Política
MP de Bolsonaro gera revolta ao jogar conta da pandemia para os trabalhadores
Para economistas, governo deveria taxar ricos e bancar salário dos pobres; oposição cobra anulação de Medida Provisória
A decisão de Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, de permitir que, em meio à pandemia de coronavírus, as empresas suspendam por quatro meses o contrato e o salário dos funcionários revoltou alguns economistas, parlamentares e entidades civis. Até já há pedidos para que o Congresso anule a medida provisória (MP) 927 do governo.
“É enviar a conta da crise para a casa do pobre. É pedir mais de quem não tem nada para dar”, disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. “Bolsonaro preferiu começar a austeridade pela base e não pelo topo da estratificação social”, afirmou a antropóloga Débora Diniz, que vive no exterior devido a ameaças de morte.
“O governo perdeu o juízo? Enquanto se discute como ajudar informais, soltam MP permitindo não pagar salários aos formais por até quatro meses? Cadê a ajuda para as empresas pagarem a folha como Dilma (Rousseff) e até (Michel) Temer fizeram? Devolvam já esta MP ao Planalto”, comentou o economista Nelson Barbosa, ex-ministro de Dilma Rousseff.
Para Barbosa, a MP tem potencial para causar uma espiral econômica negativa até uma “depressão” (problema profundo e por longo tempo). A pandemia provocou choque abrupto de demanda, pois as pessoas não saem de casa e não compram, isso leva empresas a querer demitir, os degolados perdem renda e vão consumir menos ainda, o que incentiva novas demissões e corte de salários, e por aí vai.
Mais liberal, a economista Monica de Bolle, pesquisadora nos Estados Unidos, achou a MP “criminosa”. “Vai na contramão do que todos os governos mundo afora têm feito”, disse. “Deixa o trabalhador exposto”, continuou. Para ela, a conta da crise do coronavírus deveria ser paga pelos ricos via “tributação dos super-salários do setor público” e “instituição de contribuição sobre grandes fortunas”.
“É para derrubar (a MP). O governo está tomando uma medida microeconômica sem considerar seus impactos macroeconômicos. Pode agravar a retração”, afirmou Marcelo Medeiros, pesquisador do tema “desigualdade social” em um laboratório dedicado ao Brasil na Universidade de Princeton, nos EUA.
A MP foi assinada por Bolsonaro e Guedes. Se o Legislativo devolvê-la ao governo, significa na prática rasgá-la, ou seja, encerrar sua vigência. O ato de devolver ou não cabe ao presidente do Congresso, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).
“Desumanidade”
A oposição em peso defende devolver. “Já pedi ao presidente Alcolumbre”, disse o líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), para quem a MP é uma “desumanidade”, ao entregar o trabalhador “à própria sorte”. “Crime contra a economia popular”, afirmou Guilherme Boulos, pré-candidato do PSOL a prefeito paulistano.
“Governos de vários países se dispuseram pagar parte dos salários dos empregados para evitar demissões, socorreram pequenas e médias empresas e até mesmo bancaram contas de água e luz das pessoas. Já Bolsonaro penaliza trabalhador brasileiro em meio à pandemia”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Do chamado “centrão”, sempre decisivo nas votações parlamentares, também partiram críticas. É o caso do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), relator da reforma da Previdência no ano passado. “O mundo inteiro atuando pra manter a renda do trabalhador e o presidente edita MP retirando renda. Não adianta preservar o empresário se não tiver pra quem vender”, disse.
Para ele, o governo deveria bancar ao menos parte do salário do trabalhador durante os quatro meses de suspensão do contrato. Jair Bolsonaro escreveu no Twitter que a MP permite que “o governo entre com ajuda nos próximos quatro meses”.
Ramos, que é advogado, comentou ter lido a MP e que não isso é verdade. A medida contém dispositivos a prever apenas que o empregador poderá pagar algum tipo de ajuda de custo ao funcionário durante os quatro meses de suspensão do contrato de trabalho
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