Política
Lar cobiçado
Ao completar 440 anos, a nova “queridinha do Nordeste” vive momento de prosperidade e atrai cada vez mais moradores


João Pessoa está em festa. Na terça-feira 5, completou 440 anos, com direito a uma programação que se estendeu por dez dias e foi coroada com o show de Roberto Carlos na Praia de Tambaú. Além do aniversário, a cidade celebra os bons ventos que sopram em sua direção, com indicadores econômicos e sociais que a tornaram um destino cobiçado, não apenas para o turismo, mas também como um lugar para viver. Se a Paraíba foi o único estado do Nordeste a registrar saldo migratório positivo – atraiu 31 mil novos habitantes entre 2017 e 2022, segundo dados recém-divulgados do Censo Demográfico do IBGE –, muito disso se deve aos atrativos de sua capital.
Brasileiros de diversas regiões do País têm deixado suas cidades de origem rumo à metrópole paraibana, que ainda preserva ares interioranos. Em busca de calmaria e qualidade de vida, muitos aposentados optam por fixar residência na ponta mais oriental das Américas, onde o sol nasce primeiro – na famosa Ponta do Seixas. Além de seu charme natural, a cidade, carinhosamente apelidada de “Jampa”, tem atraído investimentos robustos nos setores de turismo, indústria, comércio e serviços.
Esse cenário provocou um crescimento populacional considerável entre 2010 e 2024. Na média, o número de habitantes nas capitais brasileiras cresceu 8% no período, enquanto em João Pessoa o avanço foi de 22,8%, segundo o IBGE. “A metrópole paraibana oferece qualidade urbana crescente, a um custo mais acessível que o das grandes cidades do Sudeste. Isso atrai aposentados, famílias em busca de tranquilidade e trabalhadores autônomos”, explica o pesquisador José Eustáquio Alves, autor do livro Demografia e Economia nos 200 Anos da Independência do Brasil e Cenários para o Século XXI. A Paraíba concentra, ainda, a maior proporção de idosos do Nordeste, com 615.328 residentes acima dos 60 anos – aumento de 79% em relação a 2010, quando esse grupo somava 343.300 indivíduos.
A Paraíba é o único estado nordestino que registrou saldo migratório positivo, puxado pela capital
No ranking nacional, a Paraíba ocupa a sexta colocação entre as unidades da federação com maior fluxo migratório, destoando do Nordeste, que registrou saldo negativo de 249 mil residentes. Em parte, isso se deve ao bom momento da economia paraibana, que tem crescido a taxas chinesas. Segundo o relatório Resenha Regional, do Banco do Brasil, o PIB do estado avançou 6,6% em 2024 e a projeção para este ano é de um aumento de 3,4%. A média nordestina ficou em 2,6% no ano passado. “As políticas públicas focadas na atração de investimentos, inovação e turismo sustentável têm contribuído para a retenção da população jovem e para a geração de empregos. E há também a migração de retorno”, salienta Alves. “João Pessoa e Campina Grande vêm se consolidando como centros regionais de serviços e ensino superior. O avanço de setores como turismo, saúde, tecnologia e comércio tornou essas cidades polos de atração migratória.”
A bibliotecária Andreia Boaventura saiu de Rondônia para estudar em João Pessoa, no auge dos seus 18 anos. “O sistema de ensino no meu estado não era dos melhores, e meus pais queriam que eu estudasse em outra cidade. Como meus avós maternos moravam aqui, vim fazer vestibular, acabei gostando e fiquei de vez. É uma ótima opção para quem busca qualidade de vida, tranquilidade e contato com a natureza. Além disso, o local tem uma cena cultural ativa, com festivais de música e artesanato. Mesmo com a temperatura alta o ano todo, a brisa constante torna o clima muito agradável”, destaca Boaventura, que vive há 24 anos em Jampa.
Com quase 834 mil habitantes, João Pessoa tem um custo de vida relativamente baixo e um trânsito que só agora começa a se intensificar, mas ainda muito distante do caos visto em grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, no Sudeste, ou Salvador e Recife, no Nordeste. Reconhecida como uma das cidades mais verdes do Brasil, a capital paraibana apresenta um alto índice de arborização em vias públicas: 53,13%.
Migrantes. O mineiro Giotto e a cearense Amanda não se arrependem da escolha – Imagem: Acervo Pessoal
Não é tudo. Segundo o Índice de Progresso Social (IPS) – desenvolvido pela organização internacional Social Progress Imperative, com base em 57 indicadores sociais e ambientais de 170 países –, João Pessoa recebeu nota 67, em um total de 100, e conquistou a nona posição entre as capitais brasileiras com melhor qualidade de vida, sendo a primeira do Nordeste. De acordo com o IBGE, o rendimento médio local é de 2,7 salários mínimos, e o município tem a terceira cesta básica mais barata do País – 636,16 reais –, atrás apenas de Salvador e Aracaju, segundo o Dieese. A taxa de escolarização entre alunos de 6 a 14 anos chega a 97,57%.
Em nível estadual, a Paraíba fechou o primeiro semestre deste ano com um saldo positivo de 9 mil empregos formais, resultado da criação de 131.925 postos de trabalho ante 109.599 desligamentos, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados na segunda-feira 4 pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O índice representa um aumento de 35,73% em relação ao mesmo período do ano passado.
Para Fábio Farias, secretário de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de João Pessoa, há diversos fatores que levam cada vez mais brasileiros a escolher a cidade para passear ou viver. “Temos um ambiente favorável e um conjunto de ações que fazem com que o turismo avance, o comércio se expanda e que a gente atraia investimentos. As pessoas têm oportunidades concretas de trabalhar, investir e empreender”, diz.
A economia local cresce em ritmo chinês e a cidade sente os efeitos do boom imobiliário
O mineiro Giordânio Bonifácio, conhecido como Giotto, resolveu largar dez anos de uma história construída em Goiânia e recomeçar a vida em outro lugar. Não sabia exatamente onde. Quis o acaso que fosse João Pessoa, onde, há quatro anos, fixou residência. “Falei para minha esposa: ‘Quero ir embora, começar do zero’. A gente abriu o mapa do Brasil na tela do computador e deixou o coração apontar o caminho. João Pessoa apareceu ali, quase como quem sussurra: ‘Vem!’ Esta cidade é, para mim, escolha e reencontro. Foi onde me permiti desacelerar, criar raízes e reconstruir uma vida mais verdadeira, de sentir o sol e o vento no rosto. E sigo, todos os dias, aprendendo com ela”, diz o mineiro neoparaibano, como quem declama uma poesia. “João Pessoa tem um silêncio bonito, que permite escutar. Os ritmos são mais brandos, os encontros mais divertidos, o cotidiano mais sensível. Me encanta ver minha filha crescendo em contato com o mar, com as árvores, com o céu sempre aberto e com a cultura que tanto amo.”
A cearense Amanda Nuit pensava em fazer da capital paraibana uma morada provisória antes de seguir para Recife ou Salvador, mas se apaixonou pelo local e não pensa mais em ir embora. “Saí de Fortaleza porque queria conhecer outras cidades. A primeira foi Pium, próximo a Natal, no Rio Grande do Norte. Depois de um ano e meio, senti falta das facilidades de uma cidade grande e, ao mesmo tempo, ainda queria preservar a tranquilidade e morar em um lugar litorâneo. Foi assim que cheguei em João Pessoa, depois de ouvir de alguns mochileiros que ela é uma cidade grande com vibe de cidade pequena”, relata Nuit. “João Pessoa passa a sensação de ser um lugar que está em pleno desenvolvimento, mas que ainda preza por um cotidiano leve”, completa.
Contraste. Uma das cidades mais arborizadas do País, João Pessoa começa a enfrentar problemas de mobilidade – Imagem: Cácio Murilo/MTur Destinos, SEMOB/Prefeitura de João Pessoa/PB e iStockphoto
De fato, João Pessoa está numa escalada de desenvolvimento que parece não ter mais volta. Entrou no roteiro turístico nacional e internacional, sendo um dos destinos mais cobiçados o ano inteiro. No início de 2025, a cidade figurava na lista da Booking, plataforma de aluguel por temporada, como um dos lugares mais procurados do mundo. No primeiro semestre, o movimento no Aeroporto Castro Pinto cresceu 20,9%, totalizando 893.181 passageiros, 54.572 a mais do que no mesmo período do ano passado. Um grande e luxuoso complexo hoteleiro está sendo construído na Praia de Cabo Branco para atender à crescente demanda e os turistas mais abastados. “Atualmente, João Pessoa tem 13 mil leitos e, só no Polo Turístico Cabo Branco, com investimentos de mais de 3 bilhões de reais, estamos com 14 mil leitos em construção em resorts de alto padrão”, ressalta Farias.
Mas todo desenvolvimento traz consigo bônus e ônus. Além da diminuição das áreas verdes e de problemas de mobilidade, provocados pelo aumento do fluxo de veículos, a elevação de João Pessoa à condição de “queridinha do Brasil”, como já vem sendo chamada, tem gerado desafios para a cidade. O boom imobiliário e o aumento do preço do metro quadrado dos imóveis são uma realidade. “As pessoas que chegam precisam instalar-se em algum lugar. Isso acaba afetando o mercado habitacional. A prefeitura está desapropriando uma área para construir um novo bairro, justamente para atender a esse novo cenário que surgiu. Maior demanda, maior preço”, observa o pesquisador Cássio da Nóbrega Besarria, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba. “É visível também um aumento na quantidade de pessoas em situação de rua, mais criminalidade – coisas que vão sendo alteradas em decorrência desse crescimento, que nem sempre é planejado.” •
Publicado na edição n° 1374 de CartaCapital, em 13 de agosto de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Lar cobiçado’
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