Política
Com almoço no Morumbi e culto evangélico, Bolsonaro entra de fininho na campanha de Nunes
Ausente nas agendas anteriores, o ex-capitão reapareceu a cinco dias do segundo turno. Distanciamento ajudou Nunes a controlar rejeição, aponta colunista


Faltando cinco dias para o segundo turno, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fez sua “estreia” oficial na campanha de Ricardo Nunes (MDB) à reeleição em São Paulo nesta terça-feira 22, após mais de dois meses de uma aliança desconfortável para ambos.
Primeiro, Bolsonaro e Nunes participaram de um almoço com empresários e políticos na Fazenda Churrascada, no Morumbi, zona oeste da capital. Entre os presentes estavam figuras de peso como o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o ex-presidente Michel Temer (MDB), o presidente do MDB, Baleia Rossi, e o senador Rogério Marinho (PL-RN). O evento foi organizado por Fauzi Hamuche, da Confraria de Amigos do Vinho Eduardo Saddi.
Em seguida, o ex-capitão e o prefeito fizeram uma gravação eleitoral e à noite se dirigiram a um culto evangélico na Saúde, zona sul. Na ocasião, o bispo Robson Rodovalho, da Igreja Sara Nossa Terra, chegou a mencionar uma suposta batalha espiritual entre o bem e o mal.
Estiveram na cerimônia religiosa, entre outros, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o candidato a vice na chapa de Nunes, o ex-comandante da Rota Ricardo Mello Araújo (PL). Jair, por sua vez, evocou até o combate ao “comunismo”.
Tarcísio não deixou por menos e comparou Nunes a Moisés: “Deus mandou a confusão dos seus inimigos. Sabe por quê? Porque esse projeto é abençoado. Deus vai matar a confusão dos seus inimigos”.
Horas antes, no almoço com empresários, o prefeito fez questão de elogiar o governador, o principal fiador de sua candidatura. Durante as semanas de ascensão de Pablo Marçal (PRTB), quando Bolsonaro submergiu, Tarcísio mergulhou nas agendas eleitorais. “Numa guerra é o capitão que põe o peito na frente e não deixa ninguém para trás, soldado para trás”, declarou.
A afirmação abre margem a interpretações, uma vez que Tarcísio e Bolsonaro carregam a mesma patente.
“Quando caí um pouco nas pesquisas, em agosto, Tarcísio entrou ainda mais forte na campanha. Ele até participou de caminhadas”, prosseguiu o prefeito. “Então, minha eterna gratidão.”
Para o cientista político Josué Medeiros, colunista de CartaCapital, a ausência de Bolsonaro e o fenômeno Marçal beneficiaram Nunes. “Sem isso, teríamos 45 dias de campanha muito intensa com críticas à gestão dele.” A falta de envolvimento direto do ex-presidente, avalia, permitiu ao prefeito usar “estratégias de mobilização subterrâneas” para alcançar o eleitorado bolsonarista, enquanto dificultou a polarização necessária para o universo antibolsonarista.
Enquanto Nunes e Bolsonaro posavam juntos, Boulos almoçou com pessoas em situação de rua
Um dos efeitos desta conjuntura é a diluição do impacto da estratégia inicial de Guilherme Boulos (PSOL), que apostava em uma reedição da disputa Lula versus Bolsonaro em São Paulo. Sem a presença ostensiva do ex-capitão, porém, a reedição de frente ampla contra a extrema-direita tem dificuldades em avançar. “Bolsonaro tem uma rejeição de 60% a 65% na cidade”, lembra Medeiros.
Aproveitando-se dessa ausência, Nunes tem focado em se apresentar como um gestor que entrega obras, atacando Boulos por sua inexperiência no Executivo. O apoio discreto também favorece Bolsonaro, interessado em estancar fissuras na extrema-direita, especialmente após o avanço de Marçal sobre parte de sua base – e de olho nas articulações para 2026.
Após o almoço, Bolsonaro foi questionado por jornalistas se o postulante da direita no próximo pleito nacional seria ele ou Tarcísio. “O nome é Messias”, respondeu, em referência ao seu nome do meio. “Quem é o substituto de Lula na política? Não tem. De Bolsonaro? Tem um montão por aí. Eu colaborei a formar lideranças, estou muito feliz com isso.”
O governador paulista, como de praxe, endossou a avaliação de seu padrinho político: “O candidato a presidente é Bolsonaro”.
Enquanto Nunes e Bolsonaro se deixavam fotografar em um convescote controlado, cercados de aliados, Boulos contrapunha-se ao adversário em uma refeição com pessoas em situação de rua no Viaduto Pedroso, região central de São Paulo. “Esses dois almoços são simbólicos do que está em jogo neste segundo turno”, alfinetou o deputado. “Do lado de lá, estão os que defendem privilégios e a ideologia de ódio da extrema-direita. Do lado de cá, estamos nós, preocupados em mudar esta cidade, olhando para quem mais precisa.”
Nestes últimos dias de campanha, Boulos protagoniza ainda uma caravana, durante a qual dormirá na casa de eleitores e percorrerá todas as regiões da capital. Já Nunes segue jogando parado, evitando movimentos bruscos que possam afetar seus controlados índices de rejeição. Segundo o Datafolha mais recente, 35% dos paulistanos não votariam no prefeito, contra 56% no psolista.
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