Política

Manifestações contra o governo mostram que as ruas não são mais monopólio bolsonarista

Enquanto partidos políticos discutem formação de frente ampla pela democracia, movimentos organizados ganham protagonismo nas ruas

Manifestação pela democracia em São Paulo. Foto: AFP
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A crise institucional protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro e suas polêmicas declarações, num cenário de investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) e de uma crise sanitária aguda, ganhou novo e importante ingrediente: manifestações de rua contrárias ao governo.

“Movimentos sociais quebraram o monopólio bolsonarista das ruas”, definiu o sociólogo e cientista político Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em entrevista à RFI, ele disse que os protestos de domingo em cerca de 20 cidades brasileiras, com destaque para o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, foram um marco na sociedade civil porque partiram de entidades ligadas às camadas menos favorecidas.

“As ruas que antes só tinham defensores do governo, defensores do fechamento do Congresso e do STF, com suas palavras de ódio e raiva, agora têm também movimentos sociais. E eles vieram das favelas, dos trabalhadores, dos entregadores, dos estudantes pretos, daqueles que já se expõem ao coronavírus porque precisam trabalhar, não podem se dar ao luxo do isolamento. Eles que enfrentam todos os dias o racismo policial, as mortes sem motivo”, avaliou o especialista.

As pessoas que foram às ruas levantaram bandeiras contra o racismo, contra o fascismo, condenaram ações truculentas do estado, inclusive com fotos de vítimas de ações policiais, criticaram a censura e defenderam a democracia. Além de faixas e cartazes, houve gritos contra o presidente Jair Bolsonaro. Os manifestantes, em sua grande maioria, usavam máscaras, que também eram distribuídas por organizadores dos eventos. No entanto, houve aglomerações.

Dias antes, o presidente da República chegou a classificar o movimento contra seu governo de terrorista e pediu reforço policial aos governos locais. Os protestos ocorreram de forma pacífica, com problemas localizados, como em São Paulo, onde a polícia dispersou um grupo com bombas de gás.

A cientista política Erli Helena Gonçalves, doutora em Ciência da Saúde pela Universidade de Brasília, disse que o movimento do fim de semana mostra que uma parte a população, que estava até calada, mostrou sua voz. “Essas marchas retratam o posicionamento de uma parcela da população e trazem um recado, que o Brasil não está adormecido. E exigem do governo ações, mudança de comportamento”, afirmou a especialista.

Frente Ampla Democrática

Enquanto movimentos ganhavam as ruas, lideranças políticas de várias matizes discutem a formação de uma aliança ampla para fazer frente a um discurso antidemocrático crescente por parte do governo Bolsonaro, que por diversas vezes invocou as Forças Armadas para mostrar forças diante de críticas.

A formação do grupo tem esbarrado na dificuldade de conciliar vários projetos políticos e apagar cicatrizes passadas, como o impeachment da presidente Dilma Rousseff. No PT, por exemplo, há divergências internas sobre o assunto e muitos têm resistido a engrossar o discurso de um grupo antifascista multipartidário, a exemplo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Figuras como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, os ex-ministros Ciro Gomes e Marina Silva têm debatido a criação do grupo que se colocaria como anteparo político a iniciativas do governo consideradas de risco às instituições democráticas.

“Há um grave risco contra a democracia diante dos nossos olhos. Não podemos cometer o erro de passado de não enxergar isso. Não podemos secundarizar a defensa da democracia”, disse Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão e defensor da frente ampla.

Paulo Baía, da UFRJ, diz que o desafio não é fácil, mas acredita que a frente sairá pelas graves circunstâncias que o país vive. Ele também ressaltou a importância dos movimentos sociais terem assumido o protagonismo nesse momento. “Enquanto os partidos políticos continuam calados, jovens, estudantes negros, pobres, movimentos sociais, moradores de favelas tomaram as ruas”, afirmou.

Transparência em xeque

Em meio à instabilidade política que cresceu com a falta de habilidade do presidente Jair Bolsonaro em lidar com a crise sanitária, um fator elevou a preocupação de várias autoridades: a resistência do governo em divulgar o número de vítimas do coronavírus no país.

Na semana passada, o Ministério da Saúde passou a atualizar os números somente às 10 horas da noite para evitar, conforme palavras do próprio presidente, que a imprensa pudesse dar visibilidade nos telejornais à noite. “Acabou matéria do Jornal Nacional”, disse o presidente na sexta-feira, se referindo ao programa da TV Globo. Além disso, a tabela do governo com os números passou a ser divulgada sem o total de vítimas, apenas com os casos das últimas 24 horas, e membros do governo passaram a defender uma auditoria nos números que o próprio Executivo divulgou até aqui.

A polêmica gerou inúmeras críticas tanto de especialistas na área da saúde quanto de agentes políticos. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes chegou a escrever no Twitter: “A manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários. Tenta-se ocultar os números da #COVID19 para reduzir o controle social das políticas de saúde. O truque não vai isentar a responsabilidade pelo eventual genocídio.”

“É preciso humildade porque muito pouco se sabe sobre o vírus. E é preciso transparência, isso é indiscutível. É fundamental que esses dados sejam divulgados de forma muito, mas muito clara, que os dados sejam discutidos e alinhados a políticas públicas”, disse Erli Helena Gonçalves.

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