Política

Linha-dura, general Augusto Heleno fala ‘fino’ no caso da cocaína

Responsável por identificar riscos à Presidência e pela inteligência federal, militar é um indignado seletivo

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Foto: José Cruz/Agência Brasil (Foto: José Cruz/ Agência Brasil)
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Quando assumiu o comando do GSI, em janeiro, Augusto Heleno declarou que teria muito trabalho. “Esse serviço foi derretido pela senhora Rousseff, que não acreditava em inteligência. Tenho essa missão de resgatá-lo.” Os 39 quilos de cocaína encontrados com um sargento da Aeronáutica da equipe presidencial que ia ao Japão mostram que o general tem falhado na missão e que o GSI continua deficiente como se viu na espionagem da NSA contra Dilma Rousseff e a Petrobras.

O currículo, os comentários e ações de Heleno, inclusive no episódio da droga, mostram mais coisa. O general é um indignado seletivo. Um linha-dura ideológico que anda mais preocupado com uma reunião sobre a Amazônia que o papa Francisco terá no Vaticano, em outubro, com bispos sul-americanos. O GSI inclusive monitora os bispos, como noticiado em fevereiro.

No primeiro comentário após a prisão de Manoel Silva Rodrigues, na Espanha, Heleno disse ao G1 que não havia como detectar a droga com o sargento integrante da comitiva de apoio à viagem de Jair Bolsonaro ao Japão. “Só se fôssemos videntes. Se o GSI tivesse bola de cristal.” Era necessário adivinhar? Ou bastava cumprir as tarefas do órgão previstas no decreto 9.668, de janeiro de 2019?

“Analisar e acompanhar questões com potencial de risco, prevenir a ocorrência de crises e articular seu gerenciamento, em caso de grave e iminente ameaça à estabilidade institucional” é uma das missões do GSI. Outra é “coordenar as atividades de inteligência federal”. Uma terceira é “planejar e coordenar os deslocamentos presidenciais no País e no exterior”.

“Para atividade de inteligência, não é preciso ter bola de cristal, apenas buscar informação”, tuitou Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça. “A segurança do presidente é de sua responsabilidade no GSI e permitir que membro da comitiva pratique crime em avião presidencial é gravíssima falha, que vai para sua conta. Peça para sair (general).”

No Congresso, a oposição quer esclarecimentos de Heleno. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Weverton Rocha (PDT-MA) propõem que ele vá ao Senado. Detalhe: há senador desconfiado de ter tido o telefone grampeado por arapongas do GSI e que buscou equipamentos anti-escutas com policiais em Brasília.

O deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) apresentou requerimento de informações para saber de Heleno quem indicou o sargento para a comitiva, quem era o comandante do voo em que ele levou a droga e quais os procedimentos de acesso aos aviões presidenciais, entre outras coisas.

Em um segundo comentário sobre o caso, feito a jornalistas no Japão, Heleno apontou “falta de sorte” de a descoberta ter ocorrido às vésperas de Bolsonaro participar de um evento mundial, a cúpula do G20. Nenhuma palavra condenatória contra aquele que o vice-presidente Hamilton Mourão chamou de “mula qualificada”.

Em um café da manhã de Bolsonaro com jornalistas em 14 de junho, Heleno reagiu com indignação ao falar do ex-presidente Lula. “Um presidente da República desonesto tinha que tomar uma prisão perpétua”, disse. Uma semana depois, ele despontava no Valor a declarar: “O Lula é terrível, mas o Fernando Henrique era pior, hein?”

O indignado general foi, de 2011 a 2017, diretor do Comitê Olímpico Brasileiro, com salário de 58 mil reais. Havia sido convidado para o cargo por Carlos Arthur Nuzman, então presidente do COB. Nuzman foi preso sob a acusação de compra de votos para o Rio ser a sede da Olimpíada de 2016. Heleno demitiu-se dias depois da prisão. Não há registro de crítica sua a Nuzman.

Com a primeira-ministra da Alemanha, Ângela Merkel, o general mostrou indignação também, após ela ter dito recentemente estar “muito preocupada” com as políticas ambientais do Brasil. “Quem tem moral para falar da preservação de meio ambiente no Brasil? Esses países que criticam? Vão procurar sua turma.”

Merkel foi espionada juntamente com Dilma pela agência de arapongagem dos Estados Unidos, a NSA. Não há registro de que Heleno tenha reclamado publicamente desse ataque à soberania nacional, como ele acha que acontece agora nas críticas à política ambiental de Bolsonaro. Uma questão de ideologia.

“Sempre fui um grande opositor do PT e de tudo que o cerca. Jamais gostei do Lula e muito menos da Dilma. Sempre tive horror ao PT”, afirmou Heleno no Valor de 21 de junho. No governo Dilma, houve a Comissão da Verdade, sobre crimes da ditadura, e o ministério da Defesa sugeriu que os militares pedissem desculpas. “É lógico que ninguém vai aceitar isso aí”, disse Heleno na época.

Na ditadura militar (1964-1985), Heleno foi ajudante de ordens do general Silvio Frota quando este era ministro do Exército, de 1974 a 1977. “Me orgulho muito de ter sido”, disse ao Valor. O ditador naquele momento era Ernesto Geisel (1974-1979), que decidira pavimentar o fim do regime. Frota queria que a ditadura continuasse. Foi demitido por Geisel. Que numa entrevista em 1993 disse que Bolsonaro era um “mau militar”.

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