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Quem ganha e quem perde? Confira as principais tendências e possíveis surpresas das eleições municipais

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São Paulo. Mesmo com o apoio de Lula, o deputado Guilherme Boulos, do PSOL, enfrenta dificuldade para crescer nas pesquisas. O prefeito Ricardo Nunes, do MDB, deixou Bolsonaro de lado e preferiu associar sua imagem à do governador Tarcísio de Freitas – Imagem: Leandro Paiva/Redes Sociais Guilherme Boulos e Pablo Jacob/Redes Sociais Ricardo Nunes
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Qual Brasil emergirá das urnas nas primeiras eleições municipais realizadas após o fim do período bolsonarista e a volta do PT ao poder em um governo de frente ampla? Permeados pela expectativa quanto a possíveis reviravoltas, além do tradicional apelo ao voto útil, os últimos dias de campanha antes do primeiro turno acontecem em um quadro no qual as sondagens eleitorais apontam um crescimento da direita, mas não necessariamente da direita bolsonarista. E também a possibilidade de a esquerda começar a virar a página escrita pela Lava Jato e pelo impeachment de Dilma Rousseff, hecatombe que teve reflexos diretos no mau desempenho desse campo nas eleições de 2016 e 2020, tendência que, ao que indicam as pesquisas, começará a ser revertida no domingo 6.

Outra constatação é que a tal “campanha eleitoral nacionalizada” não aconteceu, e na grande maioria das cidades prevaleceu a discussão sobre as questões locais. Figuras de maior expressão política no País, o presidente Lula e o ex-presidente Bolsonaro não se fizeram tão presentes como cabos eleitorais quanto era imaginado, mas ambos são aguardados nesta reta final por candidatos que lutam para conseguir lugar no segundo turno, casos, por exemplo, de ­Guilherme ­Boulos, do PSOL, em São Paulo, e de Bruno Engler, do PL, em Belo Horizonte. A campanha paulistana trouxe a Bolsonaro o duplo dissabor do surgimento de Pablo Marçal, do PRTB, um “filho espiritual” que ameaça tomar-lhe o lugar no coração da extrema-direita nacional, e do fortalecimento do governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, como principal avalista de fato da candidatura do prefeito Ricardo Nunes, do MDB, à reeleição.

Pelas pesquisas, a direita deve crescer, mas não exatamente a direita bolsonarista

Fator costumeiramente decisivo nas disputas municipais, o poder da máquina pública e o maior tempo de propaganda no rádio e na tevê também cumpriram seus papéis, dando fôlego e possibilidade concreta de chegada ao segundo turno para candidaturas à reeleição que pareciam fadadas ao fracasso, como, por exemplo, Sebastião Melo, do MDB, em Porto Alegre, e Fuad Noman, do PSD, na capital mineira. A campanha à reeleição mostrou-se particularmente tranquila para prefeitos bem avaliados, como João Henrique Caldas, do PL, em Maceió, João Campos, do PSB, no Recife, Eduardo Braide, do PSD, em São Luís, e Eduardo Paes, do PSD, no Rio de Janeiro, entre outros. O PSD, segundo as pesquisas, deverá conquistar o maior número de prefeituras em todo o País, o que pode assegurar ao heterogêneo partido comandado por Gilberto Kassab um papel ainda mais relevante na política nacional. “O PSD não é nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”, costuma dizer Kassab, ao melhor estilo Odorico Paraguaçu. Essa maleabilidade explica em grande parte o sucesso da sigla.

Nas capitais, o União Brasil tem o maior número de candidatos a prefeito com chances de vitória ou chegada ao segundo turno (11), seguido por PL (9), PSD (7), PT (6) e MDB (6). Já legendas tradicionais de centro-esquerda ou centro-direita como PDT, PSB e PSDB, que outrora viveram melhores dias, aparecem com dois candidatos competitivos cada. Cientista político e professor da FGV-SP, Cláudio Couto avalia que, no País, não há mais uma onda de direita, mas uma direita já estabelecida: “A direita tem uma fatia do eleitorado brasileiro e é muito estruturada e organizada, do ponto de vista eleitoral. Isso a torna competitiva em vários municípios, tanto na eleição para prefeito como nas eleições para vereadores”. Bolsonaro, acrescenta Couto, conseguiu abrir esse terreno: “Não se está mais falando numa onda, mas na consolidação de um grupo político importante. Bolsonaro despertou o que a direita tem de pior”.

Atores. Pablo Marçal tenta ­­firmar-se­ como uma liderança da extrema-direita pós-Bolsonaro. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, deve reeleger-se com facilidade. Mesmo com o apoio do ex-presidente, Alexandre Ramagem patina. Abraçado ao ministro Wellington Dias, o petista Fábio Novo tem boas chances de se eleger em Teresina – Imagem: Redes Sociais/Eduardo Paes, Redes Sociais/Fábio Novo, Pablo Porciuncula/AFP e Nelson Almeida/AFP

“A direita saiu da toca”, diz o cientista político Carlos Ranulfo, professor da UFMG e integrante do Observatório das Eleições: “O Brasil sempre teve um eleitorado conservador e mesmo reacionário, mas, antes de Bolsonaro, esse eleitor nunca teve alguém que trouxesse à tona esse sentimento de ser de direita. Hoje, em qualquer pesquisa, a direita aparece com 35% a 40% e a esquerda com 20%. No Congresso, 60% dos parlamentares são de direita, metade dos governadores eleitos em 2022, também. A direita está crescendo nas prefeituras, em 2020 elegeu 56% dos prefeitos. Lula ganhou, mas sua vitória não foi suficiente para mudar esse quadro”.

Ricardo Ismael, cientista político e professor da PUC Rio, chama atenção para outro importante detalhe que assegura a atual supremacia da direita: o poder sobre os recursos despejados nos municípios pelo “orçamento secreto” controlado pelas legendas do Centrão e o aumento das verbas do fundo partidário: “Os partidos de direita ou de centro-direita estão entre os que mais receberam recursos do fundo especial de financiamento de campanha, ainda como reflexo das bancadas conquistadas no Congresso Nacional em 2022”.

Coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada da UFRJ, Mayra Goulart afirma que, mais do que uma radicalização de direita, o atual processo eleitoral representa a vitória da política tradicional: “Os candidatos que vão se consagrar são aqueles que moderam seu conteúdo ideológico em prol de uma postura mais como gestor. A direita ideológica vai se manter como uma força importante, mas minoritária. Ainda relevante para eleger ­pessoas, mas não a única força”. Goulart observa que direita e esquerda normalmente não são conceitos tão presentes em eleições municipais que são estruturadas, sobretudo, a partir das lideranças locais: “São essas pessoas que têm trajetória na vida na cidade que estão sendo avaliadas e cogitadas pelos eleitores”.

Na grande maioria das capitais, o debate de questões locais prevaleceu. Nem Lula nem Bolsonaro se revelaram cabos eleitorais decisivos

Isso talvez explique a tímida presença de Lula e Bolsonaro na maior parte das capitais. Em alguns casos, como o de Eduardo Paes no Rio, o petista chegou a ser deliberadamente escondido durante a campanha. Já Bolsonaro foi “esquecido”, sobretudo, por candidatos do PL no Nordeste como João Henrique Caldas em Maceió, André Fernandes em Fortaleza e Emilia Corrêa em Aracaju. No confronto direto, o ex-presidente, segundo as pesquisas, leva a melhor. Os candidatos apoiados por Bolsonaro podem vencer ou chegar ao segundo turno em 17 capitais. Já os candidatos apoiados por Lula aparecem com chances em sete capitais: “Os cabos eleitorais Lula e Bolsonaro só valem a pena para aqueles candidatos menos conhecidos e que, portanto, precisam dessa chave cognitiva para fazer o seu nome penetrar no tecido social e ter potencial de crescimento. Ambos aportam para a campanha um grau elevado de rejeição. Então, suas presenças são algo a ser ponderado na reta final”, afirma Goulart.

Cláudio Couto diz que a polarização nacional acontece um pouco em São Paulo, disputa que traz um desafio ao bolsonarismo: “O governador Tarcísio é apontado como potencial substituto de Bolsonaro na disputa presidencial de 2026. Demonstrou, com o apoio a Nunes, que é o mais forte politicamente à disposição para esse tipo de tarefa. E Marçal começa a se colocar como alguém que pode também postular essa posição lá na frente. Ou seja, essa direita não é cativa. Ela foi estabelecida pelo bolsonarismo, mas pode ser disputada por outros nomes. Marçal pode aparecer como uma liderança singular em 2026”. Neste momento, no entanto, o fortalecimento da direita passa principalmente pelo PL e, de forma mais esparsa, por outros partidos: “A direita tradicional está cheia de bolsonaristas. Então, eles têm esse campo ainda sob seu controle em boa medida. É o papel de liderança nacional que talvez esteja mais em disputa neste momento”.

Na esquerda, a meta é eleger o maior número possível de prefeitos e vereadores e voltar a ocupar um espaço maior na política nacional: “O auge da esquerda foi em 2012, quando elegeu 27% dos prefeitos do Brasil. Desde então, ela vem caindo e, em 2020, elegeu apenas 15%. Isso tem muito a ver com a queda sistemática do PT nos municípios, sobretudo nas capitais, onde elegeu nove prefeitos em 2004. Em 2020 não elegeu nenhum”, comenta Ranulfo. Em 2012, o PT elegeu 630 prefeitos, e em 2020 elegeu 180. Neste pleito deverá ter um resultado melhor: “O PT não tem vitória alguma garantida, mas aparece bem em três disputas: Teresina, Fortaleza e Goiânia. Nas capitais, se tudo der certo, o quadro será muito parecido com o de 2020, quando a esquerda elegeu cinco prefeitos. Se houver crescimento, será muito pequeno”.

Camaleão. Kassab costuma dizer que o PSD não é de direita, nem de esquerda, nem de centro. A maleabilidade talvez explique o sucesso da legenda no pleito – Imagem: Vinícius Rosa/GOVSP

A expectativa é grande quanto ao resultado do embate entre direita e esquerda no Nordeste. Cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas, Luciana Santana diz que o cenário antes de iniciar a campanha eleitoral era mais pessimista em relação ao desempenho do PT: “Nas capitais, há alguns candidatos com certa chance de chegar ao segundo turno, como é o caso de Teresina, Natal e Fortaleza. Não podemos descartar a situação do Recife com o PSB e também a chance do PDT em Aracaju. No campo da esquerda, pensando nas capitais, a situação não é tão ruim quanto era esperado”. Já na composição total das câmaras municipais e prefeituras há um desempenho maior dos partidos de centro-direita na região: “O que não é novidade nas eleições municipais. Talvez estejamos voltando a um ciclo semelhante ao início dos anos 2000, quando Lula venceu pela primeira vez e havia ainda uma força muito grande da centro-direita no Nordeste”, avalia Santana.

O PSD chega a esta eleição no comando de 968 prefeituras em todo o Brasil. A partir de domingo, segundo estimativas, esse número pode crescer até 30%: “O PSD vem ocupar o lugar que foi historicamente do PMDB como um partido implantado nacionalmente, com grande força nos municípios, bem-estruturado e capaz de atrair todo tipo de político, da esquerda e da direita. O PSD é um partido-ônibus, como o PMDB no passado”, diz Couto. Com o declínio do atual MDB, abriu-se um espaço que o PSD vem ocupando: “Ele é muito mais indefinido ­ideologicamente do que, por exemplo, União Brasil, Republicanos e PP, partidos com uma caracterização de direita mais clara. O PSD tem essa coisa meio anódina, cada lugar pode ser de um jeito, e é por isso que está conseguindo crescer. O PSD cresce à direita, ao centro e, um pouco menos, à esquerda, e acaba se beneficiando desse papel singular que desempenha na política nacional”.

Ocupando o vácuo deixado pelo MDB, o PSD de Kassab deve sair das urnas com o maior número de prefeitos eleitos

Ranulfo ressalta que na política não existe espaço vazio: “Cadê o PSDB em São Paulo? Não tem mais nenhum prefeito, estão todos com Kassab. O partido também acabou em Minas Gerais. Esse espaço de centro hoje não existe mais, foi ocupado pela direita”. Entre os partidos de direita, o PSD é o que mais dialoga com o governo Lula: “Mas, mesmo assim, em Florianópolis e Curitiba, por exemplo, os dois candidatos do PSD tiveram seus vices indicados por Bolsonaro. Boa parte do MDB também vai sendo cooptada pela direita, o candidato do partido em Porto Alegre é apoiado pelo Bolsonaro, que indicou o vice”. Para Ricardo Ismael, o crescimento do PSD é um dos dados mais importantes destas eleições: “O partido deve fortalecer-se. Isto o coloca como peça importante no tabuleiro do xadrez político de 2026, e por isso pode ganhar mais espaço no governo Lula”.

Outro ponto é destacado por Luciana Santana: “Há uma tendência natural de que esta eleição seja um prenúncio da composição legislativa no âmbito federal em 2026. Talvez tenhamos um Senado mais diverso, mas a Câmara tende a refletir muito esse perfil partidário que teremos em termos de composição de prefeituras e câmaras dos vereadores”. Para tristeza dos setores progressistas da sociedade brasileira, todos os especialistas concordam que não será da noite para o dia que o crescimento da direita deixará de ser uma realidade no País: “O Congresso está muito empoderado, movimenta 50 bilhões de reais em emendas e a maioria desse dinheiro está na mão da direita. Isso vai se refletir diretamente nestas eleições municipais e, provavelmente, deverá se refletir também em 2026. Toda a direita, do PSD ao PL, criou um ciclo que não vejo como interromper em curto prazo. Não existe um centro que queira peitar a direita, e a esquerda não dá mostras de crescimento significativo”, diz Carlos Ranulfo. •

Publicado na edição n° 1331 de CartaCapital, em 09 de outubro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Lances e apostas’

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