Política

Na mira de promotores, “lavanderia” do MBL é cria do PSDB?

Pistas são o passado tucano de Renan e o irmão “Salsicha” e a abertura de empresas sempre às vésperas de campanhas

Foto: Reprodução/Twitter Foto: Reprodução/Twitter
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Em 17 de junho de 2010, nasceu a Angry Cook Enterprise Administradora de Bens. A sede fica em Simões Filho, cidade baiana de 134 mil habitantes a 27 km de Salvador. É uma casa de baixa renda, sem acabamento, bens ou funcionários, motivo de a empresa já ter sido declarada inapta pelo fisco da Bahia. Seu dono na época era Alexandre dos Santos, o “Salsicha do MBL”, o Movimento Brasil Livre.

“Salsicha” preside hoje o Movimento Renovação Liberal (MRL), o CNPJ por trás da marca “MBL”. É no nome de uma funcionária do MRL, Rosalina Maia de Souza, que a Angry está desde junho de 2015, três meses após a criação do MRL. Em 2016, Renan Santos, irmão de Alexandre, e um dos líderes do MBL, girou 950 mil reais da conta da Angry, sem nunca ter sido sócio ou dirigente da firma.

“Salsicha” e Renan filiaram-se ao PSDB no ano de abertura da Angry, 2010. A firma surgiu às vésperas da eleição para presidente e governador. Seria a suposta “lavanderia” de dinheiro montada no MBL, lavanderia investigada pela equipe de crimes fiscais e lavagem do Ministério Público do estado de São Paulo, uma cria dos tucanos?

Na apuração sobre a “lavanderia”, há pistas a apontar laços entre alguns personagens, como a família Santos, fundadora e administradora legal e financeira do MBL, e o PSDB. Além da filiação de Renan e “Salcicha” ao partido, há coincidência de algumas empresas aparecerem bem às vésperas de alguma eleição para presidente e governador. Foi o caso da Angry em 2010: a campanha começou em 6 de julho.

No despacho sigiloso em que autorizou uma batida policial, realizada em 10 de julho, na sede do MBL, o juiz Marco Antonio Martins Vargas, da 1a Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem, escreve que a Angry “seria uma pessoa jurídica ‘alaranjada’”. No despacho, ele decretou a prisão temporária de um empresário que desponta como outro elo MBL-PSDB.

É Alessander Mônaco Ferreira. Ele é dono de duas empresas criadas na boca de eleição para presidente e governador. A primeira é a Mônaco Intelligent, consultoria em pesquisas de opinião, de 22 de junho de 2006 (a campanha eleitoral começou em julho). A outra é a Amazing, consultoria em tecnologia da informação, de 11 de junho de 2018 (a campanha iniciou em agosto).

 

Alessander teve 3,6 milhões confiscados pelo juiz Vargas, quantia escondida do fisco de 2016 a 2019. Além do ocultamento, foi preso graças a doações rotineiras ao MBL via Youtube, no valor de 600 reais cada, média de 6 mil por mês. Esse tipo de doação ocorre em geral através de cartão pré-pago. O Youtube morde 30%, mas o doador e a origem da grana ficam escondidos.

Os 6 mil reais doados rotineiramente por Alessander equivalem ao salário líquido dele como funcionário do Diário Oficial do Estado de São Paulo em 2019, estreia do tucano João Doria Jr. como governador paulista eleito em 2018, ano da abertura da empresa Amazing.

Alessander era servidor do governo paulista. Em março de 2014, entrou no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), órgão do governo paulista. De 2016 a 2018, sua Mônaco prestou serviços à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), órgão da USP, a universidade estatal paulista.

Em 2017, Kim Kataguiri, líder nacional do MBL, ainda não era deputado federal pelo DEM, mas defendia a reformada da Previdência do governo Michel Temer. E abraçou uma proposta da Fipe. Até apareceu em vídeo na web ao lado da marca “Fipe”.

Conforme as investigações do promotor Marcelo Mendroni, do MP paulista, um dos clientes da Mônaco Intelligent, firma de Alessander, era uma gigante do ramo da tecnologia da informação, a Indra. Mendroni estranha: a empresa de 1,5 bilhão de reais contrata fornecedores de grosso calibre, exceto a firma de Alessander. E tem fundações públicas na clientela.

Juntamente com Alessander, quem também foi preso em 10 de julho, dia de batida policial no MBL, foi o empresário Carlos Augusto de Moraes Afonso, o Luciano Ayan. Trata-se de um especialista em web e tecnologia da informação, guru em fake news da rapaziada do Movimento Brasil Livre.

Ayan é dono três empresas. Uma delas, a Itframing, aberta em 12 de julho de 2016, bem às vésperas da campanha municipal daquele ano, iniciada em 26 de agosto. Na capital paulista, a cidade sede da Itframing, Dória elegeu-se prefeito.

Membros do MBL apoiaram a candidatura de Dória e a gestão dele em 2017. Até pintaram de branco o muro da casa do milionário em 2017 para apagar a pichação “SP não está à venda”. Em outubro daquele ano, Kataiguiri defendeu-o publicamente como presidenciável tucano na eleição de 2018.

Ayan é encarado pela promotoria paulista como integrante/financiador da organização/associação criminosa de lavagem no MBL. De 2016 a 2018, as contas dele receberam 2,2 milhões, bem mais do que os recursos declarados. De onde saiu a grana? E por que ocultá-la do fisco? Indícios, na visão do juiz Vargas, de que “seja proveniente das atividades exercidas por ele junto ao MBL”. Seria uma conta de passagem, destinada a lavar grana de origem ilícita.

Renan Santos, um dos líderes do MBL, e Ayan são amigos desde o ano eleitoral de 2014, conforme diz o primeiro. Foi o ano de registro do estatuto do Movimento Renovação Liberal, o CNPJ por trás do MBL. A abertura oficial do MRL é de 23 de março de 2015, oito dias depois das primeiras grandes marchas pelo impeachment de Dilma Rousseff, puxadas por Renan, Kataguiri e companhia. Marchas financiadas de modo obscuro.

Naquele ano de 2015, Renan e o irmão “Salsicha” deixaram o PSDB. Nunca tiveram emprego formal, segundo as investigações. Vivem como o pai, Maria, a mãe, Sueli, e a irmã, Stephanie: de negociar empresas falidas. Empresas que hoje devem 396 milhões de reais aos cofres públicos.

Kim Kataguiri diz que o MBL não tem nada a ver com a vida pregressa da família Santos e que Alessander e Ayan não pertencem ao movimento. Renan Santos diz ser “bizarra” a suspeita do MP paulista de que doações via youtube seriam lavagem de dinheiro.

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