Política

Moro é mais perigoso para a democracia do que Bolsonaro, diz delegado

Filiado recentemente ao PT e com base em Curitiba, Pedro Felipe aponta que policiais estão mudando de opinião sobre o governo Bolsonaro

Delegado Pedro Felipe Andrade na filiação ao PT do Paraná (Foto: Joka Madruga)
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Um policial civil petista e evangélico em plena “República de Curitiba”, como ficou conhecida a capital paranaense em referência à Operação Lava Jato, pode bem parecer o retrato de um peixe fora d’água. Nem tanto. “As pessoas estão entendendo que o discurso do ‘bandido bom é bandido morto’ e de fazer arminha com a mão era populista, vazio, que em nada melhora a vida do policial brasileiro.”, diz Pedro Felipe Andrade, delegado de 32 anos do 1º Distrito Policial, uma delegacia da Polícia Civil do Paraná, que chamou a atenção por ter assinado, no dia 17 de fevereiro, a filiação ao Partido dos Trabalhadores. 

Pedro Felipe diz que pretende, em breve, criar um núcleo de estudos sobre segurança pública dentro da sigla para descentralizar a temática das mãos da extrema-direita, e defende que há uma “mudança rápida” no clima bolsonarista dentro das corporações ao longo do primeiro ano de governo, que vem esfriando pela falta de articulação política de Jair Bolsonaro e de seu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro – a quem o delegado tece duras críticas. 

“Nunca vi alguém mentir com tanto cinismo, com tanta serenidade como esse ministro Sérgio Moro mente para a população brasileira. Acho que ele, hoje, é uma figura mais perigosa para a democracia, até mais que o próprio Jair Bolsonaro, porque ele consegue enganar mais gente ao mesmo tempo”, opina o delegado.

Evangélico, ele traz consigo outra camada representativa do eleitorado clássico de Bolsonaro, mas é reticente ao comentar sobre uma aproximação com os fiéis como estratégia política, ponto já defendido pelo ex-presidente Lula.

Aacho válida a aproximação, mas com cuidado para que a gente não faça o uso que eles fazem do evangelho neopentecostal, que é como uma massa de manobra eleitoral. Isso aí eu não vou aceitar jamais fazer. O perigo de lidar com monstros é nos fazermos monstros também”, diz Pedro Felipe, que afirma frequentar a Primeira Igreja Batista de Curitiba. 

Apesar da divulgação do PT sobre a filiação do policial e do tom carregado de críticas, o delegado não tem pretensões eleitorais – ao menos por enquanto. Pedro alega querer ajudar o partido no processo de renovação de seus membros e propostas. As associações à corrupção e à carência de “autocrítica”, para o delegado, não são terrenos pantanosos. “Desafio alguém a apontar uma liderança do PT que tenha sido condenada e se esquivou de pagar sua condenação”, diz.

Carioca, antes de ser aprovado no concurso para o Paraná foi inspetor na Polícia Civil do Rio de Janeiro, e depois oficial de justiça do Tribunal de Justiça do estado. A CartaCapital, ele declara nunca ter sido perseguido por suas aspirações políticas, apesar dos olhares de “canto de olho” e do clima tenso no período eleitoral de 2018. “Você corria um risco sério de ser alvejado, e não estou usando figura de linguagem.” 

Confira a entrevista completa:

CartaCapital: Qual sua trajetória de identificação política. Você tem uma ligação com o PT ou com pautas mais progressistas e de esquerda há um tempo?

Pedro Felipe: Meu pai é militante do PT desde os anos 80. Embora nunca tenha sido filiado, cresci em meio a broches, bandeiras e outros apetrechos do PT. Fora isso, militei no movimento estudantil, fui presidente de grêmio estudantil e do diretório acadêmico na Faculdade de Direito de Campos, em Campos dos Goytacazes. Depois, tive a oportunidade de chegar à Executiva da União Estadual dos Estudantes (UEE) do Rio de Janeiro, então trago toda essa militância.

Vindo ao Paraná, estou na segunda gestão como diretor da Associação dos Delegados de Polícia do Paraná e sou vice-presidente da ADPJ (Associação dos Delegados de Polícia Judiciária do Brasil), uma entidade nacional.

CC: Dentro da polícia, desde o Rio, você sentiu algum tipo de estranhamento em relação ao seu posicionamento político?

PF: Com toda a certeza. Há um ano, criticar o governo Bolsonaro e defender o PT dentro de uma instituição policial… você corria um sério risco de ser alvejado, e não estou usando figuras de linguagem.

É bem tenso o clima, tá? Hoje, isso tá mudando muito, e está mudando rápido. Sinto essa mudança dentro das instituições policiais. As pessoas estão percebendo, os policiais estão percebendo que foram vítimas de um estelionato eleitoral, talvez um dos maiores da história da nossa República.

CC: O que você percebe que exemplifica essa mudança?

PF: Pessoas que antes defendiam [Bolsonaro] com muito afinco, com muito clamor, com muita paixão, hoje já não fazem a mesma defesa. Alguns já percebem isso e colocam de forma clara a sua decepção. E isso tem um motivo muito óbvio, muito claro: ele se elegeu com a sua base de formação quase toda nos policiais. Passado mais de um ano de governo, até agora não propôs nada que melhore a vida do policial brasileiro.

Não foi proposto um piso remuneratório, teve a reforma da Previdência, que pegou todos os trabalhadores, mas a polícia também foi muito maltratada, especialmente a Polícia Civil. As pessoas estão entendendo que o discurso do “bandido bom é bandido morto” e de fazer arminha com a mão era um discurso populista, vazio.

Deve-se isso a essa mudança de sentimento. Está aí também o crescimento de coletivos que foram criados há pouco tempo, como o Policiais Antifascismo, os Policiais pela Democracia, coletivos dos quais faço parte e milito.

CC: O governo Bolsonaro e o ministro Sérgio Moro usam o argumento da queda no número dos homicídios como um exemplo da forma efetiva do governo em administrar a Segurança Pública. Qual é a sua perspectiva?

PF: Os índices de homicídio vinham caindo desde o final de 2018. A gente não pode colocar na conta dessa sazonalidade uma política pública de governo, até porque não teve política pública macro. O que podemos apontar como uma marca desse governo? Não teve. Apostaram as fichas no pacote anticrime, um pacote que acabou de ser aprovado.

Além disso, Segurança Pública não pode ser resumido apenas ao número de homicídios. O feminicídio está aí crescendo vertiginosamente. Lógico que é um fator bom quando cai uma taxa de homicídio, mas não podemos colocar isso só na conta do governo Bolsonaro.

CC: Existe uma associação quase automática de evangélicos ao bolsonarismo. O que você acha disso?

PF: Sou evangélico por uma questão de formação pessoal, frequento a Primeira Igreja Batista de Curitiba, mas não acho que isso deva ser um ponto. Nós criticamos essa junção de Estado com religião. Poderia ser umbandista, espírita, católico, e isso não mudaria em nada a pessoa que eu sou.

Filiação do delegado no Diretório Estadual do PT no Paraná. (Foto: Joka Madruga)

CC: Mas mesmo assim, ainda há uma preocupação da esquerda em tentar se aproximar desses setores. Foi até uma fala recente do ex-presidente Lula. Você acha que é uma estratégia válida?

PF: Acho que é válida, mas tem que ser visto sempre com muito cuidado, com muito respeito, pra gente não se tornar igual a eles. O perigo de lidar com monstros é lidar com monstros é nos fazermos monstros também. Acho válida a aproximação, mas com cuidado para que a gente não faça o uso que eles fazem do evangelho neopentecostal, que é como massa de manobra eleitoral. Isso aí eu não vou aceitar jamais fazer.

CC: A motivação de se filiar ao partido é concorrer nas eleições?

PF: Não me filiei para ser candidato. A organização partidária vá muito além de uma candidatura. Entendo o partido como uma entidade civil que merece ser vivida muito além de períodos eleitorais. Mas é óbvio que, se colocando no partido, você se coloca como um soldado, e estou à disposição do partido para como eles escolherem me colocar nesse cenário.

CC: E por que o PT?

PF: Primeiro porque o PT é o maior partido do Brasil e o maior partido de esquerda da América Latina. Com todo o processo de criminalização dos últimos anos, o PT continua sendo a principal via alternativa de poder que a gente tem no Brasil. Foram mais de 45 milhões de votos no segundo turno das eleições. Isso é relevante.

Fora isso, para todo mundo que defende que a desigualdade social é um dos maiores problemas que temos no nosso país, estar no PT e poder defender o legado positivo dos governos Lula e Dilma é uma grande honra. O discurso de criminalização do PT é para tirar direitos do povo.

CC: E sobre uma parte da história do PT associada a casos de corrupção e falta de autocrítica?

PF: Me filiei ao PT ontem, dia 17 de fevereiro de 2020, não tenho compromisso com eventuais erros do passado. Quero construir o futuro. Vejo que quem eventualmente possa ter praticado erros tem que ser punido como qualquer um, e isso aconteceu.

Desafio alguém a apontar uma liderança do PT que tenha sido condenada e se esquivou de pagar sua condenação. Não corro desse debate e não tenho nenhum problema em enfrentar esses questionamentos de uma forma muito tranquila.

Inclusive, o presidente Lula ficou preso de uma maneira inconstitucional, praticamente um sequestro político, por 580 dias. A presidente Dilma caiu sem uma denúncia de corrupção contra ela. Caiu a partir de um golpe parlamentar de Estado. Embora o julgamento tenha sido político, existe um fundamento jurídico inexistente.

CC: Esse ponto volta na questão do ex-juiz Sérgio Moro e da Lava Jato. Acha que existe uma influência deles em Curitiba até hoje?

PF: Convivo na política desde os 11 anos de idade. Primeiro com grêmios estudantis, diretórios acadêmicos, UEE. Sou policial desde os 23 anos de idade, fui aprovado para ser delegado com 25 anos de idade, estou acostumado a lidar com criminosos, a fazer interrogatórios, e nunca vi alguém mentir com tanto cinismo, com tanta serenidade como esse ministro Sérgio Moro mente para a população brasileira. Acho que ele, hoje, é uma figura mais perigosa para a democracia, até mais que o próprio Jair Bolsonaro, porque ele consegue enganar mais gente ao mesmo tempo.

A PF nunca teve tanta autonomia para investigar quanto teve no governo Lula, podendo, inclusive, fazer a Operação Lava Jato, diferente do que Bolsonaro tenta fazer agora. Quem criou o costume de eleger o PGR sempre pela listra tríplice? Foi o Lula, em 2003. A primeira coisa que Bolsonaro fez foi não respeitar a lista tríplice.

Poucos partidos podem dar mais exemplos de combate à corrupção e a esse discurso ético na política do que o PT. Pega a Lei 12.830, que reconheceu o delegado de polícia como uma carreira jurídica, dando autonomia para o delegado investigar, dando independência funcional. Foi no governo Dilma. O Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), talvez o último programa de segurança pública que a gente fez, foi no governo Lula.

CC: Você fala de construir o futuro. Quais planos práticos quer colocar dentro do partido? 

PF: Quero montar um Núcleo de Estudos sobre Segurança Pública dentro do partido. A pauta de segurança pública tem que deixar de ser uma pauta exclusiva da direita.

Embora já tenha sido feita muita coisa, precisamos avançar em assuntos que não avançamos, como na pauta da desmilitarização, numa polícia única, na municipalização da segurança pública – transformar guardas municipais em polícias municipais, com proximidade com a população, com polícias comunitárias e mais cidadãs.

A gente tem que parar com essa ideia que gente de esquerda não se preocupa com segurança pública e que é defensor de bandido. Eu sou delegado de polícia, e o meu trabalho é prender, investigar criminosos, só que eu quero fazer isso de uma forma mais efetiva, mais racional e mais justa. Não da forma de hoje. E quero mostrar pro povo que o discurso do ‘bandido bom é bandido morto’ é um discurso populista de quem não se preocupa com a segurança pública de verdade.

Eu me coloco como soldado para construir uma frente progressista, democrática e de centro-esquerda para ganhar do Bolsonaro já em 2022. O Brasil não aguenta mais quatro anos de Bolsonaro.

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