Política

Entre palanques de Haddad e Ciro, Camilo caminha para vitória no Ceará

Aliado de longa data da família Gomes, governador do PT e candidato à reeleição lidera com folga, segundo pesquisas

Camilo tem se revezado nos palanques com Ciro e o PT
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Nenhum candidato no Brasil chega perto da diferença de 60% de intenção de votos registrada pelo governador do Ceará e concorrente à reeleição Camilo Santana (PT) em relação a seu adversário mais próximo, de acordo com a pesquisa Ibope divulgada em agosto. O abismo que separa o petista do tucano Coronel Theophilo coloca a eleição cearense como a mais previsível do cenário eleitoral diante da coalizão governista e da fragilidade da oposição em convencer os descontentes.

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A supremacia do governador petista, ligado historicamente a Ciro e Cid Gomes, só é comparável à preferência do eleitorado local pelo ex-presidente Lula, dono de mais de 50% das projeções de voto quando ainda era incluído nas pesquisas.

Local onde nasceu e desenvolveu sua carreira política, o Ceará é o estado no qual melhor pontua Ciro Gomes (PDT), ex-governador e ex-ministro de Itamar Franco. Nos cenários com Lula, o presidenciável do PDT alcançava 15%. A partir da oficialização da candidatura de Fernando Haddad (PT) à presidência, o pedetista passou a centralizar com o ex-prefeito de São Paulo as adesões que migrarão em virtude da inelegebilidade de Lula.

“O Ceará se mantém como referência para educação pública no país e esse quadro teve a ajuda de Haddad quando foi ministro da educação de Lula, é por isso que ele representa a voz e a defesa do legado do maior presidente da historia desse país. Só restabeleceremos a democracia com Lula livre”, destacou Camilo ao lado de Haddad, no comício realizado no cento de Fortaleza no final de agosto. Duas semanas depois, o governador esteve em Sobral no palanque de Ciro, aliado político de longa data no plano regional.

A segunda maior rede de ensino integral do país com 230 unidades, os investimentos no ensino técnico e os expressivos resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) classificando grande parte das escolas entre as melhores do país apoiam o discurso oficial.

A gestão de Camilo representa a continuidade dos governos anteriores de Cid Gomes (PDT), beneficiando-se do seguimento de políticas públicas ao mesmo tempo em que imprimia sua liderança na relação política desenvolvida junto à Assembleia Legislativa e às prefeituras.

“Em geral as pessoas ficam muito voltadas para as coisas ruins pelo direcionamento que a mídia impõe. Muitos programas importantes estão ocorrendo, nesse momento estudo literatura em um curso gratuito proporcionado pelo governo”, destaca Rosi Maria, moradora do bairro de Itaóca, onde há concentração de lixo e vias precárias em muitos pontos.

A extensão de três mil quilômetros de asfalto a cidades do interior, as políticas inclusivas que permitiram o passe livre às 200 mil pessoas com deficiência – e gratuidade ao acompanhante – e a reprodução de projetos exitosos como as “areninhas” projetadas em Fortaleza e replicadas no interior como centros de convivência e prática esportiva aprovados pela população alavancaram a governabilidade do petista, que conta com uma das maiores alianças nacionais lideradas pelo PT.

“Camilo é um homem simples que sabe dos problemas enfrentados pela população e se relaciona bem com os prefeitos independentemente a qual partido pertençam”, destaca o deputado federal Chico Lopes (PCdoB), concorrente à reeleição.

Do poder institucional aos movimentos sociais, o Ceará é o estado com o maior número de assentados pela reforma agrária, 400 mil pessoas de acordo com João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). 

A sempre crítica situação hídrica passou a ser enfrentada com o chamado cinturão das águas, projeto que envolve a construção de 400 quilômetros de adutoras e perfuração de cinco mil poços, estruturas que serão utilizadas para distribuir a todo o estado as águas que virão da transposição do Rio São Francisco.

Desde que Michel Temer assumiu o cargo de presidente, o Ministério da Integração tem estendido o prazo de finalização das obras, prometidas para serem entregues até o final do ano, depois do último atraso. A alteração nos prazos gera ansiedade nas regiões metropolitanas de Fortaleza e Cariri, assim como no sertão central e área norte, localidades que sofrem com a seca e a falta de água potável para produção e consumo.

 A lentidão dos investimentos federais trouxe as influências da crise nacional ao território cearense, ainda que a geração de vagas em algumas cidades tenha servido de contrapeso ao aumento do desemprego. Em Quixeramobim a regularização de quatro mil trabalhadores da Cooperativa de Calçados colocaram o município no topo entre os empregadores considerando os centro urbanos médios e pequenos.

Petismo amarelo, comando vermelho

No cenário de uma oposição debilitada em muitas ocasiões quem mais faz barulho são alas internas do Partido dos Trabalhadores que relutam em concordar com algumas das decisões tomadas pela cúpula. As críticas dos que falam em um “petismo amarelo”, em alusão à práticas que seriam similares às praticadas pelos tucanos no manejo da máquina pública, foram intensificadas a partir da formação da ampla coligação governista reunindo siglas conservadoras a exemplo do DEM e do PP.

“O fechamento político com asfixiamento da possibilidade de uma oposição parlamentar e social, somado ao apoio de todos os setores burgueses, incluindo o da mídia, gera o cenário de ‘aceitação’ construído pelos institutos (de formação) de opinião”, considera Aílton Lopes, candidato ao governo pelo PSOL.

Para além da chapa oficial, o acordo informal com o MDB liderado regionalmente pelo presidente do Senado e candidato à reeleição Eunício Oliveira acendeu os maiores embates dentro do campo progressista. A negociação resultou na exclusão da candidatura do senador José Pimentel (PT), eleito em 2010 com mais de 2,3 milhões de votos e no lançamento de Cid Gomes como nome único da coalizão para concorrer ao senado, beneficiando de maneira direta Eunício, que inclusive apresentava-se como o senador de Lula em sua propaganda eleitoral mesmo tendo votado favoravelmente ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e a favor do congelamento de gastos públicos.

Adversários na eleição ao executivo em 2014, Camilo e Eunício participaram juntos de atos nessa campanha, motivo de crítica para Ciro Gomes, que declarou sentir vergonha pela “aliança contraditória” formatada por sua base no Ceará. A disputa pelo senado, aliás, oferece mais uma prova de como a tendência da hegemonia de políticos tradicionais deve se estender ao legislativo com os altos percentuais atingidos pelo ex-governador e coordenador da campanha do irmão, Cid Gomes e do próprio Eunício, um dos homens mais ricos de seu estado e do parlamento brasileiro.

“A consequência de convivermos com famílias que lucram com a atividade política e pouco prezam pelas necessidades do povo são cada vez mais pesadas. Durante a gestão de Lula, tínhamos carro, reformávamos a casa, agora precisamos parar as melhorias e vender o automóvel.”, compara Ana Roxedo, em um ônibus em Fortaleza, quinta cidade mais populosa do país com 2,6 milhões de habitantes.

Com ainda mais poder financeiro que seus adversários, o ex-governador cearense Tasso Jereissatti (PSDB), senador mais rico do Brasil com 400 milhões de reais declarados ao Tribunal Superior Eleitora,l tenta manter em pé a candidatura tucana ao executivo local, apesar das deserções de antigos aliados, enquanto critica a postura do PSDB no plano nacional , conforme entrevista concedida a um jornal paulista na qual afirma que o grande erro do partido foi apoiar Michel Temer e contestar a vitória de Dilma Rousseff. A assessoria do parlamentar ignorou os contatos feitos pela reportagem de Carta Capital.

O líder tucano recorreu ao Coronel Theophilo para representar a legenda e apostar no tema da segurança a fim de convencer o eleitorado a aderir ao desconhecido militar que coloca o Ceará na condição de narcoestado com áreas controladas por facções, especialmente pelo Comando Vermelho, além de denunciar que recebeu ameaças de morte do crime organizado. A estratégia de apresentar um membro das Forças Armadas já havia sido testada sem sucesso na eleição para a prefeitura de Fortaleza em 2016 quando o Capitão Wagner, à época no PR, foi derrotado por Roberto Claudio (PDT) no segundo turno.

“Apesar do governado bradar os investimentos na área da segurança, ele são insuficientes ou não tiveram eficácia, pois na prática os objetivos não foram alcançados. A situação nacional e o apoio a Bolsonaro mostram o tamanho da insatisfação com o tema. Os candidatos que apresentarem soluções para esse problema tem um poder de atração muito forte, por isso nosso palanque presidencial da oposição no Ceará abrange as candidaturas de Geraldo Alckmin por parte do PSDB e de Jair Bolsonaro, apoiado pelo Capitão Wagner, presente em nossa coligação”, comenta o deputado federal Danilo Forte (PSDB).

A morte de um Policial Militar confundido com assaltante próximo ao terminal Parangaba, na capital, serviu de munição à desconfiança e ao medo de parte da população em relação ao Policiamento Ostensivo Geral e outras unidades de segurança. O modelo preferido pelo governo é o do Raio (Ronda de Ações Intensivas e Ostensivas), composto por policiais em motos com capacidade de rápido deslocamento e de fácil interiorização – até mesmo cidades com menos de 30 mil habitantes possuem esse tipo de efetivo. O reforço do corpo profissional a partir da contratação de concursados e a criação de conselhos comunitários de segurança  são outras medidas que tentam bloquear o crescimento da criminalidade, considerado o problemas mais grave do estado segundo os cearenses.

De Maria da Penha a Dandara, os símbolos cearenses da violência e da resistência

Histórias carregas de violência e reações posteriores de transcendental relevância marcam também a trajetória da chamadas minorias políticas no estado. Símbolo absoluto dessa relevância, Maria da Penha, vítima de agressões domésticas em Fortaleza, sua cidade natal, deu nome à lei de proteção às mulheres contra a violência, relatada pela deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB).

A lei que completou doze anos vem sendo aprimorada ressaltando a necessidade de avanço nas políticas que permitam de fato mais proteção às mulheres ameaçadas ou vítimas de abusos. Dados recentes do Ceará apontam que mais de 500 vítimas receberam acompanhamento através do programa Ronda Maria da Penha, realizada em parceria com a PM, somente levando em consideração Fortaleza, Sobral e Juazeiro do Norte. Apesar da medida, em 2017 houve crescimento de feminícidios em comparação ao ano anterior, situação agravada pelo fato de na capital haver apenas uma Delegacia da Mulher. Novas unidades estão em planejamento e contam inclusive com a participação da colaboradora de honra da Coordenadoria da Mulher da Prefeitura de Fortaleza, Maria da Penha, indicada no ano passado ao Nobel da Paz, por iniciativa da deputada federal Luizianne Lins (PT).

A ex-prefeita reeleita de Fortaleza também está engajada na aprovação da Lei Dandara, assim denominada em referência à travesti espancada e assassinada na capital por cinco homens, condenados a penas que chegam a oitenta anos de reclusão. “A exemplo da Lei do Feminicídio, que objetiva resguardar as mulheres contra os assassinatos cometidos apenas pela condição de ser mulher, a Lei Dandara quer oferecer essa proteção para os LGBTs, que são vítimas constantes de crimes motivados por ódio ao segmento. O projeto de lei propõe tornar o LGBTcídio circunstância qualificadora do crime de homicídio e inseri-lo no rol dos crimes hediondos. Estamos nessa batalha constante por sua aprovação”, destaca Luizianne, candidata à reeleição à Câmara.

O segmento indígena é outro dos grupos que seguidamente enfrenta a ofensiva do caldo fascista não somente no Ceará, mas em todo o Brasil. No contexto de disputas por territórios e do confronto com o agronegócio, episódios como o ocorrido com a cacique Madalena Pitaguary, alvejada por um tiro na nuca nas proximidades da aldeia em Maracanaú são recorrentes, incluindo um integrante da etnia que teve o corpo incendiado em 2017. Ambos escaparam por pouco da morte segundo relatos de membros do Conselho Indigenista Missionário, vinculado à Confederação dos Bispos do Brasil (CNBB).

Na terra das romarias da Súplica Cearense de Fágner, a perseverança da crença na luta política renova-se na arma quente da felicidade cantada por Belchior, mesmo ameaçada pelos que não saem do caminho. A provável reeleição de Camilo Santana ao Palácio da Abolição pode ser tempo para um Ceará não somente mais forte, como também mais justo e de menos perigos nas esquinas, pois como lembrou o maranguapense Chico Anísio, o futuro é hoje.

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