Política
‘Neutralizar’ por envenenamento: como era o suposto plano golpista para assassinar Lula, Alckmin e Moraes
Trama visava dar sequência ao golpe que manteria Bolsonaro no poder; assassinatos foram planejados, segundo a PF, na casa do general Braga Neto, então ministro da Defesa e vice na chapa do ex-capitão


Um suposto plano para assassinar, em 2022, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu vice, Geraldo Alckmin (PSD), levou à prisão, nesta terça-feira 19, um policial federal e quatro militares dos chamados ‘kids pretos’ – o grupo de elite do Exército. O plano, segundo a Polícia Federal (PF), também envolvia o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo as investigações, o plano foi elaborado pelo general da reserva Mário Fernandes, que foi membro do alto escalão do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O próprio Fernandes imprimiu o documento com detalhes da trama em uma impressora do Palácio do Planalto e, posteriormente, levou o arquivo ao Palácio do Alvorada, residência oficial ocupada, na época, pelo ex-capitão. Fernandes foi preso na manhã desta terça-feira por ordem do STF.
Parte do plano foi costurada em um grupo em um aplicativo de troca de mensagens. O grupo ganhou o nome de “Copa 2022″. Nele, os integrantes debatiam como iriam “neutralizar” Moraes, Lula e Alckmin.
O plano de assassinato, em específico, ganhou o nome de “Punhal Verde e Amarelo”. A ideia era que Lula fosse assassinado no dia 15 de dezembro de 2022, logo depois de ser diplomado como presidente eleito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Moraes também seria preso neste dia para depois ser executado.
O ministro do STF e ex-presidente do TSE, Alexandre de Moraes, entrega o documento de diplomação do então presidente eleito Lula (PT). Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE
Nas ações, cada um dos agentes responsáveis recebeu o nome de um país diferente: Alemanha, Áustria, Japão e Gana foram alguns dos codinomes usados, com o intuito de “não revelar as suas verdadeiras identidades”, sustenta a PF.
Os agentes responsáveis pelo plano começaram a monitorar o deslocamento de autoridades em novembro de 2022, logo após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ter sido derrotado por Lula no pleito presidencial. Segundo as apurações, a trama golpista foi aprova e começou a ser colocada em execução logo após uma reunião na casa do ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que concorreu como vice na chapa de Bolsonaro.
“Para execução do presidente Lula, o documento descreve, considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico”, disse a PF em documento utilizado pelo STF na decisão que embasou a operação.
No caso de Alckmin, o assassinato seria justificado pela necessidade de “extinção” da chapa vencedora da eleição. No plano de assassinato, o então vice-presidente eleito é tratado pelo codinome “Joca”.
“Como, além do presidente, a chapa vencedora é composta, obviamente, pelo vice-presidente, é somente na hipótese de eliminação de Geraldo Alckmin que a chapa vencedora estaria extinta”, diz o documento.
No caso de Moraes, o grupo criou diferentes hipóteses para um eventual assassinato do magistrado. Uso de explosivos ou envenenamento em evento público foram cogitados. Os acusados estavam cientes dos riscos da ação.
“Foram consideradas diversas condições de execução do ministro Alexandre de Moraes, inclusive com o uso de artefato explosivo e por envenenamento em evento oficial público. Há um citação aos riscos da ação, dizendo que os danos colaterais seriam muito altos, que a chance de ‘captura’ seria alta e que a chance de baixa [morte de algum dos executores do plano] seria alto”, diz outro trecho do documento.
O plano de golpe
Os eventuais assassinatos não aconteceriam à toa. A ideia era impedir a posse da chapa Lula-Alckmin, evitar a presença de Moraes – também, à época, presidente do TSE – e aplicar um golpe de Estado no País.
A tentativa de golpe, em si, já vinha sendo descrita em operações anteriores da Polícia Federal. O plano se baseia em um documento que ficou conhecido como ‘minuta golpista’, encontrado durante uma operação realizada no ano passado na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro. O ex-capitão seria um dos responsáveis pela elaboração do decreto, conforme reforça a PF e o STF na decisão que embasou a operação desta terça.
O material apreendido na operação Tempus Veritatis, feita no último mês de fevereiro, dá indícios de como o plano golpista seria executado.
“Pelo que se obteve, as ações operacionais tomadas no pós-eleições tiveram como finalidade viabilizar o Golpe de Estado, na tentativa de impedir a posse do governo legitimamente eleito e restringir o livre exercício do Poder judiciário brasileiro. As condutas identificadas pela investigação demonstram que esse núcleo de atuação se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas, as quais envolviam, inclusive, o monitoramento do Ministro Alexandre de Moraes”, diz a PF.
Segundo os investigadores, “as ações operacionais identificadas tinham como finalidade assegurar a prisão da referida autoridade [Moraes], caso o Golpe de Estado se consumasse, ou, de maneira alternativa, a sua execução”.
Os militares responsáveis pelo golpe formariam, após a execução dos adversários, um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise”. Esse gabinete seria o responsável pelo “gerenciamento de conflitos institucionais originados em decorrência das ações” golpistas. O “órgão” seria chefiado pelo general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI de Bolsonaro, e teria o general Braga Netto, então ministro da Defesa e vice na chapa derrotada nas urnas, como coordenador-geral.
“Logo abaixo dos dois mais importantes, o próprio GENERAL MARIO [Fernandes] e o CORONEL ELCIO fariam parte da assessoria estratégica. Após alguns nomes de menor relevância, a assessoria de inteligência parece ser composta por pessoas próximas a MARIO: CORONEL AZEVEDO, CORONEL VIEIRA DE ABREU, de apelido ‘VELAME’, então chefe de gabinete de MARIO, e CORONEL KORMANN. A assessoria de relações institucionais seria ocupada por ‘FILIPE MARTINS‘”, descreve a PF, citada em decisão do Supremo que autorizou a operação.
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