Política
Levados a sério
Na reta final do mandato, Lula destrava programas para os jovens, um eleitorado que se afastou da esquerda nos últimos anos


Grupo que representa 23% da população, os brasileiros entre 15 e 29 anos compõem uma parcela expressiva do eleitorado. Três anos após terem preferido Lula a Bolsonaro, ainda que por margem estreita de votos, eles voltam a ser um público-alvo prioritário do governo federal na formulação de políticas públicas que ampliem o acesso à educação e ao mercado de trabalho. Conquistar o apoio da juventude até as eleições de 2026 será, porém, uma tarefa árdua: a insatisfação com os baixos salários, a má qualidade dos empregos, a persistência da escala 6×1 e a falta de condições econômicas para permanecer na escola ou na universidade é alta. Além disso, pesquisas indicam que é preciso reverter, entre os jovens, a percepção de que Lula poderia ter feito mais por eles.
O presidente tem em mãos alguns trunfos para reconquistar um eleitorado que, nos últimos anos, se afastou da esquerda e, em muitos casos, nasceu após a chegada do PT ao poder. Sementes plantadas nos primeiros meses de governo começam a dar frutos, como o Programa Pé de Meia, criado em 2023, que hoje beneficia mais de 4 milhões de estudantes do Ensino Médio com incentivos financeiros para a permanência escolar. Os resultados aparecem também no Programa Jovem Aprendiz, que em julho alcançou em torno de 680 mil aprendizes em atividade. Ou se refletem, ainda, no aumento de 60% das verbas para assistência estudantil em 2024 – reforçadas, agora, com a sanção da Lei 2.674/25, que destina recursos do Fundo Social do Pré-Sal para essa finalidade, com foco nos alunos que ingressaram por ações afirmativas nas universidades e institutos federais de ensino.
Outras iniciativas para alavancar a popularidade de Lula entre os jovens estão em andamento ou em gestação. Segundo a Secretária-geral da Presidência, há cerca de 200 ações distribuídas por 28 ministérios. Entre os destaques estão a Bolsa Jovem Cientista da Pesca Artesanal, que oferece bolsas de pesquisa a estudantes da rede pública a filhos de pescadores; o programa Segundo Tempo, que incentiva a prática esportiva no contraturno escolar e disponibiliza postos remunerados para monitores e jovens professores; e o programa Manoel Querino, que, em parceria com universidades, promove cursos de qualificação profissional voltados à juventude em situação de vulnerabilidade.
Com 7,1 bilhões de reais por ano, o Pé-de-Meia já beneficia mais de 4 milhões de estudantes
Há, no entanto, desafios mais urgentes em um país onde 18,5% da população entre 15 e 29 anos, o equivalente a 8,9 milhões de jovens, não estuda nem trabalha, segundo a Pnad Contínua do IBGE. Dados ainda mais preocupantes aparecem no estudo Education at a Glance, recém-divulgado pela OCDE. O Brasil aparece como o quarto país com maior proporção de jovens de 18 a 24 anos fora da escola e do mercado de trabalho (24%), à frente apenas de África do Sul (48%), Costa Rica (31%) e Colômbia (27%).
Apesar do alto índice, bem acima da média da OCDE (14%) e muito distante de países como Holanda e Islândia (ambos com 5%), o levantamento destaca avanços recentes no Brasil. Nos últimos cinco anos, a taxa de jovens “nem-nem” caiu 6 pontos porcentuais, a segunda maior redução entre os países analisados, atrás apenas da Itália (8 pontos). Para a OCDE, a queda indica que as estratégias brasileiras para ampliar o acesso à educação e ao trabalho começam a surtir efeito e devem ser fortalecidas. Segundo o IBGE, a situação atual é melhor que a observada no período pré-pandemia (2016–2019) e se aproxima dos níveis registrados entre 2012 e 2014, no início da série histórica.
Perspectivas. A baixa qualidade dos empregos, com escala 6×1 e salários achatados, angustia a nova geração – Imagem: Carol Mendonça/Coletivo Educacão
Para manter os jovens na escola, o governo aposta no programa Pé-de-Meia. Com previsão anual de investimentos de 7,1 bilhões de reais – quantia excluída do teto de gastos do novo arcabouço fiscal –, o programa oferece apoio financeiro a estudantes do Ensino Médio cadastrados no CadÚnico. No início de cada ano letivo, os beneficiários recebem 200 reais, além de nove parcelas mensais do mesmo valor, condicionadas à comprovação de frequência escolar. Ao fim de cada ano, o estudante ainda acumula um depósito de mil reais, que só poderá ser sacado após a conclusão do Ensino Médio. No total, o incentivo pode chegar a 9,2 mil reais ao longo dos três anos. Para ter acesso aos valores, é obrigatório participar do Enem no último ano de curso.
De acordo com a Pnad Contínua Educação, os problemas financeiros foram a principal causa de evasão escolar em 2023: 41% dos jovens afirmaram ter abandonado os estudos para trabalhar. Naquele ano, segundo o IBGE, 9 milhões de estudantes não conseguiram concluir o Ensino Médio. “O Pé-de-Meia foi criado para dar à juventude brasileira a oportunidade de não ter de desistir da escola para ajudar seus familiares. Quase sempre, deixar a escola não é uma escolha do jovem, mas uma necessidade, porque é preciso ajudar em casa”, afirma o ministro da Educação, Camilo Santana.
Santana acrescenta que quase meio milhão de jovens abandona o Ensino Médio público a cada ano, em sua maioria por motivos financeiros. “Os primeiros resultados do monitoramento do Pé-de-Meia já indicam uma redução dessa evasão, inclusive com o retorno de jovens às escolas.” O governo quer avançar: “Estamos trabalhando para universalizar o incentivo, fazendo com que o Pé-de-Meia alcance todos os 6,7 milhões de estudantes da rede pública no Ensino Médio. A meta é garantir que todo jovem brasileiro conclua seus estudos”. Segundo o Inep, responsável pelas estatísticas educacionais, o Enem de 2025 registrou 4.811.338 inscritos em todo o País. “O balanço das inscrições confirma um aumento de 11,22% em relação ao ano anterior e de 38% comparado a 2022. A cada ano o exame se consolida e as políticas de fortalecimento do Ensino Médio contribuem para o crescimento no número de inscritos.”
Daniel Cara, coordenador honorário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, reconhece a importância do Pé-de-Meia, mas diz que ele precisa ser aprimorado. “Hoje, ele faz algo fundamental: distribui renda. Não é, porém, um programa de educação. Embora influencie positivamente o Enem, a evasão só será efetivamente combatida se a qualidade da escola melhorar. Caso contrário, a presença garantida pelo Pé-de-Meia será alegórica”, destaca. Professor da Faculdade de Educação da USP, Cara avalia que as políticas públicas voltadas à educação da juventude ainda têm muito a avançar. “O ‘Novíssimo’ Ensino Médio, por ser uma continuidade, continua falhando, assim como o Novo Ensino Médio implementado por Michel Temer e Jair Bolsonaro. O Pé-de-Meia tem pouca efetividade na melhora da educação e precisa ser revisado. Os resultados poderiam ser muito melhores.”
Na avaliação de Júlia Maia, diretora-executiva de Relações Internacionais da UNE, o Pé-de-Meia é relevante, mas não resolve os problemas estruturais enfrentados pela juventude brasileira. “É uma política assistencial de grande importância, mas financiada com o mesmo recurso destinado à manutenção da educação pública, o que gera uma disputa por verbas”, lembra. Júlia avalia que as ações do governo ainda são insuficientes: “Houve avanços em relação ao governo anterior, mas continuamos muito aquém do necessário. A juventude sofre com a falta de perspectivas, a precarização e a hiperexploração em um mercado de trabalho marcado pela escala 6×1 e pela informalidade. Na formação profissional, as universidades públicas têm orçamentos muito baixos, enquanto os tubarões do ensino privatizam cada vez mais a educação.”
A faixa etária de 16 a 24 anos é a mais crítica à gestão Lula, revela o Datafolha
Outro trunfo do governo na tentativa de se aproximar dos jovens é o avanço da aprendizagem profissional. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), apenas em julho de 2025 foram firmados 6.099 novos contratos, um aumento de mais de 1.000% em relação a julho de 2024, quando foram registrados 221. De janeiro a julho deste ano, 75.950 jovens ingressaram no mercado de trabalho por meio do programa, crescimento de 18,6% em comparação com o mesmo período de 2024, que teve 59 mil admissões. Com isso, o Brasil atingiu, em julho, o recorde histórico de 674.849 aprendizes ativos.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, espera que até o ano que vem o programa alcance 1 milhão de jovens aprendizes e aposta na reformulação da Lei da Aprendizagem, atualmente em tramitação na Câmara. Marinho lembra que o número de aprendizes vem crescendo desde 2005, mas ganhou força no terceiro mandato de Lula. “Quando retornamos ao governo em 2023, havia menos de 500 mil jovens no programa. A meta é dobrar esse número até o fim de 2026.”
A criação de postos de trabalho para a juventude também tem avançado. De acordo com dados do Novo Caged, mais de 90% dos empregos formais (regime CLT) criados em 2024 – mais de 1,5 milhão de vagas – foram destinados a trabalhadores de até 24 anos. No último trimestre de 2024, o Brasil registrou 14,5 milhões de jovens ocupados, superando os 14,2 milhões do mesmo período de 2019, antes da pandemia. A taxa de desemprego nesse grupo caiu de 25,2% para 14,3%, enquanto a informalidade recuou de 48% para 44%. Segundo a Pnad, entre os jovens ocupados no fim de 2024, 53% tinham vínculo formal de trabalho, com carteira assinada.
Daniel Cara faz uma ressalva importante: “A qualidade dos empregos gerados para os jovens costuma ser muito baixa”. Para transformar essa realidade, o professor defende a necessidade de dinamizar a economia, estimular a complexidade econômica e criar vagas que exijam maior escolaridade. “Ou seja, a política econômica precisa estar integrada às políticas de trabalho, emprego, renda e educação”, afirma. Por sua vez, Júlia Maia destaca que o desemprego afeta os jovens, mas não apenas eles. “Resolver as demandas da juventude passa por construir um país melhor para todos. É fundamental rever as prioridades e os compromissos políticos e orçamentários assumidos pelo governo.”
Sintonia. Santana combate a evasão escolar e Marinho foca na inclusão laboral – Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil e Fábio R. Pozzebom/Agência Brasil
O governo também comemora os resultados do Pé-de-Meia Licenciaturas, lançado em janeiro, que incentiva o ingresso de jovens formandos na carreira docente. Segundo o MEC, o número de estudantes matriculados em cursos presenciais de licenciatura aumentou 21% em 2025 na comparação com o ano anterior, passando de 31.088 para 37.653. Além disso, as matrículas de estudantes de alto desempenho, com nota igual ou superior a 650 pontos no Enem, cresceu 60% este ano.
Ao longo do ano letivo é concedida uma bolsa mensal de 1.050 reais aos estudantes aprovados em cursos presenciais de licenciatura. Desse total, o estudante pode sacar 700 reais, e os outros 350 são depositados numa poupança que poderá ser sacada após a conclusão do curso e o ingresso do recém-formado como professor em uma rede pública de ensino em um prazo de até cinco anos. “Queremos enfrentar a carência de docentes, mas também impedir que o Brasil perca seus talentos por falta de reconhecimento do professor. Buscamos recuperar o interesse da juventude em cursos de licenciatura e na profissão docente. Em nove meses, chegamos a 9 mil bolsas”, diz Camilo Santana.
O sucesso inicial do Pé-de-Meia abre caminho para desdobramentos. O governo planeja lançar em breve o Pé-de-Meia Universitário, que visa complementar políticas públicas como o Fies e o ProUni. No entanto, a proposta, ao menos por ora, é vista com desconfiança. Entidades como a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) expressaram preocupação de que o novo programa possa sequestrar recursos e levar ao sucateamento da Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). Segundo a Andifes, “deve-se complementar as ações já desenvolvidas pelas universidades, mas é fundamental garantir previsibilidade e sustentabilidade financeira tanto para o Pé-de-Meia quanto para a Pnaes”.
Em recente reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente Lula propôs estender o Pé-de-Meia aos estados. A ideia é que, na renegociação das dívidas estaduais, parte do pagamento à União seja convertida em programas locais voltados à permanência escolar. “É uma forma de contemplar os estudantes que não entrarem pelo CadÚnico”, afirmou. No entanto, o maior desafio de Haddad, por ora, é manter o programa fora do limite de gastos previsto no arcabouço fiscal.
Mais de 90% dos empregos formais gerados em 2024 foram destinados a trabalhadores de até 24 anos
Em decisão unilateral, o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União, chegou a bloquear 6 bilhões de reais do programa, alegando falta de autorização do Congresso para despesas fora do teto. Após pressão social e pedido do Executivo, o bloqueio foi revertido. O TCU exigiu, porém, que o governo incluísse no Orçamento de 2025 todas as despesas previstas no Pé-de-Meia.
O resultado desse esforço de aproximação com a juventude, em termos eleitorais, só será conhecido nas urnas no próximo ano. Para João Feres Jr., professor de Ciência Política da Uerj e coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública, as políticas públicas funcionam como um importante canal de comunicação entre o governo e o eleitorado. “A resiliência do PT à frente do governo deve-se principalmente ao poder comunicativo de suas políticas sociais, que têm por si um efeito cognitivo, pois fazem com que o beneficiário – ou quem conhece um beneficiário – adquira parâmetros concretos para avaliar o governo, quase sempre positivamente”, afirma. “Uma coisa é ouvir uma crítica a uma política pública sem ter contato direto com ela. Outra coisa é poder julgar a partir da própria experiência. Isso é algo muito mais poderoso.” •
Publicado na edição n° 1380 de CartaCapital, em 24 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Levados a sério’
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