Política

Menores infratores não precisam de penas mais duras

A proposta do PT fortalece o mito da punição como solução da violência, algo sem base empírica alguma

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Mesmo com as estatísticas demonstrando que crianças e adolescentes participam de menos de 1% dos crimes praticados no País e do fato de que comparações estatísticas entre países mostram que sanção mais grave não significa índices menores de crimes cometidos por crianças e adolescentes, a ampla maioria da nossa população aprova a redução da maioridade penal.

Reduzir a maioridade penal, segundo meu ponto de vista, é inconstitucional. Hoje o objeto de meu comentário não é essa dimensão jurídica do problema

O Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) apresentou há algum tempo iniciativa legislativa de diminuição da maioridade penal. Agora, a novidade é que parlamentares do PT, inclusive o senador Eduardo Suplicy (SP), estudam projeto de lei que media com a proposta de Aloysio Nunes. O texto não diminui a maioridade penal, mas torna mais duras as sanções socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente para crianças e adolescentes infratores reincidentes. Em resumo, aumenta a pena por delitos cometidos em reincidência por crianças e adolescentes.

A postura implica sensível modificação na postura histórica do partido no tema.

Segundo apurado por CartaCapital, a justificativa é que a proposta se contrapõe com eficácia ao projeto de Aloysio, inclusive reduzindo a velocidade na sua tramitação. Em suma, se adota uma proposta média para evitar o mau maior.

A meu ver é total equívoco destes parlamentares. Nem sempre propostas mediadoras são as mais razoáveis, pois com o mal radical não se media. Imagine-se o que teria sido, no plano ético, mediar com a solução final aplicada pelos nazistas aos judeus: apoiar um genocídio “mais humano”, com mortes mais indolores? Em vez de combater o preconceito genocida, propor a escravização dos judeus?

O problema maior da redução da maioridade penal é o fato de fazer parte de uma visão de sistema criminal do Estado chamado de punitivista. Essa visão acredita que o aumento de dureza nas sanções penais reduz a criminalidade por si só, o que não encontra qualquer estribo racional em seus pressupostos. Tal visão se arriba em mitos que fazem parte do senso comum, mas sem acolhimento em qualquer verificação empírica.

Um deles é o da chamada “impunidade” nacional. Ao contrário do que se fala, no Brasil se pune muito e se pune mal. Estamos indo do quarto para terceiro lugar no mundo em número de aprisionados, o que indica que aqui se pune sim e muito. Parcela significativa desta população carcerária foi presa preventivamente, sem ter tido direito a defesa a ao processo prévio. A grande maioria desta população aprisionada é composta por pessoas que cometeram crimes de pouca gravidade. O tamanho desta população de infratores de menor gravidade torna inviável orçamentariamente a oferta de salubridade mínima em nossas prisões e do controle estatal sobre esta mesma comunidade

O controle que o Estado mantém sobre a população carcerária é mera aparência. Termina nos muros das prisões. Dali para dentro quem manda é o preso mais forte, que se impõe aos demais.

Como é sabido, esta ausência de controle, aliás impossível de haver com tamanha população em pouco espaço físico, fez surgir o crime organizado. Poucos se lembram quando esses temas são debatidos, mas o crime organizado surgiu, se estrutura e arregimenta mais integrantes no interior de nossas prisões. Cadeia no Brasil não diminui a criminalidade, mas sim a aumenta e a torna mais violenta.

Tal fator demonstra a maior irracionalidade populista da visão punitivista. Criminalizar cada vez mais condutas e ampliar as possibilidades de encarceramento no papel é fácil e seduz nossa população conservadora, desinformada e com justificado medo da violência. Ganha-se votos com isso, mas na prática só se agrava o problema, pondo cada vez mais longe qualquer solução.

Diminuir a maioridade penal é uma proposta que aparenta ser razoável quando vista abstratamente. Se desacompanhada de uma reforma profunda em nosso sistema penal, que retire de nossas prisões criminosos de menor gravidade, descriminalize condutas que não impliquem danos relevantes a terceiros (como o consumo e comércio de pequenas quantidades de droga), só destinando os presídios para a pequena parcela da população carcerária que cometeu crimes graves como os contra a vida, no mundo real de nossa a proposta representa apenas o agravamento da criminalidade e da violência, por mais fatores amenizadores que contenha.

E a proposta dos parlamentares petistas pouco se diferencia em espírito da proposta que busca mediar. Estabelece penas mais duras para crianças e adolescentes sem que isso seja acompanhado da profunda reforma que o sistema de execução de medidas socioeducativas de aprisionamento merece e exige

A proposta fortalece o mito da punição como solução da violência, sem levar em conta aspectos sociais, pedagógicos, jurídicos e afetivos essenciais no debate de qualquer proposta séria de solução do problema

Trata-se, aparentemente e salvo melhor juízo futuro, de tentativa de ganho de simpatia pública em época eleitoral, e não de conformação de séria, debatida e amadurecida proposta.

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