Política

Militantes negras do MTST unem-se para as eleições em São Paulo

Mães solteiras, defensoras do direito à moradia e negras: chapa coletiva é um contraponto ao projeto neoliberal em curso no País

Da base para o alto. Débora, Jussara e Tuca fogem do estilo tradicional de fazer política. “A ideia é construir tudo com a periferia”, afirma Débora. Foto: Ravi Santana
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Jussara Basso demorou mais de duas horas para chegar em casa, no bairro do Campo Limpo, na terça-feira 10. A forte chuva na capital paulista atrasou, como sempre, o percurso do ônibus do Centro à periferia da Zona Sul. A persistência do céu nublado e a necessidade de calcular o tempo e o preço das duas conduções a preocupavam. Jussara tinha um evento importante marcado para o dia seguinte no Teatro Oficina. Ela iria fazer o que “nunca nem tinha pensado”: oficializar a sua cocandidatura à Câmara Municipal de São Paulo. A militante e outras duas companheiras do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto lançaram uma candidatura coletiva inédita ao cargo de vereadora – um assento no singular, mas com intenções plurais. Negras, mães solto e defensoras do direito à moradia, a chapa coletiva agarra-se à oportunidade de se contrapor ao projeto neoliberal em curso, tanto no estado quanto no País.

Representatividade é palavra ignorada na atual legislatura municipal. Entre os 55 vereadores há apenas 9 mulheres, nenhuma negra. Obter um mandato coletivo de três mulheres periféricas imprimiria o DNA de um dos movimentos sociais mais populares do País em um espaço no qual ele não é bem-visto. “O MTST tem um trabalho de base para fazer a disputa dos espaços de poder que têm pouca representatividade da pauta da maioria, mulheres e pobres”, afirma Natália Szermeta, coordenadora nacional do movimento e articuladora da campanha.

Ao lado de Jussara Basso figuram Valdirene Cardoso, a Tuca, e Débora Pereira. “A gente sabe como é o transporte público. A gente sabe como é a falta de saneamento, a falta de creche, como é ruim ir vender água no farol para garantir um pacote de arroz em casa”, lista Basso, a mais experiente na militância entre as três. A futura candidata conheceu a primeira ocupação de sua vida em 2012, quando foi convidada, por vizinhos, a ver o terreno de Novo Pinheirinho do Embu, na Grande São Paulo. Estava “cética” em relação ao que iria encontrar, relata, mas mudou de ideia ao conhecer o lugar. “A principal bandeira de uma ocupação é a solidariedade. O coletivo se movimenta o tempo todo de mãos dadas.”

No caso de Tuca, moradora de Itaquera antes de conhecer o acampamento Copa do Povo, erguido pelo MTST, em 2014, na Zona Leste da capital, bastaram três dias para alcançar a coordenação da ocupação. “Vi que o maior problema era orientar quem chegava. Temos muita demanda.” Débora Pereira se diz inspirada pelo papel central das mulheres no movimento.

Jussara Basso, Tuca Cardoso e Débora Pereira lançaram a candidatura para um mandato coletivo

A candidatura coletiva não é mais novidade desde o pleito de 2018, quando dois grupos foram eleitos no País. A Bancada Ativista, em São Paulo, e o coletivo Juntas, de Pernambuco, conseguiram uma cadeira nas respectivas Assembleias Legislativas para propor ideias a partir de um mandato colaborativo abraçados pelo PSOL, partido que também vai abarcar a candidatura das militantes sem-teto. A partir da experiência do Juntas, o MTST teve pela primeira vez, aliás, uma representante na política institucional – a codeputada Jô Cavalcanti é uma das integrantes do movimento por moradia do estado. A prévia experiência em São Paulo e Pernambuco acabou por influenciar o modo como as meninas do MTST vão conduzir a dura campanha no próximo ano e um sonhado mandato. “Se formos eleitas, queremos que ali estejam todas as mulheres. Eu sou da Zona Leste, a Débora é da Zona Norte e a Jussara, da Zona Sul”, pondera Tuca. “Nós decidimos pelo mandato coletivo porque une mais forças.”

Se o objetivo são as mulheres, o aumento de 167% nos casos de feminicídio na capital, segundo levantamento da Rede Nossa São Paulo, não fica de fora da lista de prioridades. “São três mulheres negras, vindas da periferia, que vão disputar a eleição. É pensar o dia a dia da base para cima e resgatar, das nossas raízes, como a política deveria ter sido feita”, analisa Basso.

A maternidade, para as três, reforça a necessidade de mais informações que ampliem a possibilidade de sobrevivência. Débora Pereira lembra-se de quando não tinha com quem deixar a filha de 3 anos para que pudesse trabalhar e estudar. Foram outros acampados que a incentivaram a entrar em contato com a Defensoria Pública, a fim de pressionar por uma creche na periferia. Na política tradicional, afirmam, as promessas só costumam ser feitas em uma determinada época do calendário. “Na campanha, tem muito assistencialismo na periferia, com cesta básica e outras coisas. Esse jeito de fazer política nos indigna. A nossa ideia é construir tudo com a periferia”, acentua Débora Pereira. “No período eleitoral, o candidato está lá na quebrada olhando no olho dos moradores e vendo que o muro da escola caiu por conta da enchente, mas, quando senta na cadeira, ele esquece”, reitera Basso.

O discurso da “nova política” elegeu queridinhos do mercado, apadrinhados de milionários, loucos e milicianos. Um deles ocupa hoje o Palácio do Planalto. Ao mesmo tempo, os movimentos sociais foram marginalizados, associados à criminalidade, ilegalidade e “vagabundagem”. As representantes do MTST querem, se eleitas, recolocar a organização popular em seu devido lugar. “Essa imagem de que os movimentos de luta fazem mal ao País é distorcida. Quanto mais fortalecidos eles estão, mais sólida é a democracia”, discursa Natália Szermeta. Ela e o movimento fizeram a conta: uma cadeira para três não é pequena para almejar um novo projeto de poder. “Votar por votar não resolve. Votar em quem tem um projeto faz diferença.” E como faz.

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