Política
Nióbio protegido
A Assembleia Legislativa aprova a federalização da Codemig, uma derrota para Romeu Zema


O nióbio, elemento químico 41 na tabela periódica, anda bastante popular. Nomeado em referência à mitológica Níobe, filha do rei Tântalo, trata-se de um metal raro, altamente estratégico e de valor renomado por causa da revolução tecnológica e da transição energética. É usado principalmente para fortalecer ligas metálicas na indústria automobilística, aviões, grandes obras de infraestrutura, turbinas eólicas e baterias de carros elétricos. O quilo custa atualmente cerca de 50 dólares, 400 vezes mais que o minério de ferro, e, mesmo em pequenas quantidades, confere propriedades superiores ao aço. O nióbio está agora no centro da proposta do governo de Minas Gerais de redução da dívida estadual, mais de 164 bilhões de reais, encaminhada ao Ministério da Fazenda.
A maior jazida em operação no planeta está localizada em Araxá, a 360 quilômetros de Belo Horizonte. As reservas estimadas de pirocloro, o principal minério do nióbio, chegam a 800 milhões de toneladas, suficientes para séculos de exploração, e ficam em uma área da Companhia de Desenvolvimento de Minas, estatal mineira sócia da CBMM, detentora de 80% do mercado global e controlada pela família Moreira Salles, uma das acionistas do Itaú Unibanco. O Brasil responde por 89% da produção mundial, segundo o Anuário Mineral Brasileiro, e possui perto de 95% das reservas conhecidas. Minas Gerais, Goiás, Rondônia e Amazônia concentram as jazidas. Em 2010, documentos secretos do Departamento de Estado norte-americano, revelados pelo WikiLeaks, classificaram o nióbio brasileiro como recurso estratégico essencial para os EUA.
A estatal mineira detém a maior reserva mundial do minério
O controle da jazida esquenta as negociações da dívida estadual. A Codemig é avaliada pelo governo Zema entre 30 bilhões e 50 bilhões de reais, a depender do cenário de federalização ou privatização. O estado incluiu a empresa entre os ativos que pretende oferecer à União no âmbito do novo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), lançado no início deste ano, enquanto ensaia uma manobra para liberar outros bens à sanha privatista. Segundo o Tesouro Nacional, as 26 unidades da federação e o Distrito Federal acumulam 827 bilhões de reais em dívidas. Apenas cinco – São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás – concentram mais de 90% do montante. A atual crise tem raízes antigas: ao longo do tempo, estados endividados foram sucessivamente socorridos pela União, que assumiu passivos acumulados por gestões irresponsáveis ou por choques econômicos. Para lidar com o problema, o presidente Lula chancelou o Propag, que pode eventualmente zerar os juros reais das dívidas estaduais, hoje em 4% ao ano, caso os entes federativos ofereçam ativos públicos em troca e realizem investimentos sociais. A proposta prevê que, no máximo, 20% do saldo devedor possa ser quitado com transferência de bens móveis ou imóveis, participações societárias e outros. Além disso, o pagamento da dívida poderá ser parcelado em até 30 anos.
Um dos pilares do programa é atrelar até 60% dos juros a investimentos em educação técnica e ensino médio profissionalizante. O objetivo é reequilibrar as contas estaduais sem comprometer os serviços públicos nem abrir espaço a privatizações. Segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, o Propag é mais justo e abrangente que o antigo Regime de Recuperação Fiscal, criado em 2017 pelo ex-presidente Michel Temer e mantido por Jair Bolsonaro, cujo resultado foi um desastre duplo, a queima de ativos e o aprofundamento da crise fiscal das unidades da federação. O Rio de Janeiro e Minas Gerais aderiram, entre outros, ao RRF. Em teoria, o regime oferecia moratória em troca de contrapartidas severas e draconianas, entre elas o congelamento de salários, a proibição de concursos, cortes de investimentos por décadas e desestatizações. Na prática, as dívidas dispararam por conta dos juros altos. No Rio, saltou de 81 bilhões, em 2017, para quase 160 bilhões de reais, em 2024. Em Minas, que aderiu em 2022, subiu de 120 bilhões para 164 bilhões de reais.
Nos cobres. O Palácio Tiradentes está na lista do patrimônio negociável do estado – Imagem: Leo Drumond/Cidade Administrativa/GOVMG
O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, foi enfático: “Os estados apenas suspenderam os pagamentos, sem buscar equilíbrio fiscal. O resultado foi uma piora na situação de endividamento”. O Propag busca corrigir esse erro ao exigir contrapartidas com foco social e sustentabilidade, sem punir os servidores ou desmontar o serviço público. Todos os estados podem aderir até 31 de dezembro. Contudo, apenas Goiás assinou o termo de adesão até o momento. Minas informa ter formalizado o pedido, mas aguarda análise do BNDES sobre a avaliação dos ativos. O banco federal mantém, no entanto, silêncio sobre os critérios e prazos. O estado é o único grande devedor ainda dono de patrimônios de grande valor. São eles: Codemig, Cemig (companhia energética) e Copasa (saneamento), além de centenas de imóveis. O governador Zema elaborou uma lista com 343 bens ofertados à União. Até o Palácio Tiradentes, sede da administração estadual, entra no saldão.
Embora o Propag tenha outros objetivos, Zema tem tentado valer-se do programa para contrabandear sua agenda de privatização. Desde que assumiu o governo, o empresário e defensor do “Estado mínimo” tem promovido generosos incentivos fiscais ao setor privado. Nos últimos quatro anos, estima-se que Minas tenha deixado de arrecadar mais de 20 bilhões de reais em ICMS e IPVA, com renúncias previstas de 147 bilhões até 2028, valor próximo àquele da dívida com a União. Críticos acusam o governador de favorecer as elites empresariais em detrimento da população mais pobre. “Zema governa como um CEO, de costas para o povo e de joelhos para o mercado”, afirma o deputado estadual Betão, do PT. Segundo o Datafolha, mais de 70% dos mineiros opõem-se à privatização de empresas públicas, como Cemig e Copasa.
Zema sonha em avançar na privatização de estatais
Enquanto Zema tenta emplacar sua agenda liberal, o senador Rodrigo Pacheco, autor da Lei do Propag e potencial candidato ao governo estadual em 2026, articula uma alternativa, a federalização de ativos estaduais. No início de julho, a Assembleia Legislativa aprovou, por unanimidade, o repasse à União da Codemig, vinculando-a ao abatimento de 20% da dívida mineira. A votação foi uma derrota para o vice-governador Mateus Simões, principal articulador da privatização e pré-candidato à sucessão de Zema, fortalece a oposição e reduz as chances de venda das estatais Cemig e Copasa, negócios suspensos ao menos até o próximo semestre. O governador mineiro, por sua vez, tenta derrubar os vetos de Lula ao projeto original do Propag, como aquele que impede o uso de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional para pagar dívidas. “O Propag virou meio de mentirinha”, afirmou recentemente.
A principal incerteza recai agora sobre a aceitação dos ativos por parte da União. Sem clareza do BNDES sobre o processo de avaliação, cresce o temor de que o programa seja esvaziado. “O silêncio do BNDES é ensurdecedor”, confidencia um deputado petista mineiro. A entrega da documentação dos ativos pelos estados termina em 31 de outubro, e uma eventual postergação depende de decisão política. “Se o BNDES aceitar a Codemig como ‘entrada’ dos 20%, nem é necessário debater a federalização de qualquer outro ativo”, afirma João Oliveira, vice-presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais.
Apesar da tensão, a aprovação da federalização da Codemig indica haver caminhos para evitar a venda de ativos públicos. Ao menos em Minas, onde o nióbio tornou-se símbolo de soberania estatal e de resistência à agenda de privatizações, o Propag é uma saída real para a crise fiscal, sem a necessidade de saquear o patrimônio público. •
Publicado na edição n° 1370 de CartaCapital, em 16 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Nióbio protegido’
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