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Lyra vs. Campos

A antecipação da disputa pelo governo em 2026 paralisa o estado

Lyra vs. Campos
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Raquel Lyra e João Campos lado a lado: eles devem ser adversários nas urnas em 2026 – Foto: Ricardo Stuckert/PR
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Falta mais de um ano para as eleições, mas o clima de guerra política já está instalado em Pernambuco. De um lado, a governadora Raquel Lyra, recém-filiada ao PSD, corre contra o tempo para assegurar o maior volume possível de recursos e, assim, realizar obras no estado que pavimentem seu caminho rumo à reeleição. Do outro, um grupo de deputados estaduais de oposição – a maioria ligada ao prefeito do Recife, João Campos, pré-candidato ao governo pelo PSB – trabalha diuturnamente para barrar, na Assembleia Legislativa, projetos de interesse do Executivo estadual, favorecendo indiretamente a pretensão eleitoral do alcaide socialista.

O pano de fundo desse imbróglio gira em torno de um empréstimo de 1,5 bilhão de reais, solicitado em regime de urgência pela governadora, e que depende de autorização do Legislativo – além de quase 400 milhões de reais em emendas parlamentares represadas pelo Executivo: 82 milhões pendentes de 2024 e 302 milhões referentes a este ano.

“Desde o início de sua gestão, a governadora peca no diálogo com o Parlamento, mas a situação se complicou por questões de ordem prática, como o pagamento das emendas, que não estão acontecendo”, destaca o deputado Diogo Moraes (PSB), líder da oposição na Assembleia. O Executivo aponta a existência de irregularidades na documentação de algumas emendas – informação negada por Moraes. “O problema está no governo, que não faz nenhum tipo de gerenciamento para pagá-las. E, claro, à medida que o tempo passa, a relação vai ficando mais tensionada.”

Sobre o empréstimo de 1,5 bilhão de reais, o parlamentar acusa o governo pernambucano de falta de transparência. “Lyra já tomou 9,2 bilhões de reais e nem sequer enviou para a Assembleia o que está sendo feito, informações obrigatórias que ela deveria repassar. Não é só chegar, pedir empréstimos e endividar o estado. Precisamos saber como será investido esse dinheiro”, afirma Moraes, que nega qualquer favorecimento político a João Campos na análise do crédito a ser contratado.

Relator do projeto para a liberação do empréstimo na Comissão de Constituição, Legislação e Justiça (CCLJ), o deputado Waldemar Borges (PSB) reforça os argumentos de Moraes. “Há informações de que o empréstimo anterior começou a ser utilizado para outras finalidades que não constam nos anexos aprovados. Parte dos recursos foi destinada à reforma de gabinetes e a ações da Casa Civil, o que não é permitido. Queremos a prestação de contas do que já foi feito, mas o governo tem dificuldade em fornecer essas informações. Sem elas, o processo não avança.”

Na manhã da terça-feira 28, enquanto Lyra se reunia com a base governista no Palácio do Campo das Princesas para traçar uma estratégia, do outro lado da ponte que liga a sede do governo à Assembleia, parte da bancada de oposição convocou uma coletiva de imprensa para apontar possíveis irregularidades no pedido de empréstimo. Os parlamentares acusam o governo de já ter autorização para contrair mais de 1 bilhão de ­reais em verba suplementar e insinuaram que uma nova cessão de recursos teria como objetivo fazer caixa com vistas à disputa eleitoral do próximo ano.

Aliados do prefeito do Recife obstruem todos os projetos da governadora, entre eles um empréstimo bilionário para obras

Presidente do PSB em Pernambuco, o deputado Sileno Guedes foi um dos parlamentares a questionarem a pressa do governo em aprovar a operação. “É estranho pedir mais crédito quando o que já está autorizado atende à demanda de 2025. Qual é a justificativa, se há recursos suficientes para atender ao espaço fiscal que existe hoje?”, indaga. “Como Lyra já antecipou a disputa de 2026 e está, o tempo todo, abordando prefeitos e lideranças políticas, o empréstimo é mais um sintoma das pretensões eleitorais dela.”

Segundo o parlamentar, muitos prefeitos relataram que estão sendo assediados a mudar de partido e aderir à base de Lyra. Procurado pela reportagem, o Executivo não se pronunciou. Em nota, a deputada Socorro Pimentel, filiada ao União Brasil e líder do governo na Assembleia, anunciou a criação de um grupo de trabalho, formado por líderes dos partidos governistas, com o objetivo de destravar os projetos pendentes na Mesa Diretora da Assembleia. “A orientação da governadora é clara: fazer o necessário para garantir o bom andamento dos trabalhos legislativos e assegurar que projetos importantes para o povo pernambucano avancem.”

Integrante da base governista – mesmo após Lyra trocar de partido, do PSDB para o PSD –, a tucana Débora Almeida acusa a oposição de obstruir os trabalhos para favorecer a candidatura do prefeito do Recife. “Há uma clara antecipação do pleito de 2026. A gente percebe um movimento muito definido de resistência a qualquer iniciativa do governo estadual, capitanea­do pelo presidente da Casa, um aliado de João Campos”, afirma a parlamentar, que defende a liberação do empréstimo bilionário para viabilizar “importantes obras de infraestrutura” em Pernambuco.

Outra demanda do Executivo paralisada na Assembleia é a sabatina do administrador-geral de Fernando de Noronha. O processo tramita há dois meses na Comissão de Constituição, Legislação e Justiça (CCLJ), o que obrigou Raquel Lyra a nomear seu indicado, o advogado Virgílio Oliveira, como administrador-adjunto. Segundo o presidente da Comissão, o deputado bolsonarista Alberto Feitosa, depois de substituir uma primeira indicação e fechar acordos políticos, a governadora publicou no Diário Oficial do Estado a relação de toda a equipe que iria assumir a administração do arquipélago juntamente com Oliveira, mesmo sem a sabatina ter ocorrido, o que gerou mais conflito com o Legislativo. “Toda vez que digo que penso em colocar na pauta, vêm os deputados e dizem ‘não!’”, admite o parlamentar, acrescentando que a sabatina não tem previsão para acontecer.

Toda essa reação ao governo na Assembleia ocorre com a bênção do presidente da Casa, deputado Álvaro Porto, escolhido pela direção nacional do ­PSDB para ser o interventor do partido no estado, após Lyra abandonar o ninho tucano em março deste ano. O ex-aliado declarou abertamente apoio à candidatura do prefeito do Recife ao governo. “Tem gente que nasce para a política e que veio para ficar na política. É o caso de João Campos”, discursou Porto durante o congresso do PSB em Pernambuco. Em diferentes pesquisas eleitorais publicadas nos últimos meses, Campos aparece com 55% a 67% das intenções de voto, enquanto Lyra varia entre 22% e 26%. •

Publicado na edição n° 1364 de CartaCapital, em 04 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Lyra vs. Campos’

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