Política

“Moro precisa ir à CPI das Fake News”, diz relatora da comissão

Em entrevista, Lídice da Mata descreve caminhos que levam a Carlos e Eduardo Bolsonaro e a empresários governistas

Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
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Para tristeza do clã presidencial, a CPI das Fake News vai até o fim do ano. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) não conseguiu do Supremo Tribunal Federal (STF) uma liminar contra a prorrogação da comissão. Tentava ainda anular um depoimento que o implica, dado à CPI em dezembro pela deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), e o juiz Gilmar Mendes também negou.

Agora a comissão já pode pensar em ouvir Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça, como propõem os deputados Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Túlio Gadêlha (PDT-PE) – desde que, claro, o coronavírus permita que a CPI se reúna, o que não tem data para ocorrer, ou que a comissão providencia sessões via internet.

Dúvida: o “centrão” negocia com Jair Bolsonaro cargos em troca de apoio, topará dar holofotes a Moro? Desde outubro o vice-presidente da comissão é o deputado Ricardo Barros, do PP, partido cujo líder na Câmara, Arhur Lira (AL), e o presidente nacional, senador Ciro Nogueira (PI), têm frequentado o gabinete de Bolsonaro.

Para a relatora da CPI, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), ouvir Moro é necessário para saber mais sobre as milícias digitais bolsonaristas que espalham mentiras nas redes sociais. Ao deixar o governo, Moro disse que Bolsonaro trocou o chefe da Polícia Federal por “preocupação” com inquéritos no STF. Um desses alveja milícias digitais, operadas e financiadas por partidários do ex-capitão.

“Vamos ter uma eleição (municipal, em outubro, se o vírus deixar) com bastante presença dessas notícias falsas, como aliás a gente está tendo agora, durante a pandemia”, afirma Lídice. Atos de estados e prefeituras, prossegue ela, “têm sido sabotados e prejudicados por uma rede de notícias falsas que busca confundir a opinião pública e o cidadão no enfrentamento do coronavírus”.

Na entrevista a seguir, Lídice fala das investigações da comissão sobre dois filhos do presidente, do patrocínio empresarial às milícias digitais e da responsabilidade de plataformas como Twitter, Facebook e Instagram na rede de mentiras.

CartaCapital: Qual é a relação do ex-ministro Sérgio Moro com a CPI? Por que se justificaria um depoimento dele?
Lídice da Mata:
Por duas informações. Uma é de que foi mudado o superintendente da Polícia Federal por uma preocupação do presidente com o fato de investigações da PF estarem chegando muito perto das (milícias digitais bolsonaristas que disseminam) fake news. Divulgou-se que as investigações estariam chegando no Carlos Bolsonaro. A outra coisa é que a CPMI pode ouvir o (ex-) ministro para que ele fale a respeito do crime de fake news, se estava investigando ou não.

CC: A comissão tem alguma coisa sobre o Carlos?
LM: O que temos é um requerimento solicitando a sua convocação, que deve ter dois meses na comissão e que não foi votado ainda.

CC: E de material?
LM:
De material, não. O que nós temos são acusações feitas pelo deputado (tucano por São Paulo Alexandre) Frota e pela deputada Joice, que precisam de investigação para serem confirmadas. Os dois descreveram o modus operandi das fake news e os perfis usados para divulgá-las. Eles acusam dois filhos do presidente (Carlos e Eduardo) de participarem de um grupo de deputados, federais e estaduais em São Paulo, e de assessores, relacionado a campanhas de ódio contra adversários e de criação de fake news.

CC: Um assessor parlamentar do Eduardo conseguiu no Supremo uma liminar anulando uma informação prestada pelo Facebook que vinculava diretamente o gabinete do deputado a um certo perfil usado para espalhar fake news, o Bolsofeios.
LM:
Onde isso saiu?

CC: A ministra Rosa Weber deu uma liminar em 30 de março anulando a informação do Facebook.
LM:
Eu entendi diferente. Me parece que o que a ministra Rosa Weber fez foi não permitir que sejam votados alguns requerimentos que estão na pauta da CPI, inclusive um deles é meu.

 

CC: Desculpa, deputada, ela anulou sim. Noticiei na Carta.
LM:
Então é diferente do que eu tinha entendido. Mas, de qualquer forma, a Procuradoria do Senado, o advogado do Senado já entrou na defesa da CPMI. Vamos ver se ela (Rosa) dá guarida à nossa defesa ou não. Eu considero que foi uma decisão apressada (da ministra).

CC: A senhora diria que a ação do Eduardo no Supremo, para encerrar a CPI, foi confissão de culpa?
LM:
É uma ação que deixa sob suspeita. Não sei qual é o interesse que tem o deputado em barrar uma investigação. Não é um processo, não é um inquérito, não é uma acusação, é uma comissão de investigação. Para mim, é difícil imaginar qual o interesse dele em barrar uma investigação. Acho o gesto suspeito.

CC: O deputado Fábio Trad (PSD-MS), que não é da Comissão, escreveu outro dia no Twitter que o assunto mais importante do Brasil hoje não está no ministério da Saúde nem no da Economia, é a CPI das Fake News. Concorda?
LM:
O que ele disse é muito importante, eu concordo. A CPI revela para o País a necessidade da discussão de um assunto na ordem do dia, que é a desinformação da população através de um movimento – porque isso não é espontâneo, é organizado – de fabricação de notícias falsas, para causar dolo a alguém ou ao conjunto da sociedade. O que investigamos não é um político, um candidato, mas o que está sendo feito contra a sociedade brasileira com notícias falsas, que comprometem a saúde, vidas.

CC: A senhora tem convicção de patrocínio empresarial às milícias digitais?
LM:
Há suspeita de que haja algum patrocínio empresarial porque, em primeiro lugar, você precisa de gente trabalhando, de máquinas, e depois, porque é caro o trabalho nas redes. Então, significa que alguém está pagando. E há também aquilo transforma fake news em dinheiro: há instrumentos de comunicação, ferramentas, blogs usados para retransmitir informação e que, na medida em que são monetarizados, passam a render lucro para quem faz e para o Facebook. Isso também precisa ser discutido, porque as plataformas não se colocam no Brasil como meios de comunicação, e não pagam, portanto, imposto, enquanto meio de comunicação (tradicional) paga.

CC: Aqueles que não ganham dinheiro diretamente com fake news, mas que patrocinam, provavelmente empresários, a senhora diria que fazem isso por quê?
LM:
Motivação política. Eles tomam partido de um determinado candidato e fazem isso com motivação política e ideológica. Encontram aí uma forma de contribuir com o pensamento que advogam.

CC: Fariam isso também esperando que o governo adote medida A, B ou C para beneficiá-los?
LM:
Não uma coisa direta para eles, mas na medida em que o governo se coloca como defensor dos interesses daquele setor, ele (o empresário financiador) fica muito à vontade para fazer esse patrocínio. E não apenas um patrocínio do seu interesse financeiro, econômico, mas também das suas ideias, ideias conservadoras em muitos casos.

CC: Apareceu algum nome de empresário nas investigações da CPI?
LM:
Não.

CC: A senhora já tem opinião formada sobre a responsabilidade das plataformas na rede virtual de mentiras?
LM:
Não, mas acho que elas próprias podem tomar iniciativa de retirar, em determinado momento, informações que consideram agressivas à vida, como foi feito aqui no Pais (o Twitter excluiu postagens de Jair Bolsonaro que sabotavam ou minimizam as quarentenas). No entanto, acho que o mesmo direito que as plataformas têm de fazer isto por conta própria, a sociedade também tem, ao definir o tamanho, o espaço de funcionamento das plataformas. Está em discussão, por exemplo, por que as plataformas não podem se enquadrar a uma lei nacional. Elas argumentar que só podem responder à lei do país de origem. Em outros países, como na França, estava havendo uma discussão grande a respeito da necessidade de taxar o uso das plataformas. São coisas que são necessárias debater no Brasil, porque o uso das plataformas da maneira como está, sem que elas possam responder sequer à Constituição, pode trazer grande malefício à população.

CC: As plataformas já invocaram a necessidade de o Brasil acionar um acordo de cooperação jurídica com os Estados Unidos, para se negarem a prestar informações requeridas pela CPI.
LM:
É, eu sei. A sociedade brasileira precisa enfrentar essa questão, senão iremos viver a ditadura das plataformas, elas se sobreporão às leis democráticas dos países.

CC: É favorável á responsabilização das plataformas? E de taxá-las?
LM:
Sou favorável, não digo nem à taxação, mas sim a que haja uma organização das plataformas para responder de acordo com a Constituição de cada país. Na Constituição do Brasil, é crime o racismo, é crime, portanto, a defesa do racismo. É crime pregar contra a Constituição, pedir o fechamento do Congresso e do Supremo, porque essas instituições são os pilares da democracia. Eu posso ter críticas a essas instituições, mas não fazer campanha pelo seu fechamento.

CC: Entre os bolsonaristas, o argumento é que é liberdade de expressão.
LM:
Claro que não é. A liberdade de expressão tem um limite. Um limite daquilo, volto a dizer, um limite da Constituição. Pode ser que na Constituição de outro país, isso não seja claro, no nosso é. E se é, as plataformas devem respeitar o país onde estão atuando. Elas fazem dinheiro aqui.

CC: As plataformas são empresas enormes, poderosas. Existe condição de legislar contra elas aqui?
LM:
Não é contra elas, é a favor da sociedade. Eu sou a favor de que as próprias plataformas decidam algumas coisas sozinhas e de combinar com elas de que maneira podem contribuir com a nossa lei.

CC: Elas têm sido colaborativas com a CPI?
LM:
Até agora nós não tivemos ainda nenhuma conversa mais organizada. Algumas plataformas já se colocaram à disposição para trocar ideias, dar sugestões, sua representação jurídica já esteve presente em uma das nossas audiências.

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