Política

No G7, Lula critica ‘formação de blocos antagônicos’ e reivindica novos membros no Conselho de Segurança da ONU

Presidente brasileiro também criticou ‘apologia ao Estado mínimo’ e apontou necessidade de correção de ‘excessos da desregulação dos mercados’

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Sessão de trabalho do G7. Foto: Ricardo Stuckert/PR
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu a inclusão de novo membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e criticou o que chamou de “formação de blocos antagônicos”, durante reunião do G7, organização dos líderes das potências Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido.

O encontro ocorre em Hiroshima, neste fim de semana. Na ocasião, Lula afirmou que o mundo vive uma “sobreposição de múltiplas crises” e mencionou a pandemia da Covid-19, as mudanças climáticas, a guerra da Ucrânia e “ameaças à democracia”.

“Não tenhamos ilusões. Nenhum país poderá enfrentar isoladamente as ameaças sistêmicas da atualidade. A solução não está na formação de blocos antagônicos ou respostas que contemplem apenas um número pequeno de países”, declarou. “Sem reforma de seu Conselho de Segurança, com a inclusão de novos membros permanentes, a ONU não vai recuperar a eficácia, autoridade política e moral para lidar com os conflitos e dilemas do século XXI.”

O presidente brasileiro também apontou a necessidade de correção de “excessos da desregulação dos mercados e a apologia do Estado mínimo” e defendeu o fortalecimento do Estado para a solução das crises.

Ele relembrou a sua aparição na Cúpula em 2009 e disse que, naquele momento, a crise financeira de 2008 havia exposto “a fragilidade dos dogmas e equívocos do neoliberalismo”. Na sequência, afirmou que as medidas tomadas foram insuficientes e resultaram em retrocessos.

“O ímpeto reformador daquele momento foi insuficiente para corrigir os excessos da desregulação dos mercados e a apologia do Estado mínimo. A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas”, afirmou.

Lula também cobrou do Fundo Monetário Internacional um “tratamento” sobre o endividamento de países emergentes “que considere as consequências sociais das políticas de ajuste”. No discurso, citou o caso da Argentina, que vive uma relação conflituosa com o FMI por conta da exigência de medidas de austeridade.

No decorrer do evento, Lula também divulgou o registro de um encontro com o homólogo francês, Emmanuel Macron, como o selo da “retomada de relações” entre os dois países.

O petista embarcou para o Japão na quarta-feira 17. O encontro conta com o lançamento de uma carta conjunta, com considerações sobre o cenário global atual. A diplomacia brasileira atua para evitar uma condenação frontal à Rússia pela questão ucraniana e pede a criação de um “G20 da paz” para a resolução do conflito.

Leia discurso de Lula na íntegra

Quero agradecer ao primeiro-ministro Kishida pelo convite para que o Brasil participasse do segmento ampliado da Cúpula de Hiroshima. Esta é a 7ª vez que sou convidado de uma reunião do G-7.

Quando aqui estive pela última vez, na Cúpula de L´Áquila em 2009, enfrentávamos uma crise financeira global de proporções catastróficas, que levou à criação do G-20 e expos a fragilidade dos dogmas e equívocos do neoliberalismo.

O ímpeto reformador daquele momento foi insuficiente para corrigir os excessos da desregulação dos mercados e a apologia do Estado mínimo.
A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas.

Houve retrocessos importantes, como o enfraquecimento do sistema multilateral de comércio. O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada. Ninguém se recorda da Rodada do Desenvolvimento.

Os desafios se acumularam e se agravaram. A cada ameaça que deixamos de enfrentar, geramos novas urgências.

O mundo hoje vive a sobreposição de múltiplas crises: pandemia da Covid-19, mudança do clima, tensões geopolíticas, uma guerra no coração da Europa, pressões sobre a segurança alimentar e energética e ameaças à democracia.

Para enfrentar essas ameaças é preciso que haja mudança de mentalidade. É preciso derrubar mitos e abandonar paradigmas que ruíram.

O sistema financeiro global tem que estar a serviço da produção, do trabalho e do emprego. Só teremos um crescimento sustentável de verdade direcionando esforços e recursos em prol da economia real.

O endividamento externo de muitos países, que vitimou o Brasil no passado e hoje assola a Argentina, é causa de desigualdade gritante e crescente, e requer do Fundo Monetário Internacional um tratamento que considere as consequências sociais das políticas de ajuste.

Desemprego, pobreza, fome, degradação ambiental, pandemias e todas as formas de desigualdade e discriminação são problemas que demandam respostas socialmente responsáveis.

Essa tarefa só é possível com um Estado indutor de políticas públicas voltadas para a garantia de direitos fundamentais e do bem-estar coletivo.

Um Estado que fomente a transição ecológica e energética, a indústria e a infraestrutura verdes.

A falsa dicotomia entre crescimento e proteção ao meio ambiente já deveria estar superada. O combate à fome, à pobreza e à desigualdade deve voltar ao centro da agenda internacional, assegurando o financiamento adequado e transferência de tecnologia.

Para isso já temos uma bússola, acordada multilateralmente: a Agenda 2030.

Não tenhamos ilusões. Nenhum país poderá enfrentar isoladamente as ameaças sistêmicas da atualidade.

A solução não está na formação de blocos antagônicos ou respostas que contemplem apenas um número pequeno de países.

Isso será particularmente importante neste contexto de transição para uma ordem multipolar, que exigirá mudanças profundas nas instituições.
Nossas decisões só terão legitimidade e eficácia se tomadas e implementadas democraticamente.

Não faz sentido conclamar os países emergentes a contribuir para resolver as “crises múltiplas” que o mundo enfrenta sem que suas legítimas preocupações sejam atendidas, e sem que estejam adequadamente representados nos principais órgãos de governança global.

A consolidação do G-20 como principal espaço para a concertação econômica internacional foi um avanço inegável. Ele será ainda mais efetivo com uma composição que dialogue com as demandas e interesses de todas as regiões do mundo. Isso implica representatividade mais adequada de países africanos.

Coalizões não são um fim em si, e servem para alavancar iniciativas em espaços plurais como o sistema ONU e suas organizações parceiras.
Sem reforma de seu Conselho de Segurança, com a inclusão de novos membros permanentes, a ONU não vai recuperar a eficácia, autoridade política e moral para lidar com os conflitos e dilemas do século XXI.

Um mundo mais democrático na tomada de decisões que afetam a todos é a melhor garantia de paz, de desenvolvimento sustentável, de direitos dos mais vulneráveis e de proteção do planeta.

Antes que seja tarde demais.

Muito obrigado.

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