Política

Monica Benicio: ‘A luta é por uma cidade mais segura para as mulheres’

‘Tenho medo é de a gente continuar morando numa cidade que permite que vereadoras sejam executadas e o Estado não responda por isso’

Vereadora afirma estar comprometida com o feminismo antirracista e a luta LGBT. Créditos: Divulgação Vereadora afirma estar comprometida com o feminismo antirracista e a luta LGBT. Créditos: Divulgação
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Monica Benicio conversou com a reportagem de CartaCapital ainda sob a emoção dos quase 23 mil votos que a elegeram como a terceira mulher mais votada no Rio de Janeiro. Iniciante na política institucional, a vereadora já dimensiona os níveis de enfrentamento que terá que travar para colocar o seu projeto em prática, em grande parte dedicado às mulheres.

“Nosso principal eixo é falar de uma cidade mais segura para as mulheres. Trazemos a luta do feminismo antirracista, bem como a luta LGBT para ser construída em uma Casa fundamentalista e misógena. Mas esta é a nossa missão”, diz em referência à Câmara Municipal da capital fluminense.

A parlamentar entende que não ocupará a cadeira sozinha. “A gente falou o tempo inteiro de um programa em movimento, construído a partir da escuta, da coletividade. É neste ritmo que quero seguir meu mandato, em um projeto horizontal, de articulação com os movimentos sociais”, afirma.

Na entrevista, Monica fala sobre como o assassinato de Marielle Franco, em março de 2018, a levou para a política e como vê a sua associação ao legado da ex-vereadora.

“Marielle é um símbolo de representatividade, resistência, de luta para as mulheres, sobretudo as mulheres negras, de uma luta antirracista, contra a LGBTfobia. É um lugar de muita responsabilidade. Agora, legado não é só o que se deixa, mas também o que se leva adiante e eu vou fazer o máximo possível para que as expectativas não sejam frustradas e a gente possa fazer um grande trabalho”.

Carta Capital: Qual o sentimento de estrear na política e ser eleita com quase 23 mil votos?

Monica Benicio: É um momento de muita emoção. A gente tinha muita expectativa que esse projeto fosse dar certo, mas é sempre emocionante quando a gente vê realizar. Agora é honrar esse compromisso com essas mais de 22 mil pessoas que acreditaram nesse projeto político. A gente fez uma campanha lindíssima tanto nas redes, como nas ruas, que foi muito acolhida, muita gente dizendo que se via representada nela, mas mais do que isso, que voltava a ter esperança na política do Rio de Janeiro. Então agora é trabalhar em prol das pessoas que acreditaram que a gente pode fazer diferença nessa cidade.

CC: Como foi construir uma campanha em um cenário politicamente adverso e dificultado com a pandemia? 

MB: Difícil, cansativo, como todo processo de campanha. Mas me surpreendeu positivamente o quanto ele foi bonito, o quanto as pessoas se envolveram, acreditaram. Uma campanha construída com muita escuta, de maneira muito horizontal, com muito diálogo com os movimentos sociais e completamente atípica, feita no meio de uma pandemia. Ainda que tivéssemos todos os cuidados, uso de máscara, álcool em gel, acabei testando positivo para a Covid-19 na reta final, o que me tirou das ruas ali no finalzinho, e aí vi muita solidariedade. As pessoas se envolveram ainda mais, saíram para fazer panfletagem. A coletividade que a gente pregou desde o início foi tomando cada vez mais força.

CC: Quais pilares foram centrais na sua campanha?

MB: Nosso principal eixo era falar sobre uma cidade mais segura para as mulheres. Como arquiteta urbanista, minha área de pesquisa é o direito à cidade. A gente trouxe essa pauta para que as favelas e as periferias façam parte do centro do debate da política. Trazemos também a pauta LGBT e a luta do feminismo antirracista para ser construída em uma Casa que a gente sabe que é tão fundamentalista, misógena, que precisa de uma renovação urgente de um quadro político. Pautamos o tempo inteiro a construção de um programa em movimento, com escuta, coletividade, e é neste ritmo que quero seguir com o meu mandato, em um projeto horizontal, de articulação com os movimentos sociais, defendendo sempre que uma cidade mais segura para as mulheres é uma cidade para todos.

CC: Quando nasceu o seu desejo pela carreira política? A morte de Marielle Franco a impulsionou para esse lugar ou esse projeto já existia?

MB: Não foi uma decisão fácil. A política institucional nunca foi uma pretensão na minha vida. O meu fazer político era na academia, onde eu me debruçava ali para fazer o debate de direito à cidade. Eu estava terminando o mestrado em 2018 e só consegui concluí-lo este ano a duras penas. O meu desejo era levar o meu fazer político para dentro da academia. Agora, é óbvio que isso se modifica após a execução da Marielle. E a decisão também vem baseada na escuta que mencionei anteriormente. Muitas pessoas vieram me pedir para disputar este lugar. Pessoas que têm participação nos movimentos sociais e que eu eu respeito muito politicamente, amigos que estavam ali na construção do meu ativismo nesses mais de dois anos e meio sem Marielle e Anderson, período em que o meu fazer político ficou muito voltado para a luta por Justiça. Eu rodei o mundo inteiro cobrando Justiça das autoridades, para que respondam quem os mandou matar, e para que levam a julgamento os executores. É uma luta muito dura, dolorosa, porque é diariamente reviver e relembrar a tragédia que atravessou as nossas vidas. Sem dúvida nenhuma isso foi uma coisa que me colocou em outro lugar politicamente, e a decisão de vir candidata veio com muita escuta dessas pessoas que acreditavam que o projeto pode melhorar o Rio de Janeiro, que o mandato pode voltar a dar esperança para as pessoas nessa cidade.

Mônica Benício foi a terceira mulher mais votada na cidade do Rio de Janeiro. Créditos: divulgação

Carta Capital: Você vê a sua sua atuação política como uma continuidade ao legado de Marielle? Seus eleitores tiveram essa identificação? 

MB: Isso foi muito dito durante a campanha, nas minhas redes sociais, depois do resultado também muitas pessoas dizendo que a Marielle estava voltando para o plenário. Eu não me sinto incomodada com essa ideia, muito pelo contrário, só me chama ainda mais para uma responsabilidade grande.  A Marielle se torna um símbolo de representatividade, de resistência, de luta para as mulheres, sobretudo as mulheres negras, de uma luta antirracista, contra a LGBTfobia. Então, estar nesse lugar onde muitas pessoas me veem como parte desse processo, capaz de dar continuidade a isso, é sem dúvida nenhuma muita responsabilidade. Agora, legado não é só o que se deixa, mas também o que se leva adiante e eu vou fazer o máximo possível para que as expectativas não sejam frustradas e que a gente possa fazer um grande trabalho.

Carta Capital: A chapa do PSOL no Rio de Janeiro recebeu críticas por privilegiar parlamentares brancos – você, Tarcísio Motta e Chico Alencar. Há alegações de que se não fosse a desistência de Marcelo Freixo, a chapa seria inteiramente branca. Como avalia as críticas?

MB: Eu acho que de forma honesta e objetiva, a gente não pode considerar esse cenário hipotético com o Marcelo porque a estratégia do partido se modificou com a desistência dele. A gente precisou reconfigurar toda a estratégia política que já estava sendo considerada para manter a nossa bancada de seis e, mais do que isso, conseguimos fazer a ampliação dela. [Além de Mônica Benício, a chapa do PSOL no Rio de Janeiro elegeu os vereadores Tarcísio Motta, Chico Alencar, Thaís Ferreira, William Siri, Paulo Pinheiro e Dr. Marcos Paulo]. A tática do partido se mostrou assertiva. Teve um trabalho muito comprometido com um programa transformador, antirracista, feminista, antiLGBTfóbico, anticapitalista, que garantiu que 65% das verbas fossem destinadas às candidaturas negras, 67% a candidaturas de mulheres. Acho que o partido encerra as eleições mais fortalecido, se mostrando ser de fato o partido da esquerda, que representa não só o Rio de Janeiro, mas uma política transformadora e democrática. Agora, é inquestionável que fizemos uma majoritária com a Renata Souza, uma mulher negra, e com o Ibis Pereira, um homem negro, e acho que isso fala muito sobre o que é esse partido.

Carta Capital: As críticas também se voltam ao fato de você, mulher branca, ser associada à continuidade do legado de Marielle, uma mulher negra. Qual a sua avaliação?  

MB: Eu não me preocupo muito com esses ruídos, para ser bem sincera. Eu acho que eu tenho que estar comprometida com esse voto de confiança que o Rio de Janeiro me deu e retribuir isso mostrando um trabalho efetivo, competente, comprometido com o feminismo antirracista, com a luta anticapitalista, com a vida das mulheres, com a vida da população LGBT. Agora eu considero a questão ruim porque envolve uma questão chamada lesbofobia. Existe uma tentativa de me deslegitimar enquanto família da Marielle. Para além de muito triste, isso é muito grave porque é um profundo desrespeito com a memória dela. Marielle escolheu construir a família dela comigo e não dá para a gente falar de respeito à memória sem respeitar essa família que ela estava construindo.

Carta Capital: Você não assinou a agenda Marielle Franco, proposta pelo Instituto. Por quê?

MB: Estou estou há mais de dois anos e meio devotando a minha vida à justiça por Marielle. Isso foi público e notório pelo mundo inteiro. Estou mais do que comprometida com a Marielle, com a memória da minha companheira. Eu tinha afinidades políticas com ela, por isso a gente tinha o relacionamento que tinha e por isso faço todo o investimento político do meu tempo nesta construção. A minha luta é uma luta do feminismo antirracista, anticapitalista, socialista, pela vida da população LGBT, negra, periférica, é desse lugar que falo. Eu não me entendo precisando assinar nada para estar comprometida com todas as agendas dela, que também são minhas. Se tem alguém no mundo duvidando que eu não tenho compromisso com as agendas da Marielle, essa pessoa não está entendendo muito bem o que está acontecendo no Brasil.

Eu não tenho medo de um atentado à vida, o que eu tenho medo é de a gente continuar morando numa cidade que permite que vereadoras sejam executadas em um crime político e o Estado não responda sobre isso.

Carta Capital: Em sua proposta parlamentar, você apresentou dez pautas prioritárias para o Rio de Janeiro. Qual demandará o maior enfrentamento? Por quê?

MB: Acho que todas as pautas que tocam na questão das mulheres, dos direitos das mulheres, serão de difícil enfrentamento . Isso porque a gente vive em uma sociedade profundamente machista e aquela Casa já mostrou o quanto é misógena. Então levar o debate de um programa voltado para as mulheres é fundamental e será muito difícil. Da última legislatura em vigor, tínhamos apenas sete cadeiras ocupadas por mulheres, de um total de 51. Conseguimos ampliar muito pouco esse resultado [de sete para dez], que ainda não é nem perto do que a gente gostaria de ver para ter representatividade, de fato. Tem um projeto específico que ficou conhecido como Espaço Coruja, que é muito simbólico, e fala sobre a possibilidade de famílias deixarem as crianças em um espaço infantil noturno para poderem trabalhar. Ele foi aprovado pela Câmara, o prefeito Marcelo Crivella vetou, e quando voltou o veto foi derrubado. Acontece que ele não é colocado em prática de forma objetiva, efetiva, e a gente precisa cobrar que ele seja implementado. Todas as pautas que abordam ampliação de vagas em creches, defesa do SUS e atendimento às mulheres em situação de violência serão de grande dificuldade de alinhamento, mas não vamos deixar de brigar por isso.

Carta Capital: Você privilegiará a articulação de alguma pauta específica?

MB: Uma pauta que eu quero muito apresentar é o PL da Visibilidade Lésbica. O projeto foi apresentado pela Marielle e derrotado por apenas dois votos. Em uma casa LGBTfóbica como é a Câmara Municipal do Rio, infelizmente, não foi surpresa, mas a gente precisa falar sobre isso, porque é sobre simbolizar a diversidade, respeitar todas as configurações de família. Receber a rejeição do projeto foi muito difícil para Marielle, justamente porque ele também falava da formação da nossa família, sobre a gente estar em uma sociedade que se importa tanto com a manutenção de uma heteronorma e tão pouco com a vida das pessoas. Ter o compromisso de levar as pautas LGBTs para dentro daquela Casa é fundamental. Marielle foi assassinada, o outro representante que tínhamos era o David Miranda, que se tornou deputado federal justamente porque um outro representante LGBT, o Jean Wyllys, teve que se exilar pra garantir a sua segurança. O cenário para os LGBTs no Rio é muito grave e essa pauta pra mim é muito cara, obviamente por ser uma mulher lésbica, mas também porque acredito em uma cidade mais diversa.

Carta Capital: Após o assassinato de Marielle, vimos a deputada federal Talíria Petrone, que trabalhava em seu gabinete, virar alvo de ameaças de morte. Você tem medo de ocupar esse lugar de liderança política?

MB: Primeiro, acho muito triste uma parlamentar eleita estar falando sobre preocupação com a questão da sua segurança. Isso deveria ser olhado com inquietação em um País democrático. Talíria era vereadora em Niterói, está hoje como deputada federal e precisou deixar o Rio de Janeiro com a sua família por essa questão. Isso é muito grave. Eu tenho uma medida cautelar da Comissão Interamericana que eu ganhei ainda em 2018. Agora, para ser muito honesta, acho difícil que alguém consiga fazer uma violência maior do que a que eu sofri na noite de 14 de março de 2018.

Eu não tenho medo de um atentado à vida, o que eu tenho medo é de a gente continuar morando numa cidade que permite que vereadoras sejam executadas em um crime político e o Estado não responda sobre isso. Disso eu tenho medo. Porque o que a gente está dizendo ao não responder até hoje o assassinato da Marielle é que, no Rio de Janeiro, existe um grupo político capaz de assassinar como forma de fazer política. É inadmissível. O atentado contra Marielle foi uma grave violação de direitos humanos, um grave atentado à nossa democracia e o Brasil tem que ter o compromisso de responder quem foi que mandou matá-la. Eu tenho medo é da falta dessa resposta.

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