Política

Lava Jato em chamas e homem-bomba Janot forçam o STF a reagir sem medo

Atos de Janot merecem ser esquadrinhados, assim como os da malta curitibana. Processos precisam ser refeitos, alguns, e extintos, outros

Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil
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O Brasil havia se acostumado com as doses homeopáticas de revelações comprometedoras da lisura dos procedimentos adotados na força-tarefa da chamada Operação Lava Jato. As pequenas doses ministradas ao público pelo The Intercept Brasil tinham razão de ser. Visavam a disseminação de informação segura e testada, sem o alvoroço típico de quem apenas estaria a querer provocar uma shit-storm. A lenta publicização das mensagens dos atores da operação no aplicativo Telegram objetivava ademais trabalhar a opinião pública de modo consistente, deixando, a cada semana, decantar devagarinho a dose de escândalo no consciente coletivo. A pressa é inimiga da perfeição, diz a sabedoria popular. Nunca isso foi tão verdadeiro para explicar a atuação profissional dos repórteres e jornalistas dedicados à Vaza Jato.

Nada disso vale para o livro de autoria de Rodrigo Janot, Nada Menos Que Tudo. A obra, com presunçoso título, invadiu o espaço público feito jato de fogo de um lança-chamas, como explosão de um homem-bomba, antes mesmo de ser lançado oficialmente. Entrevistas do ex-PGR, dado a cronista de si mesmo, precipitaram a comoção que seus incendiários e explosivos relatos inevitavelmente viriam a provocar, mais cedo ou mais tarde, com algumas verdades prováveis, outras versões pouco críveis e também muita bravata. Mas o que Janot diz é chocante, verdade ou não, pois é dito por quem chefiou o Ministério Público Federal no período em que mais foi temido pelos atores políticos, comandou a Operação Lava Jato no STF e pôs a República de ponta-cabeça.

Janot não é um procurador concursado qualquer, ansioso apenas por prestígio, poder e bem-estar econômico-social, como os há às pencas na carreira. É muito mais do que isso. Foi o PGR que melhor soube mobilizar as debilidades da corporação em seu favor. Por meio de uma campanha eleitoral empresariada logrou constar da lista tríplice associativa em primeiro lugar, com o maior número de votos na história recente do MPF. Manipulou os meios governistas ao prometer equilíbrio e parcimônia na atuação, a fazer contraponto a seus antecessores que estiveram à frente do estrondoso processo do Mensalão. Com isso, foi indicado pela presidenta Dilma Rousseff em pleno ano de crise política aguda, com o País tomado por manifestações de rua sem pauta precisa. Foi bem recebido pela classe política, acenando com diálogo e transparência.

Rodrigo Janot (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Empossado, nada cumpriu do que prometera a seus interlocutores. Abraçou o que havia de mais retrógrado, falso-moralista e interesseiro na corporação. Após ter acendido velas ao santo e ao diabo para chegar ao cume da carreira, escolheu o derradeiro e deu uma banana ao santo. Esqueceu-se do compromisso de pacificar e de imprimir moderação e racionalidade à atuação do MPF. Ninguém lhe pedira para abdicar do enfrentamento dos desvios. Esperava-se apenas que o fizesse com respeito aos cânones legais e constitucionais e, sobretudo, que exercesse sua função de chefe, expressamente prevista no artigo 128 da Constituição.

A pusilanimidade disfarçada de ética fez com que pedisse a prisão de José Genoino, a quem pouco antes, em plena campanha para o cargo, prometera, em jantar em sua casa, proteger da sanha persecutória de Joaquim Barbosa e setores do Ministério Público. Poderia ter deixado Barbosa determinar a prisão de ofício, como era de se esperar e, depois, tomar medidas que julgasse adequadas para debelar a condenação que sabia iníqua. Em último caso, se achasse que seria pedir demais, deveria dar-se por suspeito no caso, ante à relação de amizade íntima que mantinha com o réu injustiçado. Isso lhe foi aconselhado, mas não ouviu. Preferiu exibir-se à carreira que o elegeu como mais um justiceiro, bem ao gosto da massa celerada. Não foi chefe. Foi cúmplice à busca de aplauso para massagear seu ego.

Passados dois anos do fim de seu trôpego mandato à frente da instituição, incapaz de lidar com o natural ostracismo, resolve incendiar, mais uma vez, o ambiente político. E, para aqueles assustados e indignados com a ousadia infantil, mas nem por isso menos criminosa, de Deltan Dallagnol e sua equipe em Curitiba, como trazida a lume por The Intercept Brasil, os relatos de Janot são nitroglicerina pura. Confessa sua total falta de autoridade para com a turba da primeira instância. Aceitara, sem tirar qualquer consequência disciplinar do abuso, que fosse desafiado por Carlos Fernando, o atrevido e tagarela doublé de Dallagnol na Lava Jato. A conversa que buscou retratar em seu livro é, à toda evidência, entre iguais, de uma “turminha” de ativistas penais que pensavam do mesmo modo. O chefe, parece, saiu de férias.

O assunto objeto da discórdia era, claro, o ex-presidente Lula. Exigiam – sim, exigiam topetudamente – que o PGR invertesse suas prioridades persecutórias para acusar logo o líder popular de ser chefe de uma organização criminosa. Essa precipitação, que contrariava o cronograma da atuação no STF, seria necessária para escorar denúncia de lavagem de dinheiro no primeiro grau. Sem essa “mãozinha”, reconheciam os petulantes mosqueteiros, a acusação em torno do triplex do Guarujá seria inepta. Janot, em sua presunçosa obra, gaba-se de não ter cedido à afronta, mas não mostra ter exercido papel de chefe, e sim de “coleguinha” indignado apenas. Não adiantou nada. Os procuradores de Curitiba acharam um jeito de denunciar o ex-presidente mesmo assim. Em vez de participação em organização criminosa como crime antecedente da lavagem, acusaram-no de ter sido beneficiado com o tal tríplex, que teria sido dado como “comissão” por contratos da construtora OAS. O fato de não haver prova sobre essa invectiva não foi impedimento para Dallagnol submeter a denúncia a Sérgio Moro, que a acolheu, ciente da precariedade, como demonstram diálogos do juiz com o procurador no Telegram.

Está na hora de o STF reagir, depois de ter sido levado a fazer coro com os justiceiros. Os atos de Janot merecem ser esquadrinhados cuidadosamente, assim como os da malta curitibana. Processos precisam ser refeitos, alguns, e extintos, outros. Os desafios que hoje pesam nas costas de seus ministros são enormes: precisam recuperar sua capacidade de ação contramajoritária, ainda que alvos de desavergonhados ataques possam vir a ser. Chega. Não é momento de sentir medo.

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