Política

As manobras para aprovar a nova Constituição

Os constituintes sofreram pressão de todos os lados; presidente à época, Sarney dizia temer pela governabilidade

O presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães
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Iolando Lourenço e Ivan Richard

Brasília – A elaboração da nova Constituição partiu praticamente do zero, apesar de o governo ter encaminhado uma sugestão de texto consolidado por uma comissão de notáveis, presidida pelo jurista Afonso Arinos. Instalada em 2 de fevereiro de 1987, o primeiro passo dos constituintes foi a criação de oito comissões temáticas e 24 subcomissões que receberam 37.961 emendas. Na Comissão de Sistematização, presidida pelo senador Afonso Arinos e relatada pelo deputado Bernardo Cabral, os textos das comissões serviram de base para a apresentação do primeiro anteprojeto da Constituição.

Já no plenário, ainda em 1987, foram apresentadas mais 20.791 emendas. O Congresso se transformou em um campo de batalha. Trabalhadores em busca de mais direitos, empresários preocupados com a possibilidade de as mudanças em discussão provocarem aumento de custos, governadores e prefeitos pressionando por mais benefícios, indigenistas, trabalhadores rurais, agricultores, todos empenhados na defesa de suas causas.

Os constituintes sofreram pressão de todos os lados. O governo federal também pressionou para que a Constituição, no modo de ver dele,  não atrapalhasse a governabilidade. O então presidente Sarney chegou a usar cadeia de rádio e televisão, pouco antes da conclusão da Carta, para criticar os rumos dos trabalhos parlamentares. Ulysses Guimarães, sentindo o impacto do discurso presidencial, rebateu as críticas de forma veemente. “Esta Constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo”.

Então coordenador do grupo de apoio aos trabalhos da Constituinte e hoje secretário-geral da Mesa da Câmara, Mozart Viana, relembrou à Agência Brasil que os constituintes decidiram fazer uma pausa “estratégica” nos trabalhos, na passagem de 1987 para 1988. Segundo ele, esse tempo ajudou a encontrar soluções para os diversos “nós” que impediam a conclusão da Constituinte.

Mozart recordou que, na reabertura dos trabalhos, em 1988 foi estabelecido novo prazo para apresentação de emendas. Uma das sugestões apresentadas significou uma reviravolta no texto. “A Constituição foi construída toda para o regime parlamentarista. Na pausa de 1987 para 1988, foi costurado um acordo, com a pressão do Executivo, e a Constituinte aprovou emenda para manter o regime presidencialista”, citou Mozart.

Em 1988, os constituintes também aprovaram “mecanismos” para facilitar a aprovação do texto. “Temas importantes, mas que dividiam a Constituinte, que não tinham a garantia de votos necessários para aprovação, como o direito de greve e as  questões indígenas, por exemplo, deixou-se para depois. Criou-se, então, a figura da regulamentação”, explicou Mozart.

A Constituição foi promulgada com 315 artigos, sendo 245 disposições permanentes e 70 transitórias. Ao todo 369 artigos e incisos promulgados passaram a depender de  outra lei para que passassem a vigorar. Desse total, após duas décadas e meia, 112 dispositivos ainda não foram regulamentados, sendo que para 36 pontos não foram sequer apresentadas propostas de lei. Mais  76 normas constitucionais ainda aguardam a aprovação de projetos.

“Foi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo [externo] ou de elaboração interna. O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à redação final”, recordou Ulysses Guimarães no discurso de promulgação do texto constitucional. “A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de 10 mil postulantes franquearam, livremente, as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões”, acrescentou.

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