Nem a morte silencia

Uma conversa com o cacique Biraci Nixiwaka, a quem o jornalista inglês Dom Phillips pretendia visitar antes de ser assassinado

O cacique não teve a oportunidade de conversar com o jornalista - Imagem: Felipe Milanez

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O jornalista inglês Dom Phillips planejava visitar, no Acre, Biraci Brasil ­Nixiwaka, cacique dos ­Yawanawa. Seria a derradeira entrevista para o livro Como Salvar a Amazônia, trabalho interrompido pelo seu brutal assassinato. Não se trata apenas de um povo indígena a mais na floresta ou de uma entrevista a mais de uma liderança indígena. Os Yawanawa, assim como os Ashaninka, representavam uma esperança de futuro para a Amazônia, na visão do repórter. Dom havia me procurado para intermediar o contato com Biraci, amigo de muitos anos e com o qual desenvolvo um extenso projeto de pesquisa acerca de sua atuação política nos anos 1980, quando liderou o movimento indígena no Acre, organizou seu povo para expulsar os seringueiros da empresa Paranacre e os religiosos da missão Novas ­Tribos do Brasil. A luta dos Yawanawa culminou na primeira demarcação no Acre e Dom pretendia contá-la no livro.

Fiz o meio de campo e logo os dois passaram a trocar mensagens e combinaram um encontro na aldeia. A viagem acabou postergada a pedido do cacique, pois Nixiwaka precisou apoiar uma dieta, como chamam a reclusão espiritual, de sua esposa e pajé Putanny. O jornalista mudou o roteiro para adaptar-se à demanda: antes de seguir para o Acre, embrenhou-se no Vale do Javari na companhia do indigenista Bruno Pereira. O resto é tragédia. Com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund e do Pulitzer Center e em parceria com o repórter Eliezer Budasoff, do podcast Radio Ambulante, fui ao Acre para, em certa medida, completar a missão de Dom. A entrevista tornou-se, inicialmente, um depoimento de Biraci, pois a condução posterior evidentemente teria muitas diferenças entre os meus interesses e a extraordinária capacidade de Phillips de extrair o melhor de seus entrevistados, com respeito e atenção. Falta-me o talento jornalístico do meu amigo inglês. A conversa a seguir é, no entanto, a oportunidade negada pelos assassinos ao cacique de dizer o que gostaria de ter dito ao jornalista. Não deixa também de ser uma homenagem, singela, a Dom Phillips e ao indigenista Bruno Pereira, cujas mortes, espera-se, não tenham sido em vão (a íntegra da entrevista pode ser ouvida no podcast Radio Ambulante no Spotify).

Phillips concluía um novo livro – Imagem: Redes sociais

CartaCapital: O que iria dizer a Dom Phillips?

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2 comentários

ricardo fernandes de oliveira 7 de setembro de 2023 10h19
belas palavras
CESAR AUGUSTO HULSENDEGER 15 de setembro de 2023 12h49
E nós, brancos, europeus, ocidentais nos dizemos civilizados. Sempre há a aprender com os saberes ancestrais.

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