Política
Novo tabuleiro
A briga dos irmãos Ferreira Gomes reconfigurou o mapa político no estado


As feridas abertas em 2022, com a ruptura entre o PT de Camilo Santana e o PDT de Ciro Gomes, aprofundaram-se em 2024, pelo desembarque em massa de lideranças do PDT rumo ao PSB, e afetaram os resultados das eleições municipais cearenses deste ano. A derrota do atual prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), e da ex-governadora Izolda Cela (PSB) em Sobral são as consequências desses episódios.
A dinâmica partidária local tem vida própria, mas, no Ceará, também obedece a uma gramática que envolve a centralidade de lideranças de instâncias partidárias, responsáveis pela definição de estratégias e pelas escolhas de candidaturas majoritárias. Nesse sentido, vale observar a força (ou a fragilidade) dessas lideranças a partir do desempenho de suas legendas nas eleições dos 184 municípios cearenses neste ano.
Havia grande expectativa sobre o desempenho dos aliados de Cid Gomes. Após a briga com o irmão Ciro e sua migração do PDT para o PSB, em fevereiro deste ano, o senador foi acompanhado por uma leva de prefeitos e lideranças que transformaram o PSB numa das maiores siglas do estado, passando de 8 para 61 prefeitos. Distante da máquina pública, com um mandato de senador pouco expressivo, Cid fez grande esforço para emplacar candidaturas competitivas aos cargos majoritários em 2024. Não por acaso, a sigla lançou, ao todo, 93 candidatos a prefeito.
Uma das principais apostas do PSB era a sucessão de Ivo Gomes em Sobral, que encerrou o mandato sob desgaste após a implementação da taxa do lixo. Para mitigar os efeitos negativos de uma hegemonia política de quase 30 anos, indicaram como candidata Izolda Cela, quadro qualificado, que agregaria também o capital político de Camilo Santana. Os esforços dos irmãos Cid e Ivo e o apoio de Camilo não foram, porém, suficientes.
Segundo turno. O PT ainda tem chance de eleger Waldemir Catanho em Caucaia e Evandro Leitão em Fortaleza. Lula deve reforçar os palanques – Imagem: Redes sociais
Mesmo com a derrota em Sobral, a encerrar o ciclo da família Ferreira Gomes em seu principal reduto eleitoral, o PSB conquistou 65 prefeituras, fechando as eleições de 2024 como campeão em número de prefeitos eleitos no Ceará, demonstrando a resiliência do ex-governador.
Camilo Santana, que demonstrou força ao eleger o governador Elmano de Freitas em primeiro turno em 2022, chegou a 2024 como uma das mais importantes lideranças políticas dos anos recentes e o principal ativo do PT no Ceará. Sua articulação e influência foram decisivas na escolha dos candidatos que concorreram em grandes colégios eleitorais, como Juazeiro do Norte e Iguatu, onde viu aliados serem derrotados.
Apesar dos reveses, o partido tornou-se o segundo maior em número de prefeituras. Se em 2020 o PT conquistou 18 municípios, agora, sob o comando de Camilo, chega a 46 e disputará o segundo turno nos dois principais colégios eleitorais do estado: Fortaleza e Caucaia.
O PSB de Cid Gomes elegeu 65 prefeitos. O PT de Camilo Santana ficou em segundo, com 46 eleitos
Em Fortaleza, a chegada de Evandro Leitão, recém-filiado ao PT, ao segundo turno, deve-se também à força de Camilo, que tirou férias do Ministério da Educação para dedicar-se à campanha de aliados mais próximos. Como principal cabo eleitoral na capital, segundo diferentes institutos de pesquisa, Camilo apareceu como personagem de destaque em diferentes peças publicitárias e nas falas de Evandro.
Em Iguatu, um dos dez maiores colégios eleitorais do estado, o imbróglio teve início ainda em 2022, com a cassação do prefeito Ednaldo de Lavour, do PSD, sob a acusação de usar canais institucionais para a campanha em 2020. A chapa foi afastada do cargo até a conclusão do processo, gerando a expectativa de que fossem realizadas eleições suplementares, caso o STF ratificasse a decisão. A janela de oportunidade antecipou movimentos do tabuleiro municipal. Assim, Sá Vilarouca, empresário e fundador do diretório do PT na cidade, postulou o seu nome ao Executivo, buscando o apoio da legenda. Não contava com a oposição de uma minoria, influenciada por lideranças locais e estaduais, em favor de uma aliança com Agenor Neto (PMDB), deputado estadual e ex-prefeito.
O anúncio da pré-candidatura de Sá ocasionou uma sequência de vazamentos de áudio, rupturas e traições no PT iguatuense. Diante do racha, a solução encontrada por Camilo e Elmano para apaziguar os ânimos e favorecer seu escolhido, Agenor Neto, foi filiar seu filho, Ilo Neto, que saiu candidato pelo PT do município. Sá migrou para o PSB de Cid Gomes e outros nomes surgiram na disputa, como Roberto Filho (PSDB), filho do ex-prefeito Roberto Costa. As confusões internas enfraqueceram tanto a candidatura de Sá quanto a de Ilo, que amargou uma derrota por uma diferença de apenas 2 mil votos.
Ainda no arco de alianças com o PT de Camilo Santana estão outras legendas e lideranças influentes. Caso de Domingos Filho, ex-vice-governador e chefe de uma das principais linhagens de políticos de nossa história recente. Após rompimento com Cid Gomes, retornou ao grupo governista por articulação de Camilo Santana. Sob seu comando, o PSD, que figurou como uma das maiores legendas em 2020 (26 prefeitos eleitos), perdeu tamanho, mas fechou as eleições com 14 prefeituras, podendo chegar a 15, caso vença o segundo turno em Caucaia.
A derrota do pedetista Sarto em Fortaleza não resulta apenas da fraca avaliação como gestor ao longo de quase quatro anos de mandato, é a principal sequela das feridas não cicatrizadas na ruptura entre PT e Ciro Gomes nas eleições de 2022. Ainda que tenha começado a competição com boas expectativas e reais chances de ir ao segundo turno, Sarto deparou-se com uma disputa que não envolvia apenas seu principal adversário desde a eleição de 2020, Capitão Wagner (União Brasil), mas também o surgimento de uma disputa partidária mais acirrada, entre PT e PL, que tomou força ao longo da campanha. Foi assim que Sarto ficou de fora da disputa na capital, agora envolvendo André Fernandes (PL) e Evandro Leitão (PT).
Sobral. A derrota de Izolda Cela abala a hegemonia dos Ferreira Gomes na cidade – Imagem: Redes sociais
Ciente da sua alta rejeição em Fortaleza, Ciro manteve participação discreta na campanha de Sarto e direcionou sua atenção a outros aliados pelo interior. Como principal ativo na capital, o PDT acionou o ex-prefeito Roberto Cláudio, que fez dobradinha com Sarto durante todo o período de campanha e na maioria das peças de publicidade. Resultado: a legenda de Ciro perdeu sua principal cidade e obteve seu pior desempenho no estado desde a entrada dos irmãos no partido, em 2015. Para além do insucesso na capital, o PDT encerra as eleições de 2024 com apenas cinco prefeituras.
Fortaleza e Caucaia são as únicas cidades cearenses onde haverá segundo turno. As disputas nesses municípios envolvem padrinhos políticos expressivos. Lula, que visitou Fortaleza logo após o primeiro turno, cumpriu agenda de campanha com Evandro e deve endossar o nome do candidato de Caucaia. A visita do presidente coincidiu com o anúncio da entrada de Luizianne Lins, ex-prefeita de Fortaleza, que deve engrossar as fileiras e acionar a militância petista na cidade em favor de Evandro.
A vitória ou derrota do candidato do PT deverá ser creditada a Camilo Santana, dado seu papel na articulação para a escolha dos nomes e na composição que montou para dar suporte à empreitada petista nos dois maiores colégios eleitorais do Ceará. O resultado eleitoral, sobretudo em Fortaleza, poderá sedimentar o protagonismo do ministro no PT cearense. •
*Alexandre Landim é professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. Luciana Santana é professora da pós-graduação da Universidade Federal de Alagoas e da Universidade Federal do Piauí, além de ser secretária-executiva da Associação Brasileira de Ciência Política. Monalisa Torres é professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas na mesma instituição.
Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2024, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: https://observatoriodaseleicoes.com.br.
Publicado na edição n° 1333 de CartaCapital, em 23 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Novo tabuleiro’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.