Política

Procuradores querem regime fechado e multa de 87 milhões para Lula

Embora ex-presidente seja acusado de receber 3,7 milhões, alto valor baseia-se na tese de que ele era o “comandante” de esquema da OAS

Nas alegações finais, o procurador Deltan Dallagnol e seus colegas reconhecem a "dificuldade probatória"
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Em suas alegações finais entregues na sexta-feira 2 ao juiz Sérgio Moro, os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato pediram a condenação do ex-presidente Lula em regime fechado e o pagamento de uma multa de 87,6 milhões de reais, baseada na tese de que o petista era um dos comandantes do esquema de propinas entre a OAS e a Petrobras.  

Nas alegações, os procuradores voltaram a afirmar que Lula “comandou a formação de um esquema criminoso de desvio de recursos públicos” destinado à compra de parlamentares, ao enriquecimento ilícito e ao financiamento de “caras” campanhas do PT, “em prol da permanência no poder”. 

Embora Lula seja apontado como beneficiário de 3,7 milhões de reais, na forma da aquisição e reforma de um tríplex em Guarujá, litoral de São Paulo, e do armazenamento de seu acervo pessoal, Deltan Dallagnol e sua equipe de procuradores defendem que o ex-presidente deva pagar o valor integral dos desvios apurados entre a OAS e a Petrobras como suposto comandante do esquema:

“Se requer, em relação a Luiz Inácio Lula da Silva, o arbitramento cumulativo do dano mínimo, a ser revertido em favor da Petrobrás, com base no artigo 387, caput e IV, do Código de Processo Penal, no montante de R$ 87.624.971,26, correspondente ao valor total da porcentagem da propina paga pela OAS em razão das contratações dos Consórcios Conpar e Conest pela Petrobrás, considerando-se a participação societária da OAS em cada um deles (respectivamente 24% e 50%)”, afirmam os procuradores.

O empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, também foi alvo de um pedido de multa de mesmo montante, mas como havia pago mais de 29 milhões de reais em indenização relativa a outro julgamento da Lava Jato, o valor solicitado foi de 58,4 milhões. Embora reconheça a falta de um acordo de colaboração premiada com Léo Pinheiro, da OAS, o MPF sugeriu que a pena do empreiteiro seja reduzida pela metade por ele ter confessado os crimes em interrogatório e “prestado esclarecimentos” à Justiça. 

Em uma espécie de confissão da falta de provas robustas para sustentar sua tese, a Procuradoria afirma que, no caso, “a solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória e, tendo ela como pano de fundo, medir adequadamente o ônus da acusação, mantendo simultaneamente todas as garantias da defesa.”

Em seguida, Dallagnol e sua equipe mencionam uma decisão da ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão, quando a magistrada defendeu que “em crimes graves e que não deixam provas diretas, ou se confere elasticidade à admissão das provas da acusação e o devido valor à prova indiciária, ou tais crimes, de alta lesividade, não serão jamais punidos e a sociedade é que sofrerá as consequências.” Sérgio Moro, agora responsável pela Lava Jato, foi o assessor de Rosa Weber no “mensalão”. 

Além de Lula e Léo Pinheiro, os executivos da empresa Agenor Franklin Martins, Paulo Gordilho, Fábio Yonamine, Roberto Ferreira e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto tiveram a condenação em regime fechado solicitada pelo MPF. 

Em sua conta no Twitter, Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, afirmou que as alegações finais apresentadas pelo MPF seguiram “a absurda lógica do Power Point”, em referência ao slide apresentado por Dallagnol que imputava a Lula responsabilidade central no esquema. “Nas alegações finais apresentadas sobre o tríplex os procuradores voltaram a insistir em “juízo de convicção” ao invés de provas”, declarou o advogado. 

Lula ainda não entregou suas alegações finais relativas ao caso. Zanin Martins afirma que elas serão apresentadas até 22 de junho. 

Em nota, a defesa de Lula afirmou que demonstrará nos próximos dias que o MPF e seus delatores informais, caso de Léo Pinheiro, “ocultaram fatos relevantes em relação ao tríplex que confirmam a inocência de Lula – atuando de forma desleal e incompatível com o Estado de Direito.”

Leia a nota da defesa de Lula

As alegações finais do MPF mostram que os procuradores insistem em teses inconstitucionais e ilegais e incompatíveis com a realidade para levar adiante o conteúdo do PowerPoint e a obsessão de perseguir Lula e prejudicar sua história e sua atuação política. 

As 73 testemunhas ouvidas e os documentos juntados ao processo – notadamente os ofícios das empresas de auditoria internacional Price e KPMG – provaram, sem qualquer dúvida, a inocência de Lula. O ex-Presidente não é e jamais foi proprietário do triplex, que pertence a OAS e foi por ela usado para garantir diversas operações financeiras. 

Nos próximos dias demonstremos ainda que o MPF e seus delatores informais ocultaram fatos relevantes em relação ao triplex que confirmam a inocência de Lula – atuando de forma desleal e incompatível com o Estado de Direito e com as regras internacionais que orientam a atuação de promotores em ações penais. 

Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins

Leia a íntegra das alegações finais do MPF:

Entenda o caso

Denúncia do MP-SP

Em março de 2016, Cassio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique de Moraes Araújo, promotores do Ministério Público de São Paulo, apresentaram uma denúncia envolvendo a construtora OAS, o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e o ex-presidente Lula no caso tríplex no Condomínio Solaris, no Guarujá (SP).

Os promotores chegaram a pedir a prisão preventiva do ex-presidente por falsidade ideológica e lavagem de dinheiro, mas a citação a Lula acabou sendo enviada para Moro.

O processo procurou “apontar as irregularidades perpetradas pela Bancoop quando protagonizou a transferência dos empreendimentos imobiliários para a OAS gerando prejuízos significativos tanto materiais quanto morais a milhares de famílias e, em contrapartida, produzindo atos de lavagem de dinheiro para ocultar um triplex do ex-presidente Lula e da mulher Marisa”.

O trio de promotores virou piada na internet ao confundir o teórico marxista Friedrich Engels e o filósofo alemão Georg Wilhelm Hegel, este último apontado como parceiro de Karl Marx no lugar do primeiro. Marx e Hegel, segundo os promotores, “ficariam envergonhados” diante das “atuais condutas do denunciado Luiz Inácio Lula da Silva”.

Em abril, a denúncia dos três promotores foi rejeitada. A juíza, Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira, apontou erros no processo e absolveu o ex-tesouro do PT João Vaccari Neto, o empreiteiro Léo Pinheiro e outros dez acusados. Para a magistrada, a denúncia não continha provas suficientes para levar a uma ação penal.

Denúncia de Dallagnol e Powerpoint

Em setembro de 2016, Deltan Dallagnol, procurador da República que integra a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, apresentou denúncia contra o ex-presidente, em parte baseada nas acusações originadas em São Paulo.

Segundo a denúncia, o ex-presidente teria sido beneficiado com desvios de 3,7 milhões de reais em contratos da OAS com a Petrobras para a aquisição, reforma e decoração do triplex e para o armazenamento de parte de seu acervo pessoal quando deixou a Presidência, em 2010. 

Em relação ao triplex, Lula é acusado de ser beneficiado com desvios de 2,4 milhões de reais. Outros 1,3 milhão estariam relacionados ao armazenamento de seu acervo. 

Na ocasião, Dallagnol não se restringiu ao caso. Na apresentação de sua denúncia em Powerpoint, o procurador apontou Lula como “comandante máximo” e reforçou sua convicção ao expor um slide em que o nome do petista surgia ao centro, circundado por 14 razões pelas quais o procurador considerava o petista o principal beneficiário do esquema

Powerpoint

À época, os procuradores tentaram explicar a ausência de “provas cabais” de que Lula seria o proprietário do imóvel. “Precisamos dizer desde já que, em se tratando da lavagem de dinheiro, ou seja, em se tratando de uma tentativa de manter as aparências de Ilicitude, não teremos aqui provas cabais de que Lula é o efetivo proprietário no papel do apartamento, pois justamente o fato de ele não figurar como proprietário do tríplex, da cobertura em Guarujá é uma forma de ocultação”, afirmou o procurador Henrique Pozzobon, integrante da força-tarefa.  

As declarações de Pozzobon, associada a reiteradas declarações de Dallagnol sobre a convicção da Lava Jato sobre a culpa de Lula no caso, acabaram por cunhar a expressão “não temos provas, mas temos convicção”, um bordão usado com frequência por críticos da operação comandada por Moro.

Os argumentos da defesa de Lula

Desde que o caso triplex veio à mídia, Lula tem reiterado não ser proprietário do imóvel. Segundo a defesa, a ex-primeira-dama Marisa Letícia tornou-se associada à Bancoop, Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo, e adquiriu uma cota em um edifício então chamado Mar Cantábrico. A cooperativa separou um imóvel para Dona Marisa, uma unidade diferente daquela apontada pela Lava Jato como benefício indevido ao ex-presidente.

Em 2009, com a incorporação do empreendimento pela OAS, Marisa desistiu da compra e parou de pagar as mensalidades da Bancoop. A unidade foi adquirida por outro proprietário, aponta a defesa. Em 2014, Lula e Léo Pinheiro, diz a defesa, visitaram o triplex “pela única e última vez”. Por considerar que o negócio não interessava à sua família, ele teria desistido da compra. 

Em 19 de abril, a defesa do ex-presidente apresentou documentos de recuperação judicial da empreiteira OAS em que a empresa afirma ser a proprietária do tríplex do Condomínio Solaris. A unidade 164-A do condomínio aparece listada em uma avaliação de bens e ativos da empresa em ação que corre desde setembro de 2015 na 1ª Vara de Falências de São Paulo. Nela, duas unidades do Solaris são arroladas como ativos da empreiteira.

A defesa arrolou 87 testemunhas para depor no caso. O alto número de convocados irritou Moro, que chegou a exigir de Lula a participação em todas as audiências. Posteriormente, a Justiça acabou por dispensá-lo da obrigação imposta por Moro. 

Depoimento de Léo Pinheiro

Em depoimento a Moro, Léo Pinheiro afirmou em 20 de abril que o “triplex era de Lula” ao ser questionado por Cristiano Zanin Martins, advogado do petista, se o réu entendia que deu a propriedade do apartamento ao ex-presidente. “Desde o dia que me passaram para estudar os empreendimentos da Bancoop já foi me dito que era do presidente Lula e sua família e que eu não comercializasse e tratasse aquilo como propriedade do presidente”, afirmou. 

Em depoimento recente, Pinheiro teria afirmado ainda que o ex-presidente o orientou a destruir provas do pagamento de propina ao PT. A sugestão teria ocorrido em uma conversa em 2014, dois meses após o início da Operação Lava Jato. Lula, diz o empreiteiro, quis saber se a OAS pagava propina ao partido no Brasil e no exterior. Ao saber que os pagamentos seriam feitos no País, sugeriu a destruição de provas. Pinheiro, condenado a 26 anos de prisão por Moro, não esclareceu se acatou a sugestão.

O ex-dirigente da OAS, preso há mais de um ano, enfrentou dificuldades para fechar um acordo de delação premiada, justamente por ter se recusado a incriminar Lula. Em nota, a defesa de Lula voltou a atribuir a propriedade da unidade à construtora (leia trecho a seguir):

Segundo Léo Pinheiro, Dona Marisa teria a intenção de passar as festas de fim de ano de 2014 no apartamento, e perguntou quando a obra ficaria pronta. Léo Pinheiro não sabe dizer se o apartamento ou chaves foram entregues para a família do ex-presidente.

Mas os advogados do ex-presidente apresentaram um documento financeiro chamado emissão de debênture, emitida em  2013, que coloca esse apartamento como garantia de financiamento da obra, assinada por Léo Pinheiro, algo só possível de ser feito com o apartamento sendo propriedade da OAS Empreendimentos.

O empresário, então, afirmou que não consultou o ex-presidente antes de emitir o papel. A Defesa de Lula apontou também que o imóvel consta no processo de recuperação judicial da OAS como ativo da empresa, ou seja, continua sendo da OAS

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