Política

assine e leia

Novo cenário

Mesmo com o fim da Lava Jato e Bolsonaro fora do poder, a direita chega forte nas disputas no Sudeste, mas a esquerda ainda pode crescer

Novo cenário
Novo cenário
Rio de Janeiro. Centrista, mas apoiado pelo PT de Lula, Paes tem chances de se reeleger no primeiro turno das eleições – Imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

As eleições municipais de 2024 serão fundamentais para o futuro da direita no Brasil. Esse grupo vem surfando desde o pleito de 2016, a partir de diferentes fenômenos pelos quais o País passou. A direita foi, por exemplo, a principal beneficiária das ações da Lava Jato. Até mesmo partidos envolvidos no escândalo de corrupção da Petrobras experimentaram enorme crescimento oito anos atrás, como foi o caso do PP, sigla atingida pelas investigações, mas que não esteve sob os holofotes de condenação da cobertura midiá­tica. A direita também surfou na onda do bolsonarismo e, mesmo com a pandemia a pleno vapor, beneficou-se com Jair Bolsonaro no poder. Nesse sentido, tem muito a ganhar ou perder nestas eleições.

O grande fenômeno dos anos 1990 e 2000 foi a vitória do PT e das administrações da esquerda nas grandes cidades, em especial São Paulo, que foi governada por prefeitos petistas três vezes nesse período, e Belo Horizonte, que chegou a ter 16 anos consecutivos de administrações de esquerda. Partidos do campo progressista também triunfaram fora do Sudeste, em municípios como Porto Alegre e Fortaleza.

Houve, porém, mudanças estruturais na maneira como o eleitorado se relaciona com a esquerda e com a direita. No caso de São Paulo, tomando a rodada de pesquisas da Quaest divulgada em 28 de agosto, Guilherme Boulos, do PSOL, perderia de todos os adversários no segundo turno, menos de Pablo Marçal, do PRTB. Já em Belo Horizonte, a direita, somando-se as intenções de voto de todos os candidatos desse grupo, alcança 60% do eleitorado. A pergunta central é: o que ocorreu com as forças de esquerda nas grandes capitais brasileiras da região Sudeste?

Para esse questionamento, temos três respostas diferentes. Primeiramente, de um lado, temos São Paulo, a cidade que mais fortemente oscila entre esquerda e direita no Brasil. A capital paulista foi a primeira a ser conquistada pelas forças de esquerda logo após a democratização, com Luiza Erundina, do PT. O partido voltou ao comando da prefeitura com Marta Suplicy (2001-2004) e com Fernando ­Haddad (2013-2016). A crise política nacional fez seu projeto de reeleição ruir, e Haddad foi derrotado, ainda no primeiro turno, pelo tucano João Doria. Apesar disso, importante lembrar que Lula venceu em 2022 tanto na cidade de São Paulo quanto na região metropolitana.

Em segundo lugar, temos Belo Horizonte, uma cidade na qual o eleitorado oscila menos, mas que passou por uma virada estrutural. De 1993 a 2009, Belo Horizonte foi governada por três prefeitos de partidos de esquerda: ­Patrus Ananias, Célio de Castro e Fernando Pimentel. Nas bases de uma aliança entre o PT e o PSB, esgotou-se um período de administrações de progressistas na cidade, ainda que essas experiências tenham deixado uma forte marca na estrutura social e nas políticas públicas da cidade. Apesar das conquistas, Belo Horizonte movimentou-se à direita.

Em terceiro lugar, temos o Rio de Janeiro, cidade que jamais foi governada pela esquerda, mas que tem um prefeito que seria o mais centrista dos três e que concorre, agora, em aliança com o PT. Por último, temos Porto Alegre, fora do Sudeste, mas que se tornou um ícone das administrações petistas. A capital gaúcha foi governada por algumas das principais lideranças do partido, como Olívio Dutra, Raul Pont e Tarso Genro, mas seu eleitorado também pendeu à direita nos últimos anos. Ainda assim, vale lembrar que Lula foi vitorioso em Porto Alegre em 2022.

Apesar de a conjuntura apontar na direção de uma manutenção da hegemonia da direita nas eleições municipais, é relevante salientar que, ao lançarem um número de candidatos 24% superior ao lançado em 2020, o PT e a esquerda também poderão ter algum crescimento quantitativo.

O PT e outras siglas do campo progressista lançaram um número de candidatos 24% maior que o de 2020

Do ponto de vista dos movimentos midiáticos, partimos da lembrança da Lava Jato, que completa 10 anos neste ano de 2024, para pensar os impactos eleitorais a partir dos arranjos e rearranjos das mídias. As ações da operação, intensificadas a partir de 2015 com grande suporte da mídia tradicional, impactaram fortemente os arranjos democráticos e as eleições no País. Daquele momento em diante, o que se viu foi um fortalecimento da direita e da extrema-direita, culminando na eleição de Jair Bolsonaro em 2018, já no cenário de protagonismo do ambiente digital.

Desde então, o ecossistema de desinformação se consolidou fortemente no Brasil, e chegamos, agora, ao fenômeno de Pablo Marçal, que mobiliza e atualiza os discursos que foram disseminados lá naquele momento – meritocracia, empreendedorismo, salvação da Pátria fora da política –, bem como mobiliza e potencializa aspectos que são constitutivos da relação sociedade e política no Brasil, como o ressentimento.

Mais recentemente, a tragédia socioambiental em Porto Alegre também jogou ondas gigantescas, que sacudiram as bases do discurso antipolítica e antiestatal. Houve uma mobilização intensa da extrema-direita no sentido de disseminar a ideia de que havia ali uma ação de cidadãos sem o Estado, que somente atrapalhava, mas isso não se sustentou, sobretudo a partir do grande protagonismo do governo Lula, que prontamente se deslocou para Porto Alegre e viabilizou uma série de medidas e de apoio à população, jogando no ostracismo o governador Eduardo Leite.

Nessa movimentação, dois pontos são importantes serem observados. Primeiro, mesmo a contragosto, a mídia tradicional mostrou que havia uma ação efetiva do Estado, inclusive denunciando as fake news propagadas naquele momento. Segundo, as redes de desinformação, por mais rápidas que tenham sido na disseminação de mentiras, não conseguiram sustentar o discurso diante do tamanho da tragédia. •

Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2024, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: https://observatoriodaseleicoes.com.br

Publicado na edição n° 1327 de CartaCapital, em 11 de setembro de 2024.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo