão da Verdade têm sido alvo de polêmicas sobre qual deve, ou deveria ser, o real objeto das investigações do colegiado. As dúvidas partem do pressuposto de que haveria um equilíbrio entre os delitos cometidos por grupos e pessoas que resistiram ao regime militar, ou que tenham manifestado opinião livremente, e aqueles que agiram sob o guarda-chuva do aparato estatal para perseguir, torturar e fazer desaparecer pessoas contrárias à ditadura.

O argumento atrai por sua aparência de equilíbrio e ponderação, mas em verdade não se sustenta racionalmente face aos valores morais que devem nortear a vida democrática.

Com uma pequena dose de razoabilidade e conhecimento histórico, sabe-se que o objetivo maior da Comissão da Verdade deve ser o de investigar os atos dos agentes estatais, ou seja, aquelas pessoas que, usando do cargo público, da honorabilidade do cargo público e remunerados pelo dinheiro público estavam cometendo assassinatos e torturas desumanas. Essencialmente porque essas pessoas ainda não foram investigadas e pouco se sabe sobre as ações acobertadas ou ocultadas sob o manto do estado de exceção. Em suma, a sociedade não  sabe quem são essas pessoas, os atos praticados por elas e tampouco os locais para os quais destinaram os corpos das vítimas.

O movimento armado, pelo contrário, foi amplamente desnudado e seus integrantes, ações e comportamentos são conhecidos há muito. De modo que defender uma “Comissão da Verdade que investigue os dois lados” é, em boa medida, sustentar que ambos os lados encontram-se em situação semelhante, quando a realidade é inteiramente diversa. Essa argumentação acaba funcionando como uma cortina de fumaça nos trabalhos da comissão e é preciso dissipá-la.

Os defensores de um equilíbrio dos dois lados recorrem com frequência ao fato de a Lei de Anistia ter sido julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, não cabe mais punição penal a quem quer que seja, ainda que haja algumas teses não apreciadas pelo STF até o momento, como a equiparação dos desaparecimentos aos crimes de sequestro, não sejam abarcados pela Lei da Anistia.

De todo modo, é oportuno usar o produto do relatório da Comissão da Verdade para conhecimento da verdade histórica e para que outras instituições, como o Ministério Público, promovam novos inquéritos civis e ações reparatórias. São os casos de ressarcimento, porque o ato de torturar ou de matar uma pessoa que está sob detenção –portanto impotente – na mão do Estado são atos de ofensa também à lei civil.

E essas ofensas civis de perseguição indevida durante a ditadura geram indenizações que o Estado deve pagar. Ora, os agentes públicos que deram causa a essas indenizações devem ressarcir o Estado. Este é um tipo de ação é que não é objeto de Lei de Anistia e tem caráter imprescritível, segundo a nossa  Constituição.

Fazendo uma comparação do que se quer investigar na comissão, é a mesma coisa que, na época do nazi-fascismo, quando houve resistência armada contra o nazismo na Alemanha e contra o fascismo na Itália, querer que o tribunal de Nurembeg investigasse também a resistência aos regimes totalitários, o que seria um absurdo. Ou seja, tudo leva a crer que a pretensão de estender as investigações só tem como objetivo prejudicá-las.

A resistência armada e a desobediência a um regime ditatorial é atitude legítima, em especial com relação a um Estado terrorista como era o Estado da ditadura. Pouco importa a crença ideológica dos resistentes: como não puderam expressa-la livremente no âmbito politico por conta do controle violento da Estado sobre a cidadania, a resistência se legitima

Note-se também que a maioria dos perseguidos pela ditadura nada mais fizeram do que expressar opiniões que desagradaram os ditadores e em nenhum momento pegaram em armas. Mesmo assim, foram barbaramente torturados, mortos ou obrigados a se exilar.

A tentativa de ampliar o objeto da investigação é medida realizada para subtrair sua eficácia e eficiência. A estratégia era observada na lei que criou a Comissão da Verdade e estipulou um período mais amplo que o da ditadura de 1964 como objeto das investigações. É cediço que qualquer investigação para ser eficiente tem de ter foco certo.

Mas o que esperamos é que os trabalhos sejam norteados por uma Comissão da Verdade, não uma espécie de “Comissão do Recibo”, ou seja, que trabalhe bem e de forma eficiente. Para o Brasil, já é um grande mérito criar tal comissão. Afinal, há quanto tempo os familiares dos perseguidos e desaparecidos no regime esperam pelo alívio de saber o que realmente aconteceu com seus familiares?

As discussões em torno da Comissão da Verdade têm sido alvo de polêmicas sobre qual deve, ou deveria ser, o real objeto das investigações do colegiado. As dúvidas partem do pressuposto de que haveria um equilíbrio entre os delitos cometidos por grupos e pessoas que resistiram ao regime militar, ou que tenham manifestado opinião livremente, e aqueles que agiram sob o guarda-chuva do aparato estatal para perseguir, torturar e fazer desaparecer pessoas contrárias à ditadura.

O argumento atrai por sua aparência de equilíbrio e ponderação, mas em verdade não se sustenta racionalmente face aos valores morais que devem nortear a vida democrática.

Com uma pequena dose de razoabilidade e conhecimento histórico, sabe-se que o objetivo maior da Comissão da Verdade deve ser o de investigar os atos dos agentes estatais, ou seja, aquelas pessoas que, usando do cargo público, da honorabilidade do cargo público e remunerados pelo dinheiro público estavam cometendo assassinatos e torturas desumanas. Essencialmente porque essas pessoas ainda não foram investigadas e pouco se sabe sobre as ações acobertadas ou ocultadas sob o manto do estado de exceção. Em suma, a sociedade não  sabe quem são essas pessoas, os atos praticados por elas e tampouco os locais para os quais destinaram os corpos das vítimas.

O movimento armado, pelo contrário, foi amplamente desnudado e seus integrantes, ações e comportamentos são conhecidos há muito. De modo que defender uma “Comissão da Verdade que investigue os dois lados” é, em boa medida, sustentar que ambos os lados encontram-se em situação semelhante, quando a realidade é inteiramente diversa. Essa argumentação acaba funcionando como uma cortina de fumaça nos trabalhos da comissão e é preciso dissipá-la.

Os defensores de um equilíbrio dos dois lados recorrem com frequência ao fato de a Lei de Anistia ter sido julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, não cabe mais punição penal a quem quer que seja, ainda que haja algumas teses não apreciadas pelo STF até o momento, como a equiparação dos desaparecimentos aos crimes de sequestro, não sejam abarcados pela Lei da Anistia.

De todo modo, é oportuno usar o produto do relatório da Comissão da Verdade para conhecimento da verdade histórica e para que outras instituições, como o Ministério Público, promovam novos inquéritos civis e ações reparatórias. São os casos de ressarcimento, porque o ato de torturar ou de matar uma pessoa que está sob detenção –portanto impotente – na mão do Estado são atos de ofensa também à lei civil.

E essas ofensas civis de perseguição indevida durante a ditadura geram indenizações que o Estado deve pagar. Ora, os agentes públicos que deram causa a essas indenizações devem ressarcir o Estado. Este é um tipo de ação é que não é objeto de Lei de Anistia e tem caráter imprescritível, segundo a nossa  Constituição.

Fazendo uma comparação do que se quer investigar na comissão, é a mesma coisa que, na época do nazi-fascismo, quando houve resistência armada contra o nazismo na Alemanha e contra o fascismo na Itália, querer que o tribunal de Nurembeg investigasse também a resistência aos regimes totalitários, o que seria um absurdo. Ou seja, tudo leva a crer que a pretensão de estender as investigações só tem como objetivo prejudicá-las.

A resistência armada e a desobediência a um regime ditatorial é atitude legítima, em especial com relação a um Estado terrorista como era o Estado da ditadura. Pouco importa a crença ideológica dos resistentes: como não puderam expressa-la livremente no âmbito politico por conta do controle violento da Estado sobre a cidadania, a resistência se legitima

Note-se também que a maioria dos perseguidos pela ditadura nada mais fizeram do que expressar opiniões que desagradaram os ditadores e em nenhum momento pegaram em armas. Mesmo assim, foram barbaramente torturados, mortos ou obrigados a se exilar.

A tentativa de ampliar o objeto da investigação é medida realizada para subtrair sua eficácia e eficiência. A estratégia era observada na lei que criou a Comissão da Verdade e estipulou um período mais amplo que o da ditadura de 1964 como objeto das investigações. É cediço que qualquer investigação para ser eficiente tem de ter foco certo.

Mas o que esperamos é que os trabalhos sejam norteados por uma Comissão da Verdade, não uma espécie de “Comissão do Recibo”, ou seja, que trabalhe bem e de forma eficiente. Para o Brasil, já é um grande mérito criar tal comissão. Afinal, há quanto tempo os familiares dos perseguidos e desaparecidos no regime esperam pelo alívio de saber o que realmente aconteceu com seus familiares?

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