Política

Movimento Democrático 18 de Março: Apelo à resistência democrática

O impeachment é um golpe de Estado. Caso seja aceito pela comunidade internacional, colocará em evidência o desprezo do Brasil pela democracia

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Formado por um grupo de cerca de cem brasileiros residentes na França, o Movimento Democrático 18 de Março produziu um manifesto contra o afastamento de Dilma Rousseff. Confira a seguir a íntegra do documento, divulgado no último dia 18 de março:

Apelo à resistência democrática

A democracia representativa brasileira está morta. Hoje pela manhã, o Senado deu um golpe no voto popular depois do episódio confuso e nefasto oferecido pelo Congresso nas últimas semanas.

Um grupo de homens brancos, na sua grande maioria envolvida em corrupção, privatizou Deus, a pátria e a família para destituir um governo democraticamente eleito pelo povo, em sua maioria composta de mulheres e negros.

Não se poderia acusar a Presidenta de praticar crime, mas para a Câmara de Deputados – talvez a mais conservadora da história do Brasil – a Constituição Federal é um pormenor.

O importante foi devolver o poder às velhas oligarquias, que, no fundo, jamais aceitaram verdadeiramente a democracia, o sufrágio universal, o crescimento econômico, a redução inédita na história do país das desigualdades sociais, a democratização do ensino superior, a presença marcante do país no cenário internacional, sua crescente influência diplomática e contribuição para a formação do eixo Sul/Sul que nos permitiria começar a cortar as amarras que nos ligam ao Império do Norte.

Entretanto, nenhum desses fatos foi suficiente para sensibilizar nossas elites, geradas e alimentadas nos tempos duros da escravidão dos negros e do genocídio de indígenas.

Doce ilusão imaginar que esses tempos seriam superados depois de dois governos populares: os donos do poder, ao longo de cinco séculos, com o chicote na mão, mais uma vez, não permitiram a superação desses tempos.

Preparou-se aqui um golpe de estado  mais sofisticado que o de 1964, apoiado em uma conjunção de fatores semelhantes àqueles que permitiram a ascensão dos militares ao poder. Transformou-se neste país a corrupção estrutural em discurso ideológico para a classe média, propiciando a radicalização do seu conservadorismo, a exacerbação do  fanatismo religioso e o retorno de uma paranoia anticomunista completamente anacrônica.

Ao retornarem ao poder, sem passar pelas urnas, as oligarquias, integrantes da Casa Grande, prometem não somente rever as conquistas sociais do último decênio, mesmo as mais antigas, e tornar impossíveis outras conquistas futuras.

No curso do golpe de estado foi apresentado um projeto de austeridade cinicamente batizado de “Ponte para o futuro”, acompanhado de uma agenda legislativa muito carregada.

Dentre as propostas que os parlamentares desejam  ver aprovadas encontram-se a possibilidade de as igrejas contestarem a constitucionalidade de leis, a proibição do aborto mesmo em caso de estupro, uma definição mais flexível do conceito de escravidão, proibição de greve de funcionários, proibição de buscar a justiça do trabalho pelos trabalhadores licenciados, a redução da idade mínima – de 16 para 14 anos – para entrar no mercado de trabalho e medidas de censura à internet, que fariam inveja ao presidente turco Erdogan.

Para garantir esse retrocesso, o usurpador que se pretende presidente do Brasil escolheu uma equipe ministerial à altura de sua missão, identificada com ele.

O novo ministro da Justiça, como ex-Secretário de Segurança do Estado de São Paulo, certamente possibilitará a manutenção nas mãos da oposição de direita a posse de aparelho repressivo dos mais violentos do país.

Os pontos fortes do curriculum desse senhor são a dissimulação de dados de execução extrajudicial praticada pela polícia paulista, assim como a suspeita de ligação dessa polícia com o crime organizado.

O novo ministro da agricultura, por sua vez, é um dos maiores produtores de soja transgênica do mundo, implicado na devastação das florestas do país e sistematicamente hostil às medidas de proteção do meio ambiente.

E mais: na lista dos ministeriáveis não se encontra nenhuma mulher, fato inédito desde a Ditadura Militar; por outro lado, encontram-se sete acusados de  haver recebido propina e implicados no escândalo da Operação Lava Jato.

Dentre os cargos que devem desaparecer nesse governo pós golpe, encontra-se aquele destinado ao controle dos negócios do Estado, o da cultura e das mulheres, da igualdade racial e direitos humanos.

É simbólico que desapareçam justamente os ministérios que protegem as minorias e as mulheres, após uma campanha pelo impeachment que acentuou o racismo de extrema direita e  a banalização da ideia de  que os direitos humanos consistem na defesa de bandidos.

Não é por acaso que esse processo de impeachment foi apoiado pelos integrantes das classes abastadas, por um  deputado que defende  abertamente a prática da tortura e agressões de homossexuais.

Esses são apenas alguns dos fatos que permitirão o enorme retrocesso no  Brasil e o enfraquecimento de todas as democracias no mundo.

Nossa missão histórica é recusar reconhecer esse governo dirigido por delinquentes e religiosos fanáticos que não foram escolhidos pelo povo. O Brasil não tem mais governo e  se encontra dessa forma em desacordo com o direito internacional.

Por essa razão, os brasileiros e brasileiras e os amigos do Brasil na Franca, que  integram o MD18 de março, que valorizam e lutam pela democracia, se opõem ao golpe ilegítimo, assim  como a todas as suas ações.

Apelamos ao boicote e rejeitamos essas medidas econômicas, baseadas na espoliação fiscal, e esses planos neoliberais que colocam em questão a soberania econômica de nações europeias como ocorreu com Portugal, com a Grécia e a Irlanda.

Questionamos a realização dos Jogos Olímpicos que acontecerão daqui a três meses. Um governo, autoritário e antidemocrático, não pode realizar um evento como os jogos olímpicos que celebra a diversidade.Se os jogos devem acontecer que seja em espaços vazios. Os turistas devem estar conscientes e não apoiar a propaganda de um governo oriundo de um golpe de estado.

O impeachment da presidente Dilma é um golpe de Estado e, se for aceito pela comunidade internacional, colocará em evidência aos olhos dos povos do mundo o desprezo do Brasil pela democracia.

O direito à autodeterminação dos povos é acatado em todo mundo. Por isso, é hora de unirmos nossas forças para, juntos, imaginarmos e criarmos um mundo onde desejamos viver.

Se assim não for, as oligarquias político-econômicas vão se habituar a submeter os povos com golpes de estado a frio como o que ocorreu no Brasil.

E “a frio” é um eufemismo, porque esse golpe de força vem acompanhado de assassinatos políticos, de prisões arbitrárias, da criminalização de movimentos sociais, da censura e muita violência policial.

No Brasil, a caça às bruxas já começou, mas saibam os golpistas que o mundo conhecerá seus crimes. Saibam que nosso destino não pode se confundir com o reinado da desigualdade, do fundamentalismo religioso, do racismo, da misoginia, da homofobia e da violência. A radicalização da democracia é a única via que nos resta.

* Tradução livre, feita por Marcia Jaime, advogada, membro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo 

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