Política

No Brasil radicalizado, crítica a privilégios aproxima opostos

Debate com assessores econômicos de presidenciáveis botou na berlinda as aposentadorias gordas do serviço público e a moleza tributária da turma do 1%

Assessor de Meirelles criticou aposentadorias de funcionários públicos. O do PT quer taxar ricos
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No embalo do impeachment de Dilma Rousseff e da Operação Lava Jato, a radicalização política avançou e tende a marcar a campanha presidencial que começa em 16 de agosto. Mas, em meio à animosidade, às vezes é possível identificar alguma sintonia entre forças mais progressistas e outras mais conservadoras.

Alguns privilégios existentes no País conseguem essa aproximação. A boa-vida previdenciária e tribuária dos mais ricos apanhou de assessores econômicos de presidenciáveis em um debate promovido pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon) na quarta-feira 25, em Brasília.

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Chefe do programa de governo de Henrique Meirelles, do MDB, o neoliberal José Márcio Camargo criticou as aposentadorias recebidas por funcionários públicos. Em 2017, disse, o governo cobriu um rombo de 87 bilhões de reais na Previdência deles, cerca de 1 milhão de pessoas. Incluam-se aí juízes, procuradores de Justiça, militares e suas filhas e viúvas, entre outros.

“É o maior programa do mundo de transferência de renda dos pobres para os ricos”, comentou Camargo. “Um milhão de brasileiros, em 206 milhões, ficam com 11% dos recursos federais. É o maior processo de concentração de riqueza da história”, afirmou outro neoliberal, Christian Lohbauer, cientista político que representou o candidato-banqueiro João Amoedo, do Novo.

Bem menos entusiasta quanto às “virtudes” da mão invisível do “mercado”, Mauro Benevides Filho, chefe do programa econômico de Ciro Gomes, do PDT, apresentou números que permitem ter uma noção geral de quem são os privilegiados e do tamanho da moleza.

Os aposentados do setor público ganham em média 9,2 mil reais por mês. No Poder Executivo, essa média é de 8 mil. No Judiciário, de 11 mil. No Ministério Público, de 12 mil. No Congresso, de 16 mil.

Com estas pensões, e isso não constava da apresentação de Benevides, quase todos os servidores federais inativos pertencem aos 10% mais ricos da população. Segundo o IBGE, fez parte deste clube em 2017 quem embolsou de 9,2 mil mensais para cima. Um grupo de 12 milhões de pessoas, do total de 124 milhões com alguma renda.

Já os beneficiados do INSS – trabalhadores urbanos e rurais do setor privado -, prosseguiu o assessor de Ciro, ganham em média 1,4 mil, 33 milhões de pessoas. “A reforma da Previdência não deve ter ênfase no INSS, tem de buscar realmente o pessoal mais de cima, que é onde o déficit é muito maior, apropriado pelos servidores.”

Assessor do PT, o economista Guilherme Melo disse que a urgência brasileira é tamanha, diante do número de desempregados e do aumento da pobreza, que não dá para esperar três ou quatro anos pelos efeitos de uma reforma da Previdência.

O governo precisa de dinheiro já, para tocar políticas públicas, daí que uma das saídas é taxar quem paga pouco imposto e tem muito dinheiro. Por exemplo, cobrar imposto de renda sobre lucros e dividendos recebidos por sócios de empresas, endinheirados que só encontram na Estônia a mesma isenção fiscal brasileira.

Um exemplo não citado por Melo: nos últimos cinco anos, período em que o PIB nacional andou para trás, os três clãs que controlam o banco Itaú Unibanco, as famílias Setúbal, Moreira Salles e Vilela, receberam 9 bilhões de reais em dividendos livres de IRPF.

A tributação dessa bolada permitiria, segundo Melo, reduzir impostos cobrados dos mais pobres. “Nossa carga tributária tem um problema de composição, ela é muito regressiva”, disse.

Presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia, do DEM, partido direitista, concorda com a taxação de lucros e dividendos. Em junho, disse à Folha que estava tratando do assunto, ideia defendida por Ciro, com quem Maia namorava antes de o DEM aderir ao presidenciável tucano, Geraldo Alckmin. A propósito: não havia representante do tucano no debate do Cofecon.

O economista Marco Antonio Rocha, do time do presidenciável do PSOL, Guilherme Boulos, líder dos sem-teto, defendeu taxar lucros e dividendos pelos mesmos motivos apontados por Melo. Para ele, uma reforma tributária que apenas simplifique as coisas não basta. “Classe média e pobres sentem uma carga tributária pesadíssima, e com razão. Ricos, não. A carga para eles é baixa.”

Ricos, nesse caso, disse Rocha, é a turma do 1%. Segundo o IBGE, está nesse clube quem ganhou a partir de 27 mil reais ou por mês no ano passado. Umas 900 mil pessoas, das mais de 200 milhões que habitam o Brasil.

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