Política

Eduardo Cunha mentiu a deputados?

À CPI, ele negou participação em requerimentos suspeitos, mas registros da Câmara o contradizem

Eduardo Cunha durante entrevista em 22 de abril. Um rastro digital complicou o presidente da Câmara
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O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal pedido pela Procuradoria Geral da República por suspeita de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Um dos motivos para a desconfiança é a delação premiada do doleiro Alberto Youssef na Operação Lava Jato. Youssef descreveu uma tentativa de achaque praticada na Câmara contra um empresário que teria suspendido o pagamento de propina a Cunha. Novos indícios surgidos nos últimos dias aumentaram a suspeita e mereceram do deputado explicações esquisitas. 

Na terça-feira 28, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma notícia que liga Cunha à tentativa de extorsão relatada por Youssef. Nos arquivos eletrônicos da Câmara, o deputado aparece como autor do arquivo de Word que originou requerimentos propostos para constranger uma empresa (Mitsui) e um lobista (Julio Camargo). Os requerimentos foram apresentados na Comissão de Fiscalização e Controle em 2011 pela então deputada Solange Almeida, aliada de Cunha no PMDB do Rio. 

Em entrevista convocada no mesmo dia para se defender, Cunha tentou desqualificar o indício existente contra si. Disse que o arquivo de Word está datado de 10 de agosto de 2011, um mês após o requerimento de Solange (de 11 de julho). E insinuou haver uma trama da área de tecnologia da Câmara, pois ele teria mandado a repartição cumprir uma jornada de oito horas diárias. 

Na entrevista, o deputado anunciou a demissão do diretor do setor de tecnologia, Luiz Antonio Souza da Eira. Bode expiatório, Eira foi secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional quando a pasta era comandada pelo baiano Geddel Vieira Lima (PMDB). O irmão de Geddel, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), é da tropa de Cunha. 

Na entrevista, o presidente da Câmara não explicou se acredita que a suposta armação teria sido praticada em 2011 – e, neste caso, por que razão teria sido usada contra ele tanto tempo depois – ou se pensa que é algo de agora. Afirmou apenas ter ordenado a instauração de uma investigação interna para apurar o ocorrido.

De acordo com Youssef, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa firmou contratos de aluguel de sondas com as companhias japonesas Samsung e Mitsui, e parte do dinheiro pago por elas seria propina a Cunha. O suborno seria intermediado pelo lobista Julio Camargo, da Mitsui. Quando Camargo teria parado de pagar, por desentendimentos com a Samsung, Cunha teria decidido retaliar com ameaças de investigar o lobista e a Mitsui. 

Os requerimentos de Solange eram, de fato, constrangedores para os implicados. Um requisitava ao Ministério de Minas e Energia cópias de todos os contratos da Mitsui com a Petrobras. O outro pedia ao Tribunal de Contas da União dados sobre auditorias nos contratos. “Vários contratos envolvendo a construção, operação e financiamento de plataformas e sondas da Petrobras, celebrados com o Grupo Mitsui, contêm especulações de denúncias de improbidade, superfaturamento, juros elevado, ausência de licitação e beneficiamento a esse grupo que tem como cotista o senhor Júlio Camargo, conhecido como intermediário”, dizia Solange na justificativa formal dos requerimentos.

Apesar do que escreveu há quatro anos, Solange depôs à Polícia Federal recentemente e demonstrou não ter noção do que aconteceu naquela época. Na transcrição do depoimento, a PF diz que a ex-deputada “não se lembra de onde extraiu a motivação para formular o requerimento relativo à Petrobras” e “que o tema desse requerimento não se inseria em sua pauta de atuação parlamentar”.

Assessores de Cunha talvez possam refrescar a memória da atual prefeita de Rio Bonito (RJ). Na entrevista da terça-feira 28, ele admitiu a possibilidade de seus assessores terem ajudado o gabinete de Solange a preparar a papelada em 2011. “O fato de a deputada Solange, ou qualquer outro parlamentar do Rio, ter utilizado serviços de funcionários nossos, é porque tínhamos servidores compartilhados com a bancada do Rio nas comissões.”

De sua parte, Cunha recusou-se a prestar depoimento à Polícia Federal no âmbito do inquérito no Supremo Tribunal Federal. Limitou-se a comparecer, no dia 12 de março, à CPI da Petrobras da Câmara, de forma espontânea, condição que o desobrigou de prestar juramento de dizer somente a verdade. Ali, foi enfático: “Eu não fiz qualquer requerimento a quem quer que seja.”

Se o presidente da Câmara não tiver dito a verdade aos colegas, seu mandato correrá sério risco.

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