Política
Nação à deriva
Recém-filiado ao PDT, Roberto Requião diz ser preciso reabilitar a palavra “desenvolvimento” no vocabulário político brasileiro


No Brasil, não existe mais uma esquerda dedicada ao debate dos nossos problemas”, lamenta Roberto Requião, em entrevista a CartaCapital. Recém-filiado ao PDT, o ex-governador do Paraná defende que o partido apresente candidatura própria em 2026. Sem poupar o governo Lula, critica a atual política econômica, a dependência do Centrão e a falta de um projeto estratégico para o País. Para Requião, o PDT deve romper com acordos meramente eleitorais e reconstruir, a partir da base, uma proposta de desenvolvimento verdadeiramente nacional e soberana.
CartaCapital: O que o levou a filiar-se ao PDT?
Roberto Requião: Acredito que o PDT oferece ao Brasil a possibilidade real de mudança, de uma transformação política. Em seu estatuto, estão presentes não apenas o compromisso com a democracia, mas também uma palavra que quase desapareceu do vocabulário político nacional: desenvolvimento. Falamos, portanto, de uma democracia com desenvolvimento e soberania. É justamente essa combinação que me inspira a contribuir para a reformulação de um partido ancorado nas velhas – e ainda urgentes – tradições trabalhistas. Um partido com histórico, voltado para o futuro.
CC: Há ainda espaço para um partido trabalhista com esse perfil?
RR: Sim, claro. O que não existe mais é lugar para o liberalismo econômico. O que vemos hoje, no governo Lula, é a continuidade da política de Paulo Guedes. Não há nada essencialmente novo. Com esse modelo, seguimos impossibilitados de retomar um verdadeiro projeto de desenvolvimento.
CC: Qual será seu papel no PDT?
RR: Vou atuar na reorganização do partido e seguir fazendo política como sempre fiz.
CC: Pretende se candidatar ao Senado ou, quem sabe, à Presidência da República?
RR: O que eu pretendo é ajudar o PDT na formulação de um projeto de governo desenvolvimentista, trabalhista e democrático. Mas não confunda democracia com a permanência de acordos espúrios que colocam a direita inteira no governo. Veja o caso do Paraná, onde apoiamos Lula para, depois, venderem as estatais da pior forma possível. Antes de tudo, quero que o partido tenha um projeto de governo que possa transformar-se em uma frente.
CC: O Brasil consegue sustentar um projeto nacionalista e soberano com a dependência econômica e tecnológica que tem?
RR: Isso é conversa de liberais. O mundo vive hoje um choque entre China e EUA. Donald Trump não está interessado em Bolsonaro, mas sim em dominar a economia brasileira. O que realmente divide o mundo neste momento é a disputa entre essas duas potências pelo controle dos mercados.
CC: Como romper com isso?
RR: Nenhum país conseguirá escapar da submissão e das garras do liberalismo sem uma estratégia própria. Se o Brasil não tiver um projeto nacionalista, soberano e voltado ao desenvolvimento, será sempre um apêndice nessa disputa por mercados.
CC: Desde o início do terceiro mandato de Lula, o senhor tem sido um crítico ferrenho das ações do governo. Continua pensando dessa forma?
RR: Sim, continuo com a mesma visão. O atual governo é fruto de uma aliança da esperança com a extrema-direita. Foi assim aqui, no Paraná: entramos de cabeça na sua campanha, mas Lula preferiu aliar-se ao governador Ratinho Júnior, do PSD, para vender a Copel, a Sanepar, o Porto de Paranaguá e os pedágios das rodovias.
CC: Arrepende-se de ter se filiado ao PT ou apoiado Lula?
RR: Não me arrependo de nada do que fiz no passado. Naquele momento, era necessário assumir o apoio a Lula, para evitar a reeleição de Bolsonaro.
CC: O PDT faz parte da base de Lula. Como pretende se posicionar?
RR: Meu posicionamento será em defesa de uma candidatura própria e de um projeto soberano para o País.
“As empresas estratégicas devem estar sob controle do Estado”, vaticina
CC: Defende que, em 2026, o partido não apoie o PT?
RR: Defendo que, primeiro, o PDT elabore um projeto de País. Só depois deve discutir alianças ou nomes. Vou trabalhar por isso. Foi por isso que entrei no partido, esse foi o meu acordo. Havendo um projeto nacional, qualquer candidatura comprometida com essas mudanças me serve.
CC: Poderia delinear alguns eixos desse projeto?
RR: Um ponto fundamental é que as empresas estratégicas estejam sob controle do País. Vou dar um exemplo: as grandes empresas de energia solar na China são privadas, mas toda a cadeia produtiva – fornecedores de transformadores, conversores de voltagem, placas – é composta de milhares de pequenas empresas locais. Ou seja, privatiza-se a ponta, mas a base de insumos é controlada pelo governo chinês. Não há oligopólio. Esse modelo permite à China produzir painéis solares com custos baixos, gerar emprego e renda, além de dominar o mercado do setor. Isso se chama soberania.
CC: A esquerda tem sido incapaz de construir uma oposição interna crítica e propositiva?
RR: No Brasil, não existe mais uma esquerda dedicada ao debate dos nossos problemas. Isso era o trabalhismo, que lutava pelos operários e pela soberania. Isso não faz parte do governo atual. Hoje, o que existe é um projeto de poder, acordos para vencer eleições. Mas para que e para quem?
CC: Bolsonaro ainda representa um risco à democracia?
RR: Não. O Bolsonaro, rigorosamente, não existe mais. Ele já não conta com o apoio da direita nem de grande parte do empresariado.
CC: E o Centrão?
RR: O Centrão é fruto da ausência de um projeto nacional. Como o governo não tem uma proposta clara, o Congresso transformou-se em uma banca de negócios. O jogo sempre foi assim, desde quando só existiam as emendas impositivas. Mas, naquela época, o parlamentar só conseguia liberar recursos se beijasse a mão do governo. Depois, tudo evoluiu para o orçamento secreto, e chegamos onde chegamos.
CC: Qual sua expectativa para as eleições de 2026?
RR: Insisto que o futuro do Brasil passa, necessariamente, por um projeto de desenvolvimento nacional. Lula costuma dizer que “país que não se respeita não é respeitado”. Mas o povo brasileiro não está sendo respeitado. O Banco Central está nas mãos de banqueiros e rentistas. As estatais foram entregues. O PDT é o único partido que, sem esquecer suas origens trabalhistas, ainda fala em soberania e desenvolvimento. •
Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Nação à deriva’
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