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Metas modestas e avareza das nações ricas marcam a primeira semana da Conferência do Clima

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Reação. Os ruidosos protestos em Belém refletem a frustração de ambientalistas e movimentos sociais com a letargia dos governos em propor soluções efetivas – Imagem: Luca Meola/CartaCapital
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A primeira imagem da COP30 a viralizar nas redes sociais e correr o mundo, a invasão de manifestantes indígenas à chamada Blue Zone, espaço oficial de negociações da Conferência do Clima, refletiu um sentimento predominante entre os 55 mil participantes nos primeiros dias de eventos paralelos em Belém: há um enorme fosso a separar os interesses e pontos de vista dos diversos grupos que buscam salvar o planeta do colapso. Em seu discurso na Cúpula de Líderes, o presidente Lula apresentou um diagnóstico preciso dessa realidade ao afirmar que os governos só conseguirão vencer o desafio se superarem a “desconexão entre os salões diplomáticos e o mundo real” e também o descasamento entre o contexto geopolítico e a urgência da agenda ambiental. “Se os homens que fazem guerra estivessem aqui nessa COP, eles iriam perceber que é muito mais barato colocar 1,3 trilhão de dólares para acabar com o problema climático do que gastar 2 trilhões com armas.”

Relatos angustiados e propostas que demandam urgência de ação revelam nas diversas atividades organizadas pela sociedade civil que os eventos extremos já são uma realidade em todo o planeta. Enquanto isso, na bolha (mal) refrigerada do Hangar, espaço onde acontece a COP30 propriamente dita, os 80 grupos temáticos, com participação de representantes dos governos e de ONGs, tiveram início com a falta de entusiasmo de quem repete um exercício feito pela trigésima vez sem que resultados satisfatórios tenham sido alcançados. Além disso, há a percepção generalizada de que não haverá grandes avanços no que diz respeito às questões-chave da Conferência: financiamento à adaptação, redução no uso de combustíveis fósseis e fim do desmatamento.

“Enquanto os desastres climáticos dizimam a vida de milhões, nós já temos as soluções. Isso jamais será perdoado”, afirma Simon Stiell, secretário-executivo da ONU para Mudanças Climáticas. Nascido em Granada, pequeno país formado por três ilhas na América Central e extremamente vulnerável ao aumento do nível dos oceanos, Stiell tem sido o mais veemente entre os integrantes da cúpula da COP30. “Precisamos acelerar a implementação dos acordos. Os aspectos econômicos da transição são tão indiscutíveis quanto os custos da inação”, afirmou a CartaCapital.

O secretário avalia que o esforço empreendido pelos países até aqui é insuficiente: “Os compromissos nacionais individuais, por si só, não estão reduzindo as emissões com rapidez suficiente. Não devemos esperar que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) tardias sejam implementadas aos poucos para então identificar a lacuna existente e conceber as inovações necessárias para superá-la. É preciso agir já”.

Um dos desafios é viabilizar a proposta de investir 1,3 trilhão de dólares por ano em adaptação climática

Presidente da COP30, o brasileiro André Corrêa do Lago enviou aos 194 países presentes em Belém uma atualização das NDCs totais, elaborada a partir das 22 propostas submetidas após o fim do prazo para a publicação do relatório-síntese da Conferência. A contribuição mais aguardada veio da União Europeia, que assumiu o compromisso de reduzir suas emissões entre 66,2% e 72,5% até 2035. O documento, que passou a reunir 86 NDCs, indica que as emissões projetadas para 2035 devem diminuir 12%. “É uma redução significativa. Cada fração de grau de aquecimento evitada salvará milhões de vidas e bilhões de dólares em danos climáticos. E esses cortes se tornarão cada vez mais profundos à medida que avançarmos mais rápido”, observa.

Para Pedro Ivo Batista, presidente da Associação Alternativa Terrazul e dirigente do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), a dificuldade de muitos países em adotar NDCs mais ousadas “está relacionada à mentalidade de que o planeta é infinito” e também “ao financismo reinante no mundo, que prefere gastar dinheiro com armas de guerra a investir na proteção do planeta”.

Viabilizar os recursos necessários para atingir o montante de 1,3 trilhão de dólares, estipulado pela ONU como indispensável para uma adaptação global efetiva às mudanças climáticas, continua sendo a meta principal. Apresentado por Corrêa do Lago e pelo ministro do Meio Ambiente do Azerbaijão, Mukhtar Babayev, que presidiu a COP29 realizada em Baku, o documento B2B indica diversos caminhos para alcançar esse valor até 2035. As fontes, no entanto, são consideradas incertas, incluindo a taxação de grandes fortunas, o perdão das dívidas externas de países pobres, além do aumento de impostos sobre os setores de transporte aéreo e naval e sobre produtos de luxo. O esforço também envolve a participação de instituições financeiras como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial. “Nosso papel é ajudar os países a investir em resiliência antes que a crise aconteça, não depois. Isso significa ampliar o financiamento e alinhar sistemas”, afirma Ilan Goldfajn, presidente do BID.

Recado. “É mais barato salvar o planeta do que financiar guerras”, afirmou Lula, ao criticar a inação das potências globais – Imagem: Mauro Pimentel/AFP e Luca Meola/CartaCapital

A relutância dos países ricos em assumir NDCs mais ousadas ou em viabilizar o financiamento à adaptação contrasta com a busca por soluções vindas de outras partes. Esse descompasso trouxe de volta à mesa, nesta COP30, uma discussão que havia sido parcialmente deixada de lado nas últimas conferências: o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. “Os efeitos da mudança do clima são resultado das emissões históricas dos países que se industrializaram desde o fim do século XVIII. A maioria dos países em desenvolvimento só se industrializou na segunda metade do século XX. Estão cumprindo seus compromissos ambientais e cobram que os países desenvolvidos também cumpram suas obrigações, sobretudo no que tange ao financiamento”, afirma Corrêa do Lago.

Pedro Ivo lembra que o princípio das responsabilidades, estabelecido na ­Eco–92, atribui maior responsabilidade ambiental às nações com industrialização consolidada, sem isentar os demais. “Os países desenvolvidos mantêm um processo insustentável de desenvolvimento, consumindo muita energia e destruindo florestas, embora os em desenvolvimento também tenham responsabilidades”, decreta. Para ele, é preciso mobilizar o Sul Global, e os BRICS têm muito a contribuir nesse processo.

Em relação ao desmatamento, a principal aposta do governo brasileiro até agora é o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), que tinha a meta inicial de arrecadar 25 bilhões de dólares até o fim de 2026. Após alguns reveses, como a desistência de última hora do Reino Unido, o TFFF contava, até o fechamento desta edição, com aportes de 1 bilhão de dólares do Brasil e da Indonésia, além das promessas da Holanda (580 milhões), França (577 milhões) e Noruega. Esta última, já principal doadora do Fundo Amazônia, fez a oferta mais generosa: 3 bilhões de dólares em três anos. Portugal foi bem mais modesto (1,15 milhão). O início tímido levou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a rever suas expectativas: “Esperamos integralizar 10 bilhões de dólares no próximo ano”. •


* O repórter viajou a convite da Associação Alternativa Terrazul e do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS).


CONSCIÊNCIA PLANETÁRIA

Mirian Vilela celebra os 25 anos da Carta da Terra, bússola ética para um futuro mais justo e sustentável

Princípio. “As ações devem priorizar os mais vulneráveis” – Imagem: UPEACE/Onu

Proposta na Eco–92 e aprovada em 2000, a Carta da Terra reúne 16 princípios que orientam governos, empresas e organizações da sociedade civil na construção de um mundo socialmente justo e ambientalmente equilibrado para as próximas gerações. Presente na COP30, Mirian Vilela, diretora-executiva da Carta da Terra Internacional e coordenadora da Cátedra Unesco de Educação para o Desenvolvimento Sustentável, compartilhou suas­ expectativas em relação ao evento da ONU. “O mais importante é garantir que a transição energética e tecnológica, bem como o financiamento climático, seja conduzida de forma justa, olhando para os mais afetados e necessitados”, observa. A entrevista completa está disponível no site de CartaCapital.

CartaCapital: A Carta da Terra tem alcançado seus objetivos?
Mirian Vilela: Um número crescente de indivíduos e instituições vem abraçando a visão de interdependência, cuidado e responsabilidade expressa na Carta da Terra, reconhecendo que os desafios ambientais, sociais, econômicos e políticos precisam ser tratados de forma integrada. A Unesco aprovou duas resoluções que reafirmam seu valor como referência ética para a sustentabilidade e incentivam seu uso em processos educativos. Hoje, muitos docentes e escolas utilizam esse documento para promover o diálogo, esclarecer valores e princípios e fortalecer a consciência planetária.

CC: Qual é a principal mensagem do documento?
MV: A Carta da Terra propõe uma ética global baseada no cuidado e na responsabilidade pelo bem comum – não apenas entre os seres humanos, mas em relação a toda a comunidade da vida. Ela também inspira um movimento mundial que reúne instituições e cidadãos de diferentes regiões do mundo para usar o documento como referência e bússola ética. Não se limita a nenhuma religião ou partido político.

CC: As COPs têm seguido os princípios da Carta da Terra?
MV: Houve avanços nas políticas e agendas, mas a implementação ainda deixa a desejar. Muitos progressos ocorrem fora do âmbito governamental, e isso precisa ser reconhecido. Esperamos que esta COP demonstre mais compromisso e colaboração não apenas entre governos, mas entre todos os grupos da sociedade. O essencial é garantir que a transição energética e tecnológica, assim como o financiamento climático, seja conduzida de forma justa, priorizando os mais afetados e necessitados.

CC: Como a Carta da Terra contribui para o Balanço Ético Global, proposto pelo presidente Lula e pelo secretário-geral da ONU, ­António Guterres?
MV: Orientamos a ação climática em todos os pilares do Acordo de Paris – mitigação, adaptação, finanças, tecnologia e capacitação – para garantir resultados justos e equitativos. Além disso, mobilizamos ­nossa rede global para ­diálogos autogestionados que enriquecem o Balanço Ético Global.

Publicado na edição n° 1388 de CartaCapital, em 19 de novembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Mão no bolso’

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