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No Sul, a esquerda se une nas eleições estaduais – mas pesquisas são frustrantes

Em 2018, Bolsonaro ganhou de lavada na região. Lula retomou parte do terreno, mas as lideranças locais sofrem para decolar

No Sul, a esquerda se une nas eleições estaduais – mas pesquisas são frustrantes
No Sul, a esquerda se une nas eleições estaduais – mas pesquisas são frustrantes
Imagem: Eduardo Matysiak e Denner Ovídio
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Em 2018, Jair Bolsonaro ganhou de lavada na Região Sul. No somatório dos três estados, Bolsonaro conquistou 68,3% dos votos válidos, contra 31,7% do petista Fernando Haddad. Agora, a seis meses das eleições, os partidos do campo progressista buscam aglutinar forças numa frente ampla para não apenas reverter o quadro na corrida presidencial, mas também para avançar nos Executivos e Legislativos estaduais.

Não será tarefa fácil. No Paraná, Roberto Requião, três vezes governador do estado, duas vezes senador e recém-filiado ao PT, vai enfrentar Ratinho Jr., do PSD, candidato à reeleição apoiado por Bolsonaro. Após 40 anos de militância no MDB, Requião deixou a legenda que ajudou a fundar exatamente pela guinada reacionária e golpista da cúpula emedebista. “Costumo dizer que foi o MDB que saiu de mim, e não o contrário”, desabafou, em recente entrevista ao programa Direto da ­Redação, no canal de ­CartaCapital no ­YouTube. O antigo partido aderiu ao governo de ­Ratinho Jr. e deverá apoiá-lo nesta eleição em troca de cargos. “Escolhi o PT porque temos uma polarização no Brasil. De um lado, a direita e o liberalismo econômico. De outro, Lula.”

Embora insista que o Paraná não é um estado conservador, relembrando a sua própria trajetória política, Requião sabe que os ventos políticos mudaram de direção na última década. O tucano Beto Richa foi eleito e reeleito governador, em 2010 e 2014. Ratinho Jr. elegeu-se no primeiro turno em 2018. Nas últimas eleições municipais, em 2020, o ultradireitista Rafael Greca de Macedo, ex-DEM e agora União Brasil, repetiu o feito na disputa pela prefeitura de Curitiba. Agora, segundo recente sondagem do IRG Pesquisa, Bolsonaro e Lula estão tecnicamente empatados no Paraná, com uma ligeira vantagem para o ex-capitão. Ratinho Jr., no entanto, está disparado na liderança, com 53% das intenções de voto, mais que o dobro do porcentual de Requião (21,5%).

Em 2018, Bolsonaro ganhou de lavada na região. Lula retomou parte do terreno, mas as lideranças locais sofrem para decolar

Arilson Chiorato, deputado ­estadual e presidente do PT no estado, ­articula a formação de uma frente capaz de unir os partidos progressistas. “Temos o apoio do PCdoB e do PV, e existe um diá­logo avançado com a Rede e setores do PSOL. Agora, tentaremos buscar o apoio do PDT”. A campanha de Requião pretende expor o sucateamento da educação e da saúde no estado. “Nos últimos três anos, inclusive durante a pandemia, Ratinho Jr. investiu 12% do orçamento na saúde. Vamos restaurar esses dois setores, que são fundamentais na vida das populações mais carentes.”

Em Santa Catarina, a experiência de união nas últimas eleições municipais em Florianópolis, mesmo sem ter logrado êxito eleitoral, facilitou a reaproximação dos partidos do campo progressista em uma nova frente para 2022. Ao todo, oito siglas discutem a escolha de um candidato comum: PT, PSB, PDT, PCdoB, Solidariedade, PSOL, Rede e PV. Por lá, Bolsonaro obteve o segundo maior porcentual de votação no País em 2018: 75,92%. Dos 295 municípios catarinenses, saiu vitorioso em 266. Ou seja, em 90,1%.

“Unidos, seremos capazes de derrotar as forças retrógradas que puseram o País­ e Santa Catarina neste caos econômico e social”, afiança o pré-candidato petista Décio Lima, ex-prefeito de Blumenau duas vezes, deputado federal por três legislaturas e atualmente presidente do PT. Na avaliação do dirigente, a crise está bem mais grave do que há dois anos e isso terá um peso na hora do voto. “Desde então, tivemos desemprego recorde, inflação, perda de direitos sociais. Basta olhar o preço do gás de cozinha, dos combustíveis. Em 2020, não havia condições objetivas. Hoje, existem.”

A primeira pesquisa oficial de intenção de voto para o governo de Santa Catarina, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Catarinense em meados de março, revela, porém, um cenário desolador para a esquerda. A disputa está acirrada entre Carlos Moisés, do Republicanos (19,3%) e Jorginho Mello, do PL de Bolsonaro (18,6%). O petista Décio Lima figura no longínquo quarto lugar, com 7,7%.

Nos pampas. Edegar Preto pretende liderar a frente de esquerda gaúcha. Lorenzoni sonha em ser governador com apoio do padrinho Bolsonaro – Imagem: Casa Civil/PR e Carol Ferraz

Para o presidente do PSB catarinense, Claudio Antonio Vignatti, o que está em jogo neste momento é a democracia. “Em eleições anteriores, Lula debatia com FHC, Alckmin ou Serra projetos de governo, mas a democracia nunca esteve em risco. Agora, não. Garantir a estabilidade política, democrática, é o nosso primeiro e maior desafio”, afirma. ­Vignatti também acredita que o retrato econômico e social de 2022, muito diferente da eleição anterior, vai definir os rumos do pleito em outubro. “O que se discute são questões como desemprego, inflação, distribuição de renda, saúde, educação.”

Ambos acreditam, porém, que a união do campo progressista, bem como o apoio de Lula no estado, pode modificar o cenário. “Somos oito partidos em busca de um novo projeto. Santa Catarina sempre escondeu suas feridas, suas mazelas, e se mostraram apenas os privilégios. Não somos a Suíça brasileira que querem fazer valer.” Para representar a frente democrática, apresentaram-se como pré-candidatos Lima, o senador­ Dário­ Berger,­ do PSB, o ­ex-deputado federal Jorge Boeira, do PDT, e ­Gelson ­Merisio, do Solidariedade. Nenhum deles figura no grupo dos três primeiros colocados nas pesquisas. Além de Moisés e Mello, o ex-prefeito de Florianópolis ­Gean Loureiro, do União Brasil, renunciou ao cargo para concorrer ao governo do estado, e possui 11,6%.

No Rio Grande do Sul, o xadrez político ainda está mais complicado. Nas hostes bolsonaristas, a disputa pelo apoio do ex-capitão está dividida. O deputado federal e ex-ministro Onyx Lorenzoni, do PL, e o senador Luiz Carlos Heinze, do PP, se digladiam para serem os candidatos do Planalto. Em um estado onde o agronegócio é a locomotiva da economia, Bolsonaro ainda goza de prestígio, sobretudo no interior. Não é à toa que o vice-presidente, general Hamilton Mourão, resolveu disputar uma cadeira no Senado com os votos gaúchos. Em 2018, no segundo turno, Bolsonaro recebeu 68,3% dos votos contra 31,7% dados a Haddad. Venceu em 407 dos 497 municípios.

“Todos desejam uma frente, desde que o seu partido lidere a chapa”, observa González, da UFRGS

O grupo do ex-governador Eduardo Leite está em compasso de espera. Há quem imagine que Leite, impedido de disputar a Presidência pelo PSDB, possa concorrer à reeleição. No PDT, a candidatura oscila de acordo com o sobe e desce do Grêmio nas tabelas dos campeo­natos de futebol. O candidato pedetista é o presidente do time, Romildo Bolzan Júnior, ex-prefeito de Osório. Quando a equipe caiu para a Série B do Brasileirão, em 2021, Bolzan recuou. Agora, que foi campeão gaúcho, seu nome voltou.

Edegar Preto, deputado estadual pelo PT, é o único pré-candidato já definido. Seu nome uniu o partido que agora tenta atrair o PSB e flerta com o PSOL. O PV e o PCdoB anunciaram apoio, e os petistas sonham com a candidatura de ­Manuela d’Ávila ao Senado. Filho do lendário deputado Adão Preto, uma das principais lideranças do MST, Edegar está em seu terceiro mandato como deputado estadual, sendo sempre o mais votado do partido. Forjado nos movimentos populares, é tido como um hábil negociador. Em 2017, chegou a ser eleito presidente da Assembleia Legislativa gaúcha.

A formação de uma frente progressista ainda vai exigir muita negociação. Beto Albuquerque, do PSB, deputado federal por quatro mandatos, teve sua pré-candidatura lançada pelos diretórios nacional e regional em setembro último. “O ideal é que tenhamos uma candidatura única no estado”, diz o pessebista. No entanto, prossegue, será preciso que o candidato tenha uma visão mais ampla e não se feche apenas com os chamados partidos de esquerda. “O presidente Lula, quando busca o apoio do centro democrático, das forças comprometidas com a democracia, está dando uma lição política que teremos de imitar. A escolha de Geraldo Alckmin é o melhor exemplo. Aqui, no estado, precisamos de um candidato que consiga dialogar com estes setores.”

Para o sociólogo Rodrigo Stumpf ­González, professor do Departamento de Ciências Políticas da UFRGS, o discurso de unidade faz parte do jogo político, mas nem sempre se traduz em realidade, a menos que haja um acordo nacional que pressione as lideranças locais. “Todos são favoráveis à formação de frentes, desde que seu partido lidere a chapa”, resume González. A esquerda, acrescenta o professor, só saiu vitoriosa quando seus candidatos conseguiram transcender o eleitorado tradicional. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1204 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Trabalho de Sísifo”

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