Política

Longe do povo: excessiva burocratização do PT esquenta debate interno

Uma corrente interna volta a propor não a autocrítica, mas uma mudança na organização e na militância do partido

Lula
Os riscos de um fracasso nas eleições municipais insuflam os debates internos no PT. Foto: Gustavo Bezerra/PT na Câmara Os riscos de um fracasso nas eleições municipais insuflam os debates internos no PT. Foto: Gustavo Bezerra/PT na Câmara
Apoie Siga-nos no

“Ser ou não ser. Eis a questão.” Às vésperas das eleições municipais, a dúvida hamletiana parece rondar os sonhos e pesadelos do Partido dos Trabalhadores. As estatísticas e o desempenho da sigla nas últimas disputas têm tirado o sono de candidatos, dirigentes e militantes.

Embora a política não seja uma ciência exata, os números mostram que a performance petista está em declínio. Em 2012, o partido elegeu 644 prefeitos. Em 2016, no auge da Operação Lava Jato, foram 255, queda de 60%. E só uma capital, Rio Branco, no Acre. O vencedor Marcus Alexandre renunciou ao cargo, em 2018, para disputar o governo estadual. Acabou derrotado.

Neste momento, a legenda não comanda nenhuma das cem maiores cidades do Brasil.

As perspectivas para 2020 não são animadoras. Os institutos de pesquisas mostram o PT em situação de desvantagem nas principais cidades e capitais brasileiras.

Em Fortaleza, a ex-prefeita Luizianne Lins disputa com José Sarto, do PDT, no segundo turno. Sarto tem a máquina a seu favor. Além dos irmãos Cid e Ciro Gomes, o atual prefeito, Roberto Cláudio, e o governador petista Camillo Santana o apoiam. Na liderança das pesquisas neste momento está o bolsonarista Capitão Wagner, do PROS, que disputa o cargo pela terceira vez e é lembrado pela população. No Recife, Marília Arraes está tecnicamente empatada em segundo com Mendonça Filho, DEM. Em primeiro, o jovem João Campos, do PSB, representante do grupo que governa o estado e a prefeitura há cerca de uma década.

Em São Paulo e Curitiba, Jilmar Tatto e Paulo Opuska, respectivamente, patinam em insignificante 1%. Em Salvador, a Major Denice registra 6%. Em Belo Horizonte, o ex-ministro Nilmário Miranda tem 2%. Nem mesmo a decantada união progressista parece empolgar o eleitorado. Em Florianópolis, o candidato do PSOL, professor Elson, com o PT na vice e apoiado por uma frente de seis partidos, amarga o quarto lugar, com 7%.

Os riscos de fracasso nas eleições deste ano estimulam as discussões renovadas na legenda

A questão é saber onde está a saída. Alguns dirigentes defendem a reinvenção do PT, mas o núcleo central e o ex-presidente Lula não concordam. Qualquer neologismo que possa lembrar a palavra autocrítica é sumariamente rechaçado. “O PT não faz autocrítica. Faz balanço político” afirma a presidente nacional, Gleisi Hoffmann. 

O ex-ministro José Dirceu, mais resoluto que sua companheira, em recente artigo publicado no blog Poder360, anotou que o campo progressista deve atualizar-se e o PT precisa mudar.

Segundo ele, não se pode atribuir aos adversários as razões das derrotas, “o que não significa não identificar e não responder como chegamos, de novo, a um governo militar de extrema-direita (…) sem desconhecer os erros que cometemos – e que não foram poucos. Em especial, nossa ausência pós-anos 2000 nos bairros, nos chamados trabalhos de base, na vida real e na luta pela sobrevivência nas periferias”.

O tema inspirou integrantes da corrente Articulação Unidade de Luta, no Distrito Federal, a sugerir mudanças na forma de organização e funcionamento do partido. O documento Repensar o PT para Enfrentar o Retrocesso, Defender a Democracia e os Direitos do Povo, apresentado no Congresso de 2019, ainda adormece nos arquivos da burocracia petista. Mas a situação nas eleições deste ano animou o grupo a buscar maneiras de reacender o debate.

Ricardo Berzoini Ricardo Berzoini, ex-presidente do PT, critica inércia dos dirigentes da sigla. Foto: Nelson Almeida/AFP

Trata-se de uma modelo organizativo que propõe, entre outras mudanças, mais democracia interna e transparência. “Não temos a pretensão de sermos donos da verdade, mas em contribuir com algumas reflexões, expor algumas angústias que conversamos no cotidiano em relação ao presente e ao futuro do partido”, explica o ex-ministro e ex-presidente do PT Ricardo Berzoini, atual vice-presidente do diretório na capital. 

Algumas questões são fundamentais para entender a proposta. O documento oferece mais perguntas do que respostas: o PT pretende atuar apenas na perspectiva eleitoral ou quer ser uma legenda de opinião, de classe? Qual o seu papel na conjuntura e na história? Qual a sua contribuição para o Brasil?

Seria preciso implementar no País, acredita Berzoini, uma “revolução social”, preparar os trabalhadores para um nível de consciência que permita intervir no processo político de maneira organizada, pacífica, mas capaz de influenciar de forma decisiva a vida nacional. “Tanto no golpe que derrubou a presidenta Dilma quanto no processo que culminou com a prisão de Lula, a resistência popular foi baixíssima. Não havia uma identidade das vanguardas petistas com pensamento das massas”, reflete o ex-ministro.

A crítica, pontua Berzoini, é de caráter institucional e está voltada ao processo de burocratização que o PT se lançou ao longo dos anos. Com isso, acabou por criar uma estrutura que muitas vezes confunde os interesses da base com os seus próprios e acaba por buscar mais soluções para o confronto entre as correntes e tendências do que as necessidades dos trabalhadores. “Falo como crítica e autocrítica, pois fui presidente do partido por mais de quatro anos.” 

O documento toca o dedo na ferida em relação às atividades internas, consideradas de “baixa eficiência e limitada organicidade”. Acentua que “planejamento e avaliação são atividades de pequena atenção em nossas instâncias. Reuniões que começam e terminam em si mesmas, atividades sem objetivos claros e dificuldades para avaliar resultados reais. Tudo isso aliado à baixa eficiência, ao desperdício e ao desânimo das bases”.

Insiste na tese de que a reformulação depende da definição do propósito do partido e sua capacidade de organizar os trabalhadores em torno de um projeto forte. “Qual é o nosso conceito de política organizativa? Como fazer fluir o debate da base à cúpula, os processos decisórios, a execução das decisões, a avaliação de resultados e a forma de impedir que a vida partidária se constitua em veículos de carreira e carreirismos. Como coibir a formação de uma classe política interna, constituída de assalariados e dependentes materialmente da vida interna do partido? Como estabelecer uma métrica de representatividade real?” 

O desafio da legenda, afirma a corrente, é reconstruir uma nova estrutura, uma forma de atuar, onde o foco esteja centrado no retorno às bases, às origens.

“A nossa crise interna pode abrir um novo período de fortalecimento e isso não passa apenas por resultados eleitorais. Um partido com a nossa agenda de reformas precisa ter uma lógica de organização popular. Se alguém imagina que poderemos transformar esse cenário apenas com eleições, certamente terá uma grande frustração”, reflete Berzoini.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar