Política
Na data do AI-5, parlamentares querem celebrar o “Dia da Democracia”
Projeto de lei propõe medida de sensibilização social para impedir apologias à ditadura militar
Parlamentares apresentaram, em 26 de novembro, um projeto de lei para institucionalizar o Dia Nacional da Democracia. A data seria celebrada em 13 de dezembro, exatamente no dia em que o Brasil completa 51 anos da leitura do Ato Institucional nº 5, o AI-5, um dos principais instrumentos de repressão da ditadura militar.
O texto é assinado por 25 deputados de diferentes partidos, da esquerda à direita: PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB, Rede, PSD, Cidadania, Solidariedade, PROS, PP, PTB, PV, MDB, PSDB, DEM, PP, Republicanos, PODE e PL. Nenhum deputado do PSL, antigo partido do presidente Jair Bolsonaro, assina a proposta.
No documento emitido pelo gabinete do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), os deputados escrevem que o projeto “visa a contribuir com a sensibilização social e a construção de um sentimento democrático, que impeça manifestações de apoio a ditaduras e a instrumentos como o AI-5”.
Os parlamentares também exaltam o que chamam de “regras do jogo democrático” como a livre circulação de ideias, o pluripartidarismo, as eleições periódicas e o sufrágio universal. Além disso, protestam pela igualdade política e pela autonomia dos cidadãos.
“A democracia não é um regime isento de críticas, mas envolve uma fórmula que vem sendo adotada com sucesso em diversos países, em cujo núcleo residem duas ideias principais: (i) sua oposição a qualquer forma de governo autoritário e (ii) a existência de um conjunto prévio de regras e princípios sobre quem pode legitimamente tomar decisões em nome da coletividade”, defende o texto.
A iniciativa ocorre após polêmicas declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a possibilidade de o governo decretar “um novo AI-5” em caso de radicalização de mobilizações sociais. O projeto cita nominalmente as duas autoridades.
Preocupa o Palácio do Planalto a eclosão de intensas manifestações contra reformas no Chile, da Colômbia e do Equador. O governo Bolsonaro quer continuar emplacando propostas de emendas constitucionais, principalmente na área econômica, e teme que mobilizações no Brasil dificultem o processo.
Discurso parecido está presente no próprio texto original do AI-5. Decretado pelo general Artur da Costa e Silva, que governava a ditadura, o texto pregou “o combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições do nosso povo, na luta contra a corrupção”.
O decreto também considerou a existência de “atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores político e culturais”, e afirma que “se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam que sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranquilidade, o desenvolvimento econômico e cultural”.
A medida ocorreu após um diagnóstico militar de que havia um processo de “guerra revolucionária” liderado pelos comunistas. Segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, a gota d’água foi quando o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, pediu, em setembro de 1968, que o povo não participasse de desfiles militares e que moças “ardentes de liberdade” se recusassem a sair com oficiais. Em 12 de dezembro, a Câmara recusou, em votação, o pedido de licença para processar o parlamentar. O AI-5, então, veio no dia seguinte e durou até 1978.
Na prática, com o AI-5, a ditadura fechou o Congresso Nacional, as assembleias legislativas e as câmaras de vereadores; cassou mandatos parlamentares; suspendeu a garantia de habeas corpus contra presos políticos; proibiu o exercício de direitos políticos, como o direito do voto em eleições sindicais e a realização de atividades ou manifestações sobre assunto de natureza política. Previu, também, a aplicação de “medidas de segurança”, como a “liberdade vigiada” e a proibição de frequentar determinados lugares.
De acordo com a FGV, ao fim de dezembro de 1968, 11 deputados federais foram cassados, inclusive Moreira Alves. Em janeiro de 1969, a lista incluiu até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo estimativa da plataforma Pacto Pela Democracia, que reúne mais de 100 organizações, grupos e movimentos dedicados à defesa pelo exercício democrático, o AI-5 resultou em cerca de 20 mil vítimas de tortura, mais de 400 mortes e desaparecimentos, sete mil pessoas exiladas e 800 prisões por razões políticas.
Relatórios da Comissão Nacional da Verdade contabilizaram 434 mortos e desaparecidos políticos no período. Corpos de 210 destas vítimas não foram encontrados.
Levantamento do jornalista Zuenir Ventura, em “1968 – O ano que não terminou”, o AI-5 foi responsável pela censura de cerca de 500 filmes, 450 peças de teatro, 500 letras de música, 200 livros, 100 revistas e uma dúzia de capítulos de sinopses de novelas.
De acordo com o livro “Repressão e resistência – Censura a livros na ditadura militar”, publicado em 2011 pela doutora em Comunicação e professora da Universidade de São Paulo (USP), Sandra Reimão, a ditadura censurou 109 livros somente em 1975. Em 1976, 61 livros foram proibidos. Entre 1970 e 1979, 312 obras foram vetadas. Na relação de títulos, estiveram “Feliz Ano Novo”, de Rubem Fonseca”, “O mundo do socialismo”, de Caio Prado Junior e “Tessa, a gata”, de Cassandra Rios.
O debate sobre os malefícios do regime militar parecia superado, mas, em 2019, há um presidente da República que reverencia o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel que comandava o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).
“Nossa ação não se resume a isto. Todas as vezes que o AI-5 foi ventilado, reagimos nas instâncias jurídicas”, diz a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
A homenagem mais famosa a Ustra ocorreu em 17 de abril de 2016, quando Bolsonaro elogiou o torturador em plena votação do impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), vítima de tortura no regime. “O terror de Dilma Rousseff”, afirmou. Em 30 de julho de 2018, já candidato à presidência, Bolsonaro disse no programa “Roda Viva” que seu livro de cabeceira era “Verdade Sufocada”, escrito pelo coronel.
Em 6 de abril, o instituto Datafolha revelou uma pesquisa que mostrou que 57% dos brasileiros são contrários às comemorações sobre a ditadura. Mas, ao ingressar no Planalto, Bolsonaro não parou de celebrar o período.
Em 29 de julho, debochou do desaparecimento de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em 8 de agosto, recebeu, em Brasília, Maria Joseíta Silva Brilhante Ustra, viúva do militar. Repetiu o encontro em 7 de novembro. Em 14 de novembro, o presidente afirmou, durante transmissão ao vivo nas redes sociais, que “nunca houve ditadura no Brasil” e que, na época, “você tinha direito de ir e vir, liberdade de expressão e votava”.
Para a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), uma das parlamentares que assinam o projeto de lei de protesto contra o AI-5, o discurso do presidente dá espaço para uma minoria estridente volte a falar em ruptura com a democracia. A CartaCapital, ela diz que institucionalizar 13 de dezembro como Dia da Democracia é importante, no entanto, é preciso haver uma reação maior.
“É emblemático, mas nossa ação não se resume somente a isto. Todas as vezes que o AI-5 foi ventilado, nós reagimos nas instâncias jurídicas e de ética contra essas pessoas. Não se pode aceitar que um parlamentar ou um ministro fale da possibilidade de retorno da ditadura de forma leviana. Tolerância zero”, protesta.
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