Política
MP que criou política nacional de data centers pode ser incorporada a projeto que trata de inteligência artificial
A medida provisória está parada no Congresso e não deve avançar diante da atual crise de relacionamento entre Executivo e Legislativo
À sombra da crise com a cúpula do Congresso Nacional, líderes do governo Lula (PT) negociam com o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) a incorporação de trechos da medida provisória que criou a política nacional dos data centers ao PL da Inteligência Artificial, da qual o parlamentar é relator na Câmara. A expectativa é que o parecer seja apresentado nesta terça-feira 2.
Espera-se que, após a leitura do relatório, haja um pedido de vista coletivo por uma sessão, com votação na quarta-feira 3 na comissão especial. Deputados que participam das conversas projetam a discussão em plenário na primeira quinzena de dezembro, caso o parecer seja aprovado no colegiado nesta semana.
Editada pelo presidente Lula em setembro, a chamada MP do Redata promoveu alterações na legislação atual para incluir benefícios fiscais às empresas de tecnologia que atuam no segmento. A medida provisória também tenta estimular o uso de componentes fabricados no Brasil e obriga que 2% dos investimentos dos beneficiados pela isenção sejam direcionados a projetos de pesquisa e desenvolvimento no País.
Quase três meses depois da publicação, porém, o texto não avançou – a comissão especial para analisá-lo sequer foi instalada. A medida perderia a validade em 16 de novembro, mas o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), prorrogou sua vigência por mais 60 dias. Ainda assim, parlamentares avaliam que, diante das rusgas com o Palácio do Planalto, a janela de aprovação do texto foi fechada. Por isso, busca-se, na avaliação de pessoas envolvidos nas conversas, “transferir a paternidade” da proposta para garantir sua viabilidade.
Nos últimos dias, Ribeiro esteve reunido com deputados da oposição e do governo para discutir o texto, além de ter ouvido representantes do setor. O relator também buscou entendimento com o senador Eduardo Gomes (PL-TO), relator do PL da IA no Senado, já que qualquer mudança aprovada na Câmara precisará retornar para análise da Casa Alta.
Explosão de solicitações
Estimativas apontam que os data centers são responsáveis por 3% do consumo global de eletricidade, com previsão de aumento para 10% até 2030, boa parte proveniente de fontes não renováveis.
Desde a edição da MP do Redata, os pedidos de instalação de data centers no Brasil explodiu. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, as solicitações aumentaram 6,4 gigawatts. Hoje, o País tem menos de 1 GW destinado à operação dessas instalações. O aumento superou as estimativas da Associação Brasileira de Data Centers, que apontava um crescimento potencial de 3 GW com a política de incentivo.
Fonte: Ministério de Minas e Energia
Esse cenário é visto com preocupação por entidades de engenharia. Em outubro, uma carta assinada por quatro organizações da área alertou para para o comprometimento da soberania digital e a renúncia da vantagem energética nacional para subsidiar corporações estrangeiras.
Outro motivo de apreensão é a questão ambiental, uma vez que data centers de inteligência artificial podem consumir energia equivalente a cidades inteiras. Além disso, há o impacto direto sobre o uso intensivo de água, poluição sonora, geração de resíduos eletrônicos e até mesmo a extração mineral agressiva, tudo sem salvaguardas rígidas contra danos ambientais. Os críticos também apontam a falta de mecanismos de consulta e participação das comunidades indígenas e tradicionais atingidas.
O caso mais emblemático está em Caucaia (CE), onde o licenciamento ambiental do data center do TikTok foi classificado como de “baixo impacto”, dispensando estudos amplos — embora o consumo de energia previsto supere o de 99% dos municípios brasileiros. O município enfrentou situação de emergência por estiagem em 16 dos últimos 21 anos. Globalmente, a retirada de água por essas instalações já chega a 560 bilhões de litros por ano, com tendência de dobrar até 2030 em razão da expansão da IA.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.



