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Meio cheio, meio vazio

Ao término do primeiro ano, a avaliação do governo Lula segue estável e a polarização das eleições de 2022 permanece inalterada

“A classe média foi esquecida”, queixa--se a lulista Neuza Gago. Já o barbeiro Márcio Oliveira, que anulou seu voto, avalia que a economia está bem melhor – Imagem: Acervo pessoal e Tânia Rêgo/ABR
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Moradora do bairro carioca de Botafogo, Neuza Gago votou em Lula em 1989 e, desde então, tem repetido o voto no PT em todas as eleições para a Presidência da República. Simpática ao atual governo, ela faz, porém, uma queixa: “Lula acerta na política para os mais pobres, mas está esquecendo da classe média”. Com dívidas a pagar, assim como 66,8 milhões de brasileiros, segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, a aposentada de 76 anos está situada nas entrelinhas da pesquisa do Datafolha divulgada este mês, segundo a qual a situação econômica do País melhorou para 35% da população, piorou para 33% e ficou como estava para 29%, na comparação com o governo Bolsonaro. Ela tem a percepção de que o Brasil melhorou, mas ainda não sentiu isso concretamente no próprio bolso: “Eu, por exemplo, não consegui renegociar meus débitos pelo Desenrola, que está desenrolando muito mais aqueles que devem pouco, de 300 a 500 reais. O presidente não pode esquecer que a classe média também vota”.

Além do Datafolha, institutos como Quaest e Ipec também divulgaram pesquisas de opinião neste fim de ano. Subjetividades à parte, as sondagens revelam os principais sentimentos dos brasileiros em relação ao governo e ao País. Ainda no quesito economia, alguns efeitos positivos das políticas implementadas pelo governo se fazem sentir para uma parcela da população. É o caso de Márcio Marques de Oliveira, de 29 anos, morador da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, e dono de uma barbearia ao lado de um dos acessos à comunidade. “Posso dizer que as perspectivas melhoraram para mim porque consigo ver a evolução da minha barbearia, ganho novos clientes a cada dia”, comemora. Com fama crescente no bairro, onde usa com habilidade máquina e tesoura para fazer os cortes “na régua”, em voga na juventude carioca, o jovem empreendedor é um dos 45% de otimistas que, segundo o Ipec, avaliam que a realidade econômica estará mais favorável daqui a seis meses. “Acho que a situação do País vai melhorar, sim. Quero ter qualidade de vida e estabilidade financeira para cuidar dos meus filhos”, acrescenta Oliveira, que também é dançarino e MC. Nas últimas eleições, ele anulou seu voto.

Os mais ricos, os evangélicos e os sulistas ainda estão “fechados com Bolsonaro”

O desemprego e a precarização do trabalho são outros problemas a afligir os brasileiros. Houve uma expressiva melhora no índice de desocupação, que recuou para 7,6% no trimestre encerrado em outubro, mas a população segue pessimista. De acordo com o Datafolha, 39% acreditam que o desemprego vai aumentar, enquanto 31% têm esperança de que deverá diminuir e 27% não acreditam que haverá alteração. A dona de casa Rosa Pacheco está desocupada e o Bolsa Família a ajuda a segurar as pontas com os três filhos: “O auxílio aumentou, mas a diferença foi pouca, porque o preço de tudo continua alto”, lamenta. Segundo o levantamento, 34% avaliam que o poder de compra vai aumentar, já 30% pensam o contrário e 33% não vislumbram diferença alguma num curto período.

Apesar de ter emprego estável, benefícios e direitos trabalhistas, a bancária Débora Ferreira está preocupada com o preço dos alimentos, outro aspecto econômico que costuma incomodar a maior parte da população. “Claro que o governo anterior me deixava muito mais insegura economicamente, pois cada dia era um escândalo. No entanto, passou um ano do governo Lula e não vejo muita diferença nos preços dos alimentos básicos. Uma simples ida à padaria fica em torno de 40, 50 reais. Até deixei de comprar em uma padaria próxima de casa e voltei a pesquisar o valor do pão”, relata.

A crise de segurança nos estados resvala na imagem no governo Lula – Imagem: Renato Luiz Ferreira

Ana Sarabia, 25 anos, concluiu a graduação em Sociologia na USP há pouco mais de um ano e não vê possibilidades de conseguir emprego na sua área. Atualmente, trabalha como auxiliar em uma loja no Centro de São Paulo e atribui o quadro de ansiedade e depressão que vem tratando ao cenário econômico hostil: “Estou há três meses no meu atual emprego, depois de ter passado dez meses desempregada. A busca por trabalho foi muito angustiante. Percebo uma desvalorização do diploma universitário, um rebaixamento dos salários e das condições trabalhistas. Ao mesmo tempo, as exigências estão cada vez maiores na descrição das vagas”. Ela também se diz otimista em relação ao futuro: “Este é o meu primeiro emprego CLT e, ainda que seja uma vaga de nível médio, sinto que minha estabilidade financeira melhorou e minha confiança para fazer planos para o futuro, também. Tenho alguns direitos trabalhistas garantidos, apesar da precarização das relações de trabalho desde o governo Temer. Eu havia trabalhado quatro anos como PJ e minha saúde mental foi bastante afetada pela falta de vínculo formal, além da vulnerabilidade a situações de assédio e violações claras de direitos trabalhistas”.

Outro pesadelo nacional, a segurança pública também pesa na hora de avaliar o País ou o governo. Segundo uma pesquisa Quaest, para 79% das pessoas a violência aumentou, enquanto outras 15% acreditam que a situação está igual e apenas 4% viram alguma melhora. A bancária Débora Ferreira, de 45 anos, afirma sentir-se cada vez mais insegura em ambientes públicos, especialmente na região central da capital paulista. “Recentemente, tive o portão da minha casa arrombado e roubaram minha bicicleta. Trabalho há 18 anos no banco, sempre vou de ônibus ou metrô e, hoje em dia, sinto medo de usar o celular no transporte público. Já fui assaltada nesse trajeto.” Para Ferreira, a vida das mulheres nas grandes cidades também ficou mais insegura: “Agora existem mais canais de denúncia, mas como mulher me sinto mais exposta, isso é uma certeza”.

A economia e a violência são as maiores preocupações dos brasileiros

Como termômetro dos humores da população em relação ao cenário de insegurança, o cientista político Antonio Lavareda cita um episódio ocorrido em novembro no Rio de Janeiro, quando jovens de classe média decidiram sair às ruas de Copacabana em busca de possíveis “ladrões de celulares” para fazer justiça com as próprias mãos. “Talvez isso seja um sinal de que a fórmula da segurança pública no Brasil está esgotada. É preciso rever esse modelo”, afirma. Para o psicanalista Christian Dunker, a crise no setor é resultado de más respostas do Estado à violência urbana ao longo dos anos e da falta de perspectivas de uma ampla parcela da população. “É inadmissível que a instrução da Polícia Militar ainda seja a mesma da década de 1970”, critica.

Professor da UFRJ, o cientista político Luiz Eduardo Motta avalia que o ­atual cenário econômico, com inflação alta e perda do poder de compra, acaba dando um corte ideológico na avaliação da economia no governo: “Nos primeiros governos, o índice de popularidade de Lula era superior a 80%, porque o brasileiro vivia muito bem. A classe média estava quieta porque estava viajando para a Disney, para Miami. A partir de 2013, com a crise, ela começa cada vez mais a se deslocar para o campo conservador”. Motta destaca ainda que o campo progressista tem se pautado “muito nas questões de costumes”, quando o foco deveria ser equilibrar a economia e gerar qualidade de vida: “Se a esquerda não resgatar o seu histórico de conquistas econômicas e sociais para a classe trabalhadora e materializá-la de novo, creio que não vamos sair dessa polarização tão facilmente”.

Lavareda e Dunker não acreditam que a polarização política que marcou a disputa presidencial de 2022 irá refluir tão cedo – Imagem: Chico Barros e Dani Souza

Professor da USP, Dunker ressalta que a polarização persiste, mas com sutis diferenças. “Ela se transformou e, agora, a gente assiste a divisões internas, às vezes até mesmo embrutecidas, tanto dentro do campo da esquerda quanto da direita”, observa. A pesquisa Datafolha revelou que, mesmo após um ano da eleição presidencial, o clima de polarização política segue igual. Ao menos 30% dos entrevistados dizem considerar-se petistas, enquanto os bolsonaristas somam 25%. No mesmo período em 2022, o primeiro grupo era representado por 32%, enquanto o segundo tinha os mesmos 25%. “Um bom Natal seria em um ambiente que comporta a conversa sobre política sem agressões, sem distensões capazes de interromper a conversa”, recomenda o psicanalista.

Não é só a polarização que influencia os sentimentos dos brasileiros em relação ao governo. Os recortes por região, escolaridade, faixa de renda e religião, por exemplo, permanecem bem próximos aos observados nas últimas eleições. Segundo o Datafolha, Lula segue sendo mais bem avaliado no Nordeste, com 48% das opções “ótimo” ou “bom”, diante de 15% de menções positivas registradas na Região Sul. Entre entrevistados menos escolarizados, o presidente tem 50% de boas avaliações. Por outro lado, as taxas de reprovação são maiores entre os mais instruídos (39%), os que ganham mais de dez salários mínimos (47%) e os evangélicos (38%, ante 28% entre os católicos).

O cenário é semelhante na pesquisa Quaest divulgada na quarta-feira 20. No Nordeste, Lula tem 70% de aprovação e 28% de reprovação, enquanto no Sul esses números são de 46% e 51%, respectivamente. Já entre os evangélicos, o presidente tem 41% de avaliações positivas e 56% de negativas. Para quem ganha até dois salários mínimos, a aprovação é de 64%, índice que cai a 41% entre os que ganham mais de cinco salários mínimos. Entre os que estudaram até o ensino fundamental, 65% avaliam positivamente o governo, mas entre aqueles que têm curso superior o índice cai para 43%. •

Publicado na edição n° 1291 de CartaCapital, em 27 de dezembro de 2023.

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