Política

Lula é denunciado por corrupção passiva na Zelotes; leia a íntegra

MPF-DF acusa ex-presidente e Gilberto Carvalho de arrecadarem 6 milhões de reais em troca de MP que beneficiaria empresas de automóveis

Lula em Inhuma, no Piauí: ele encara nova denúncia
Apoie Siga-nos no

Às vésperas de seu segundo depoimento ao juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi denunciado por corrupção passiva na Operação Zelotes. Desta vez, a acusação contra Lula é de receber propina em troca da edição de uma Medida Provisória (MP) que prorrogava por cinco anos benefícios tributários destinados a empresas do setor automobilístico.

A defesa de Lula afirmou que trata-se de uma “denúncia repetida” e que membros do Ministério Público Federal “abusam de suas prerrogativas legais para tentar constranger o ex-presidente Lula e manipulam o sistema judicial brasileiro para promover uma perseguição política que não pode mais ser disfarçada”.

De acordo com o MPF, as irregularidades ocorreram na edição da MP 471/09. Além de Lula, foram denunciados o ex-ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e os empresários Carlos Alberto de Oliveira Andrade (Grupo Caoa) e Paulo Ferraz Arantes (MMC – Mitsubishi).

Como prova da prática dos crimes, os procuradores da República Frederico Paiva e Hebert Mesquita citam documentos segundo os quais a edição e a aprovação da MP envolveram a promessa de pagamentos de vantagens indevidas a intermediários do esquema e a agentes políticos.

Metade do valor acertado foi repassado, sustenta o MPF, pela montadora MMC à empresa M&M, que teria atuado em parceria com outros dois intermediários do esquema: o ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), José Ricardo Silva e o lobista Alexandre Paes dos Santos.

De propriedade de Mauro Marcondes, que também foi denunciado, a M&M foi, dizem os procuradores, o canal utilizado para viabilizar o recebimento e a distribuição da propina. 

Além de garantir a edição e aprovação da MP no Congresso, diz o MPF, os recursos também foram usados para comprar o cancelamento de um débito de 265 milhões de reais que era objeto de um recurso no Carf. Este fato, no entanto, é objeto de outra ação penal em tramitação na 10ª vara da Justiça Federal em Brasília.

Em relação à corrupção praticada no momento de elaboração da medida provisória, os investigadores afirmam que, do total recebido pela M&M, 6 milhões de reais foram prometidos ao ex-presidente Lula e a Gilberto Carvalho. Afirmam também que o destino do dinheiro seria o custeio de campanhas eleitorais do PT.

“Diante de tal promessa, os agentes públicos, infringindo dever funcional, favoreceram às montadoras de veículo MMC e Caoa ao editarem, em celeridade e procedimento atípicos, a Medida Provisória n° 471, em 23/11/2009, exatamente nos termos encomendados, franqueando aos corruptores, inclusive, conhecimento do texto dela antes de ser publicada e sequer numerada, depois de feitos os ajustes encomendados”, afirmam os procuradores na denúncia, acrescentando que José Ricardo recebeu uma cópia da redação final da MP antes mesmo de a norma ser numerada e publicada.

De acordo com o MPF, a investida do grupo criminoso junto ao governo começou em junho de 2009 quando José Ricardo Silva recebeu do diretor jurídico da M&M duas cartas endereçadas ao então presidente da República com os pedidos de alteração legislativa.

Os documentos foram elaborados, afirma o MPF, pelo diretor jurídico da M&M, Ricardo Rett e chegaram a sugerir que a mudança legislativa fosse efetivada por meio de Medida Provisória, o que acabou ocorrendo.

Entre as provas mencionadas pelo MPF estão manuscritos, e-mails e atas de reuniões apreendidas com os envolvidos. Para o MPF, as expressões “kit de material enviado a Gilberto Carvalho e “café Gilberto Carvalho” que constam de documentos apreendidos evidenciam a relação do grupo criminoso com os agentes públicos.

Além disso, os procuradores destacam uma mensagem em que Alexandre Paes dos Santos afirma que “colaboradores” de Mauro Marcondes teriam exigindo 10 milhões de reais e que o valor foi reduzido para 6 milhões de reais após “esforço de sensibilização de Mauro”. Para o MPF, tratam-se do ex-presidente Lula e de Gilberto Carvalho.

A mensagem endereçada aos responsáveis pela empresa SGR Assessoria, de propriedade de José Ricardo, foi elaborada, ainda segundo o MPF, após a Caoa ter desistido de pagar a sua parte no combinado. A negociação inicial previa o pagamento de 33 milhões de reais. No entanto, recebeu só a metade, o que teria dificultado o pagamento das propinas.

Também constam da ação referências a manuscritos e a registros feitos por José Ricardo da Silva e João Batista Gruginski que, na avaliação do MPF, confirmam a cooptação dos agentes públicos com o objetivo de garantir a edição da Medida Provisória.

“Tramitação atípica”

Na ação penal a ser analisada pela 10ª Vara, os procuradores enfatizam que documentos e depoimentos que integram o inquérito policial mostram que a Medida Provisória teve um andamento atípico, passando por três pastas em um único dia: 19 de novembro, três dias, após a data indicada para o “café com Gilberto Carvalho” e quatro antes da publicação da norma no Diário Oficial. Ouvido na Polícia Federal sobre como se deu o processo de elaboração da norma, o então ministro interino de Ciência, Tecnologia e Inovação Luiz Antônio Rodrigues Elias “confirmou que a MP foi discutida em âmbito do Ministério da Fazenda e Presidência da República, vindo ao MCT somente para ser referendada”.

Essa atipicidade foi, inclusive, objeto de questionamento do então subchefe de análise e acompanhamento de políticas governamentais da Casa Civil. Em mensagem eletrônica enviada à então ministra, Dilma Rousseff, ele afirma que era impossível exercer a função do setor, diante da postura do Ministério da Fazenda de despachar, diretamente com o presidente da República e enviar para publicação atos normativos como decretos e medidas provisórias. “Nossa análise se resume a aspectos formais e superficiais da matéria”, afirmou Luiz Alberto dos Santos. 

Para o Ministério Público, não há dúvidas de que Lula e Gilberto Carvalho praticaram crime de corrupção passiva ao aceitar a proposta apresentada por Mauro Marcondes, em nome da organização criminosa.

A defesa de Lula afirmou, em contrapartida, que “são absolutamente corretos os trâmites da medida, desde a edição até a aprovação pelo Congresso Nacional, que a converteu em lei sem votos contrários”. Diz ainda a defesa de Lula que “somente a sanha persecutória de determinados procuradores contra o ex-presidente Lula pode explicar a tentativa de criminalização de uma política de desenvolvimento regional iniciada em governo anterior ao dele.”

Leia a íntegra da denúncia:

 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.