Política
No DF, Ibaneis mostra a força dos milionários nos palanques
Novato na política, advogado desponta como favorito ao governo distrital enquanto é acusado de abuso de poder econômico


Nada mais brasileiro que o local de maior renda per capita do país ser o mesmo onde se registra a maior desigualdade entre ricos e pobres. No contraste entre o elitizado plano piloto e as carências das cidades satélites, o eleitorado do Distrito Federal, que votou em peso na no presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), escolherá entre o milionário advogado Ibaneis Rocha (MDB) e o atual governador Rodrigo Rollemberg (PSB), após rejeitar os partidos de esquerda e políticos tradicionais no primeiro turno.
A vantagem de quase 30% do emedebista, que disputa sua primeira candidatura, sobre Rollemberg é a maior registrada entre os nomes que passaram ao segundo turno em todo o Brasil e aproxima Ibaneis de administrar a máquina pública para uma população que ultrapassa três milhões de habitantes.
“Rollemberg usou da mesma retórica de seu atual adversário em 2014. Lá atrás as pessoas compraram a ideia de salvador da pátria e esses mesmo agora devem elegem Ibaneis. É trocar gato por lebre. O eleitorado não está sabendo analisa as candidaturas que lhe são postas, quem acaba sofrendo é a população que vai mais uma vez ser penalizada por um discurso vazio e propostas inviáveis”, analisa Benildes Rodrigues, jornalista conhecedora da realidade local.
A ascensão do operador do direito surpreendeu aos que comparavam o licenciado presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ao presidenciável do seu partido, Henrique Meirelles. Enquanto no plano nacional o candidato da sigla permaneceu a campanha toda estancado em 1%, Ibaneis cresceu de patamares irrisórios até alcançar a liderança folgada ao apresentar-se como novato e bancando com dinheiro pessoal sua campanha. Ele colocou mais de 3 milhões de reais de seu próprio bolso na disputa.
“Muitos votaram sem saber quem era o Ibaneis, que derramou dinheiro na periferia, comprou deputados distritais e lideranças políticas fazendo o discurso da novidade mesmo pertencendo ao MDB da Lava Jato. Ele escondeu o Michel Temer, o Tadeu Filipelli, associando-se ao pior da política no DF, que são as figuras que estão por trás dessa candidatura. Na sua atividade como advogado, topa tudo por dinheiro, como nos casos dos assassinos do índio Gaudino e os processos envolvendo os maiores grileiros daqui”, critica o atual governador.
Outra polêmica em relação à esfera profissional da vida do candidato refere-se aos valores de precatórios estimados em 300 milhões de reais que clientes do escritório de Ibaneis têm para receber dos cofres públicos.
Os aproximadamente 30 milhões que seriam pagos em virtude dos honorários, promete o candidato, será investido na construção de escolas para evitar suposições de beneficiamento próprio no caso de assumir o comando do orçamento – se derrotado, adiantou que não destinará esse valor às instituições de ensino, motivo de questionamentos sobre se a proposta configuraria compra de votos uma vez que envolve a promessa de valores financeiros.
“Eu investi o que a lei permite, nem um tostão a mais. O governador investiu o mesmo montante. A diferença é que eu não usei dinheiro público. Quanto ao uso das minhas atividade profissionais na campanha isso só revela o inconformismo e o desespero do governador diante dos números das pesquisas. Ele tem advogados na família, sabe como é nosso trabalho. Meu dinheiro foi todo ganho de maneira correta e está declarado. Há um evidente cansaço da população com os velhos políticos”, contrapõe Ibaneis.
Outra proposição colocada pelo candidato retoma projetos antigos desenvolvidos na região a exemplo do Pão e Leite, que garantia esses dois itens a famílias carentes na época do ex-governador Joaquim Roriz, falecido neste ano. Na mesma linha insere-se a volta do transporte por vans e microônibus, sobretudo para locais afastados da área central.
A mobilidade urbana segue como um dos gargalos enfrentados pelos cidadãos. Se boa parte dos funcionários da Câmara e do Senado chegam ao trabalho com seus carros pessoais ou levados por motoristas de aplicativos, a massa trabalhadora depende do trem construído ainda por Roriz, que hoje custa cinco reais, e dos ônibus cujo destino final é a rodoviária do plano piloto.
Na outra ponta, Rollemberg elenca melhorias sociais citando a entrega de 63 mil títulos de propriedade a moradores em terrenos que antigamente eram irregulares e as obras para resolver o abastecimento de água em diferentes áreas.
“Rollemberg errou muito, mas não houve roubalheira, embora haja muita reclamação pela lentidão e a burocracia. Prefiro dar chance a ele do que deixar para alguém do MDB que ninguém sabe ao certo quem é”, comenta Elisabeth Valda, vendedora em um pequeno espaço na feira da Ceilândia, vazia principalmente durante os dias de semana devido ao baixo poder aquisitivo dos consumidores do entorno e cética a respeito da projeção de Ibaneis de gerar 100 mil empregos em seis meses, sobretudo nas cidades satélites onde concentra-se a maior parte dos 20% de desempregados conforme dados oficiais.
Alegando ter recebido o governo com problemas de caixa, o governador, que declarou neutralidade no segundo turno presidencial distanciando-se da ala progressista do PSB que endossa a candidatura de Fernando Haddad, aponta ainda entre os méritos de sua gestão a abertura da orla do Lago Paranoá a toda cidadania e o fechamento do lixão da estrutural que caminhava para 60 anos.
Assim como seu adversário, Ibaneis eximiu-se de apoiar qualquer dos candidatos a presidente, embora seja próximo de políticos como o governador eleito de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), alinhado a Bolsonaro e, da mesma forma que o presidenciável, não compareceu aos debates da semana final.
“Ibaneis se alinha às forças mais reacionárias e atrasadas do DF, não tem história conhecida, não se sabe ao certo o que defende. Utiliza-se de seu poder econômico de forma nítida. Seu adversário, por sua vez, tem um índice de rejeição muito grande por ter feito um governo sem diálogo com os movimentos sociais e sindicatos e ainda apoiou o golpe sem fazer contestações a Temer. O povo vai sair dessas eleições sem ninguém que o represente de fato no DF”, pontua a deputada federal reeleita Erika Kokay (PT), otimista em relação ao cenário nacional com o avanço de Haddad e as possibilidades crescentes do petista chegar à presidência.
A despolitização na terra da política
A atividade pública é o motor da economia distrital. Apesar da ligação de inúmeras famílias com o funcionalismo seja pelo fato de enquadrarem-se na condição de concursados ou em cargos de confiança que dependem de nomeações, chama a atenção a adesão majoritária do eleitorado à candidatura de Jair Bolsonaro e a plataforma sinalizada por seu economista Paulo Guedes projetando a privatização do patrimônio, enxugamento do estado e corte de vagas.
“Realmente é uma contradição, mas o servidor que apoia Bolsonaro na maioria das vezes é aquele das carreiras de elite ou que pensa em ser incluído nelas. Com a terceirização ampla e geral dentro do estado, esses profissionais acham que continuarão a enquadrarem-se nas alas minoritárias e privilegiadas”, opina Afonso Magalhães.
A debilidade do campo da esquerda contribui para o fortalecimento do discurso liberal no local que concentra em grande medida as decisões nacionais. Desde a saída de Agnelo Quieroz, ex-governador pelo PT acusado de desvios na obra do Mané Garrincha – classificado como elefante branco por muitos brasilienses – o partido e seus aliados não conseguiu rearticular-se para perfilar nomes competitivos nas disputas majoritárias. Dentre as onze candidaturas ao executivo, Julio Miragaya terminou em nono, com apenas 60 mil votos, pouco atrás de Fátima Sousa (Psol), que obteve 65 mil sufrágios.
A maior demonstração de força do campo ocorreu no ato de registro da candidatura do ex-presidente Lula junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 15 de agosto. A marcha de milhares pelas ruas centrais de Brasília com a participação de movimentos sociais, militantes e sociedade civil foi o momento de maior coesão do polo progressista, posteriormente frustrado com o impedimento da candidatura pelos magistrados da corte.
“O PT colocou seus principais nomes para as disputas legislativas, para o governo não coligou nem com o PCdoB, não conseguindo projetar o capital político que detém. Isso traz problemas inclusive para a luta nacional e a campanha presidencial. Faltou visão estratégica”, considera uma importante liderança partidária que pediu para não ser citado.
Sob esse panorama , Bolsonaro saiu vitorioso em todos os municípios que integram o Distrito Federal na esteira da negação da política apesar de ser parlamentar há 28 anos em Brasília. No cômputo geral, o militar somou 58% das preferências, contra 16% de Ciro Gomes (PDT) e 11% de Haddad. Entre os deputados federais, novamente somente Érika Kokay elegeu-se em dissonância ao restante dos escolhidos identificados a grupos conservadores.
A geladeira no cerrado
Apesar da força da direita, nomes tradicionais perderam prestígio e cargos nesta eleição. Mesmo tentando flutuar na popularidade de Bolsonaro, os candidatos a governador Rogério Rosso (PSD) e Alberto Fraga (DEM), ambos deputados federais, não avançaram na campanha – a deputada distrital Eliane Pedrosa (PROS), que chegou a liderar as pesquisas na fase inicial, terminou na quinta colocação. Mais um derrotado, Laerte Bessa (PR), notório integrante da bancada da bala na Câmara também foi preterido pelo voto popular.
Mesmo desacreditado pelo eleitor e criticado pela truculência no parlamento, cujo exemplo evidente foram as acusações levianas contra a vereadora assassinada no Rio de janeiro, Marielle Franco, o coronel da reserva Fraga pretende obter posto de destaque na eventual administração do candidato do PSL – coordenador político da bancada parlamentar, de acordo com o anúncio de seu possível futuro chefe.
“Queremos lhe ajudar a mudar o destino deste país. Além da bancada evangélica, da ruralista, sentimos a obrigação de anunciar ao senhor o apoio da frente da segurança pública ou bancada da bala, como dizem, nós não nos importamos com isso não”, afirmou o parlamentar, dirigindo-se a Bolsonaro durante agenda na capital federal.
O golpe foi duro também ao ex-governador e senador Cristovãm Buarque (PPS). Ex-ministro da Educação de Lula na época que ainda era filiado ao PT, o ex-reitor da Universidade de Brasília (UNB) deu uma guinada em suas posições ao votar pelo afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff (PT) e concordar com a agenda de Temer na PEC dos Gastos e na reforma trabalhista que retirou direitos dos assalariados. Punido pelas urnas, o político foi superado por Leila do Volei (PSB) e Izalci Lucas (PSDB)e aguarda os dois meses que lhe restam para finalizar seu mandato de maneira melancólica segundo muitos dos que confiavam no pioneiro a nível local do projeto bolsa escola, transformado mais tarde no Bolsa Família.
“O brasiliense quis renovar sua representação política no Senado. Nossa chapa é composta de mulheres, alem disso, tenho uma trajetória esportiva reconhecida por todos. Fui secretaria de esportes do governo Rollemberg e trabalhamos em muitos projetos que trouxeram benefícios para a população, especialmente os jovens. Uma das minhas prioridade agora será a elaboração de iniciativas que empoderem as mulheres e de leis mais rígidas às medidas de proteção às vítimas de violência”, declarou Leila.
Depois do afastamento das atividades públicas dos últimos três governadores do DF, Roriz falecido, José Arruda preso por corrupção e Agnelo Queiroz, suspeito de desvios, o DF se vê atirado num vácuo político diante do desânimo popular com seus últimos representantes. Como na política não há espaço vazio, resta saber qual expressão do grupo conservador irá se sobressair de mais um processo marcado pelo distanciamento e pela dúvida sobre o governante escolhido para administrar diretamente do centro do poder nacional.
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