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Não tão rápido

O governador Ratinho Jr. tem pressa, mas uma disputa judicial com o Itaú pode atrasar a venda da Copel

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Feira livre. A venda de ativos da Copel foi aprovada pela Assembleia Legislativa em tempo recorde, apenas três dias - Imagem: Pâmela Biernaski/APP Sindicato
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Ratinho Júnior parece ter herdado do pai, apresentador de tevê, a habilidade para fazer propaganda de qualquer produto em liquidação. Agora, está empenhado em vender, por uma pechincha, a Companhia Paranaense de Energia, a Copel. A proposta prevê a redução da participação do Estado no controle da empresa de 31% para um “porcentual não inferior a 15%”, transformando-a “em companhia de capital disperso, sem acionista controlador”. Em campanha pela reeleição, o governador prometeu que não iria rifar a empresa. Chegou a gravar um vídeo para os funcionários da Copel, negando a intenção de privatizá-la. Uma vez confirmada a vitória nas urnas, mudou de ideia com incrível rapidez, a mesma celeridade em que busca levar adiante o processo de venda dos ativos, praticamente sem debate na Assembleia Legislativa. Não fosse uma disputa judicial com o Itaú, é possível que as ações já tivessem outro dono.

A folgada maioria governista aprovou a venda dos ativos em regime de urgência, ainda em novembro do ano passado. As duas rodadas de votação ocorreram em tempo recorde, menos de 24 horas. Os deputados da base – 35 de um total de 52 – pareciam com pressa de cumprir a tarefa. A sessão vespertina foi antecipada para a manhã. De nada adiantaram os protestos vindos das galerias da Casa, os parlamentares sacramentaram a privatização da Copel a toque de caixa, e assim puderam acompanhar pela tevê o jogo da Seleção Brasileira na Copa do Catar, contra a Sérvia.

A operação está, porém, repleta de falhas e omissões. A sociedade paranaense não foi consultada, não houve sequer uma única audiência pública. Em representação encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado, parlamentares da oposição acusam o governo de ignorar ritos e queimar etapas. De acordo com o documento, o Poder Executivo “adotou medidas eminentemente prejudiciais ao patrimônio público” através de atos “crivados pela ilegalidade, por desvio de formalidade e vícios de forma”.

Em 21 de novembro de 2022, a Copel publicou um “Fato Relevante”, comunicando ao mercado que o governo do Paraná tinha a intenção de privatizar a empresa. A expectativa natural era de que, a partir daquela data, o volume de ações negociadas aumentasse significativamente. Mas o volume de ações negociadas pela Bovespa ficou muito aquém do esperado, a indicar a possibilidade de vazamento de informações privilegiadas, sugerem os oposicionistas. Além disso, a redução da participação acionária do Estado “em montante não inferior a 15%” figura nesse Fato Relevante, mas não está expressa no texto de lei aprovado pelos parlamentares. Ou seja, nada impede que o Estado se desfaça de todas as ações, uma vez que a lei aprovada confere a possibilidade de liquidação e venda total.

No passado, ações da companhia foram usadas como garantia de um empréstimo. O caso foi parar no STF

A representação enviada ao TCE acrescenta que as irregularidades apontadas “são corroboradas pela ausência de anexação de qualquer estudo de avaliação financeira ou de impactos de resultados que envolvam dividendos em face de alienação”. A falta de transparência, acrescentam os deputados da oposição, é extremamente lesiva aos interesses do Estado e impede a fiscalização da operação tanto pelo Tribunal de Contas quanto pela Assembleia Legislativa, uma vez que o processo de venda “se deu de forma urgente, com os prazos e trâmites céleres, sem possibilidade de requisição de documentos ou mesmo de discussão com a sociedade”.

Ratinho Jr. tampouco explicou a necessidade de vender uma empresa superavitária, que rende vultosos dividendos aos cofres do Estado. “Não há motivos financeiros para vender a Copel”, diz o deputado estadual Arilson Chiorato, do PT, ao lembrar que a companhia teve lucro de 5,1 bilhões de reais em 2022 e os dividendos pagos ao Estado devem superar a marca de 1,5 bilhão. Entre 2018 e 2021, perto de 3,6 bilhões de reais foram pagos ao governo paranaense. A venda de todas as ações do Estado poderia resultar em uma receita adicional única de 2,5 bilhões e 3,1 bilhões de ­reais. Não parece ser uma decisão inteligente, acrescenta o documento, uma vez que, em 2021, foi pago “praticamente 1 bilhão de reais” em dividendos.

Agora, o processo está em discussão no Supremo Tribunal Federal, um imbróglio a envolver o Banco Itaú. Em 1998, o governo do Paraná usou ações da Copel como garantia de um empréstimo. Não poderia, portanto, se desfazer dos papéis antes de quitar o débito. Como o Estado do Paraná não realiza o pagamento da dívida desde 2002, o Itaú resolveu executar as garantias e ter acesso às ações da Copel, sob o argumento de que o crédito possui garantia real e não deve ser pago por meio de precatórios.

A Justiça paranaense tem, porém, outro entendimento. Afirma que a operação de crédito dando direitos às ações da Copel foi irregular e a existência de um contrato de garantia real não afasta o Itaú do regime de precatórios, sob o risco de quebrar as regras de isonomia entre os credores. A decisão está nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski, relator da ação, que marcou a audiência para a primeira quinzena de março.

Em resposta a CartaCapital, a Secretaria da Casa Civil do Paraná enviou uma lacônica nota. Sem argumentos para justificar a venda de ativos, ela informa que o governo Ratinho Jr. tem a intenção de transformar a companhia em “uma corporação onde a empresa não terá um dono e o capital será disperso, mas o Estado será o maior acionista”. O texto ressalta a importância da Copel e prevê que ela vai liderar o movimento de transformação energética “sem as burocracias de uma estatal”. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1248 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE MARÇO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Não tão rápido “

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