Política

Lincoln Secco: “O golpe não foi dado para devolver o poder a Lula”

Se a candidatura do ex-presidente não for barrada na Justiça, classe política pode mudar regras eleitorais para enfraquecê-lo, prevê professor da USP

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A crescente insatisfação com as reformas de Michel Temer parece dar novo ânimo ao campo progressista. Consciente desta mudança de ares, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem aproveitado a ascensão da oposição ao governo para defender sua candidatura à Presidência no próximo ano.

Em meio à inauguração popular da transposição do rio São Francisco no domingo 19, o petista deu a largada informal rumo a 2018 em seu discurso a uma multidão em Monteiro, no sertão da Paraíba. “Eles que peçam a Deus para eu não ser candidato. Porque, se for, é para ganhar a eleição nesse país”

Na análise do historiador Lincoln Secco, professor da USP e autor da obra História do PT, a rejeição e a reação popular a Temer podem favorecer a esquerda nas eleições do próximo ano, mas Lula terá de transpor correntezas contrárias para consolidar-se como candidato.

“Pessoalmente, não acredito que o golpe foi dado no Brasil para se entregar novamente o poder a Lula”, prevê o historiador. “A classe dominante deve tentar barrar sua candidatura judicialmente ou por meio de mudanças nas regras eleitorais que o tornem menos competitivo”.

Na entrevista a seguir, Secco analisa as chances de Lula e do campo progressista e minimiza a hipótese de o petista apoiar Ciro Gomes, possibilidade aventada por alguns setores e entidades do campo progressista caso o ex-presidente não possa participar da disputa. “Não ter um candidato seria uma novidade na história do PT”.

CartaCapital: Lula lançou informalmente sua candidatura nos atos contra a reforma da Previdência e na inauguração popular da transposição do rio São Francisco no sertão da Paraíba. Neste momento, uma candidatura do petista é o melhor caminho para o campo progressista?
Lincoln Secco: Em primeiro lugar, não sabemos que tipo de eleição teremos em 2018. O País vive uma turbulência política há dois anos, pelo menos. Precisamos observar se não haverá a tentativa de adotar o parlamentarismo, por exemplo. Pessoalmente, não acredito que foi dado o golpe no Brasil para se entregar o poder novamente ao Lula. Se ele vier a ser candidato, não sabemos quais as regras eleitorais. Ele pode ainda ter a candidatura barrada se for condenado.

Só existe uma possibilidade de Lula ser candidato e vencer. É preciso que haja um caos social tamanho no País que leve uma parte da classe dominante a ver no petista um pacificador. O caos social sempre existiu no Brasil, mas neste caso teria de atingir as elites políticas e econômicas. Podemos fazer um paralelo histórico com o último governo de Juan Perón na Argentina, que volta nos anos 1970 com um discurso à direita, mas é visto como uma liderança capaz de pacificar o país. À parte uma circunstância desse tipo, duvido que o Lula tenha possibilidade de se eleger.

CC: Segundo essa análise, o senhor acha que a classe dominante tem o potencial de decidir sobre o eventual sucesso ou fracasso da candidatura do ex-presidente?
LS: Não digo isso tanto do ponto de vista eleitoral, pois ele está na frente das pesquisas. Mas impedi-lo judicialmente ou por meio de mudanças nas regras eleitorais que torne a candidatura dele menos competitiva. Embora o Lula não seja radical, não faz sentido a direita brasileira ter mobilizado boa parte da classe média desde 2014 contra o petismo para entregar o poder ao PT em 2018.

CC: Caso Lula seja impedido judicialmente de concorrer, há alternativas viáveis? Ou ainda é muito cedo para se pensar em um plano B?
LS: O PT não vai apresentar um plano B enquanto o Lula não for inviabilizado. Em primeiro lugar, por ele ser o único candidato popular, mas também porque a candidatura do ex-presidente faz parte da sua própria estratégia de defesa. Caso ele não possa ser candidato, é claro que ele continua a ser um importante cabo eleitoral, o principal do País. Logo, ele terá um papel decisivo na escolha de qual será o candidato de seu partido. Existem correntes no PT que até especulam o apoio a um candidato de outro partido, como o Ciro Gomes.

Duvido. O PT é um partido grande demais para não ter candidato próprio. As candidaturas majoritárias também ajudam a eleger uma bancada importante, tanto no País como nos estados. Temos de levar em consideração também os cálculos da pequena política. Existem interesses de candidatos regionais, a deputado e governador. Não ter um candidato seria uma novidade na história do PT.

“Por sua origem social e política, Ciro pode cativar o centro. O difícil é fazê-lo e ao mesmo tempo convencer a esquerda

Alguém poderia argumentar: o PMDB é um partido grande que geralmente não tem candidato. Mas o PMDB não tem projeto político a não ser ficar no poder. Embora o PT seja acusado de ter um projeto de perpetuação no poder, independentemente do julgamento que façamos, o partido teve uma diretriz de governo que incomodou uma parte da sociedade. Isso mostra que ele tinha um programa.

CC: Ciro é um nome capaz de mobilizar o campo progressista?
LS: Qualquer nome que não seja o Lula será menor. Para viabilizar sua candidatura, o Ciro tem de alcançar dois objetivos difíceis. Em primeiro lugar, um apoio ostensivo do PT, e também do próprio Lula. Ele sabe disso. Mas ele tem dois obstáculos a superar no campo progressista. Primeiro, sua carreira errática. Ele não tem origem na esquerda, vem do PDS, formado após o fim da Aliança Renovada Nacional, e passou pelo PSDB. Segundo, ele tem conter as declarações polêmicas.

Por outro lado, ele é visto como um político enfático nos debates, pode até ser encarado como corajoso. Uma vantagem é sua origem de elite, diferentemente do Lula. Ele pode se vender como um candidato que vai manter ou aprofundar as políticas sociais do PT, mas também é palatável para a classe média, justamente por não ter as credenciais históricas de ser de esquerda. Ele pode cativar o centro. O problema é fazer isso e ao mesmo tempo cativar a esquerda.

CC: O campo progressista sempre tem um eleitorado consistente, mas a ampliação dele dependeu de alianças com o centro e partidos como o PMDB, responsável pelo impeachment. Como a esquerda pode construir uma maioria para as próximas eleições?
LS: O que passa pela cabeça da maioria dos dirigentes do PT é como reconquistar uma posição no centro do espectro político. O que levou a uma oposição militante de setores da classe média ao PT? O fato de que o partido estabeleceu uma aliança não declarada entre os muito pobres e os muito ricos. Ele não incomodou os estratos superiores, mas atendeu preferencialmente os mais pobres. Ele não tocou, porém, na estrutura tributária do País, o que deveria ser o objetivo de qualquer social democracia.

Mudar essa estrutura é em parte atender a classe média, por meio de serviços públicos melhores ou mesmo pela divisão mais equitativa do peso do fisco sobre a população. Por exemplo, taxando grandes fortunas, criando uma tributação progressiva. Isso não traria a classe média para o lado do PT necessariamente, mas poderia ser uma tentativa de mostrar que o partido governa para os mais pobres, para alguns setores médios e contra os muito ricos. Isso não é uma revolução, mas o PT jamais liderou esse esforço.

CC: A rejeição popular à reforma da Previdência está em um crescente. O senhor acha que a resistência às reformas de Temer pode fortalecer o campo progressista para 2018?
LS: Acho que sim. Não chamaria de reforma, mas as mudanças na Previdência são a única contrarreforma que vai atingir a totalidade da população brasileira, e tem capacidade não apenas de ser compreensível para a população mas também para aglutinar uma aliança de várias frações de classe contra o governo. As primeiras manifestações já mostraram isso. Essa contrarreforma atinge uma parte significativa daqueles que foram favoráveis ao impeachment.

“A contrarreforma da Previdência atinge uma parte significativa de quem apoiou o impeachment”

É claro que o governo Temer tem uma maioria expressiva para aprovar as mudanças no Congresso, mas ele não deve conseguir aprovar da forma que quer. Por outro lado, a esquerda tem a seu favor o fato de que haverá algum tipo de eleição em 2018. Deputados não costumam cometer suicídio político em final de mandato.

CC: As esquerdas brasileiras serão capazes de aproveitar essa insatisfação?
LS: As direções de esquerda no Brasil têm muita dificuldade de aprender com o processo político. A incompetência do PT nas eleições ocorridas em São Paulo comprova isso. Há a esperança de que aquela parte da população que conquistou direitos nos anos de governos petistas não aceite passivamente perder essas conquistas. Se esses direitos forem varridos do mapa pelo governo Temer, no mínimo estaremos, para usar as palavras de Alexis Tocqueville, um liberal que no Brasil seria até considerado progressista, “repousando sobre um vulcão”. Um vulcão de vingança social.

O melhor para a classe dominante e para as elites políticas é que essa insatisfação social seja novamente canalizada para uma forma política organizada como foi o PT. Se não, estaremos todos no pior dos mundos. Se pensarmos historicamente, a situação material do povo brasileiro era muito pior, mas ele ainda não tinha passado pelos anos de bonança dos governos petistas. Vinha-se de uma ditadura que tinha empobrecido a população. Depois dos anos Lula, o Brasil é outro, não é o dos anos 1980. Precisamos acompanhar que tipo de reação teremos ao neoliberalismo.

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