Novo entendimento do STF pode não esclarecer se houve caixa dois ou compra de votos, diz analista

Relator e revisor avaliaram não ser necessário comprovar ligação entre recebimento de dinheiro e ato de ofício; bastaria solicitar vantagem para haver corrupção passiva

O ministro Ricardo Lewandowski. Foto: José Cruz/ABr

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A conclusão do voto do relator Joaquim Barbosa no item seis do julgamento do chamado “mensalão” no Supremo Tribunal Federal (STF) e o início da análise do revisor Ricardo Lewandowski começam a formar um novo entendimento da Corte sobre o crime de corrupção passiva. Até o momento, para caracterizar o crime os ministros avaliaram não ser mais necessário comprovar a ligação entre o recebimento de vantagem indevida por um parlamentar em troca de um ato de oficio em favor do corruptor. Bastaria solicitar ou receber vantagem indevida.

Barbosa disse ser irrelevante a existência do caixa dois para a caracterização da corrupção, além de deixar claro acreditar ter havido compra de votos. Lewandowski ressalva que o Supremo apontou no caso de João Paulo Cunha não ser necessário indicar a relação entre recebimento e ato de ofício e, por isso, entende que se um parlamentar recebe vantagem indevida de alguém com interesse em sua função está caracterizada a corrupção.

Caso os outros ministros cheguem à mesma conclusão, o julgamento poderia terminar sem que fique esclarecido um dos principais debates do processo: houve caixa dois ou compra de votos? “Por esse entendimento, não interessa mais se é compra de voto ou caixa dois”, sustenta Walter Maierovitch, desembargador aposentado e colunista de CartaCapital.

Caberia, então, aos demais ministros indicarem suas convicções sobre o tema, como fez Barbosa. Para o relator, ficou demostrada a compra de apoio porque os partidos “não são vocacionados” a dar dinheiro aos outros sem motivos. “Aceitar essa tese (da defesa) significa concluir que os beneficiários de milhões tiveram duas condutas distintas e sem relação. De um lado solicitaram dinheiro ao PT e de outro votaram em importantes matérias no sentido orientado pelo partido. É uma conclusão inconcebível”, disse na quinta-feira 20.

Desde a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o ex-presidente Fernando Collor pela compra de um carro com o cheque de um “correntista fantasma” do esquema de PC Farias, a jurisprudência do Supremo era que o corruptor precisaria ter em mente um benefício a ser realizado pelo corrompido no exercício de sua função. “O MP não comprovou qual foi o ato de ofício em troca do Fiat Elba e a ação foi vista como inepta”, lembra Maierovitch.

Caso consolidado, aponta Leonardo Massud, professor de Direito Penal da PUC-SP e advogado criminal, esse novo entendimento pode tornar mais fácil o enquadramento no crime de corrupção passiva. Por outro lado, diz, a exigência do ato de ofício decorre do próprio texto da lei. “Não se paga em troca de nada. Fica uma questão esvaziada o mero ato de entrega do dinheiro passar a poder configurar o crime de corrupção sem o sentido de desproteger a administração pública.”


Claudio José Langroiva Pereira, professor-doutor em Direito Processual da PUC-SP, também sustenta ser preciso fazer a ligação entre o ato de ofício e a razão do recebimento da vantagem indevida. “Não importa a finalidade que foi dada ao valor, mas se aceita a corrupção passiva é preciso indicar quais votos foram comprados, quais deputados venderam e em quais votações.”

A defesa dos réus diz-se prejudicada pela análise, uma vez que a maior parte dos acusados confessou o recebimento do dinheiro do PT para saldar dívidas de campanha, sem ato de ofício caracterizado nesta conduta. Pelo novo entendimento, eles confessaram o recebimento de dinheiro ilícito, o que bastaria para caracterizar corrupção.

Os personagens do mensalão

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