Justiça Federal aceita denúncia contra Ustra por sequestro durante a ditadura

MPF acusa o coronel da reserva pelo desaparecimento forçado do corretor de valores Edgar de Aquino Duarte em 1971

O coronel reformado Carlos Alberto Ustra, ex-comandante do Doi-Codi de SP. Foto: Sergio Dutti/AE

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Os movimentos que buscam responsabilizar criminalmente agentes do Estado que cometeram crimes lesa-humanidade durante a ditadura tiveram uma nova vitória na terça-feira 23. A Justiça Federal de São Paulo recebeu a denúncia do Ministério Público Federal contra o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, o delegado aposentado Alcides Singillo e o delegado Carlos Alberto Augusto, ambos da Polícia Civil, pelo sequestro qualificado do corretor de valores Edgar de Aquino Duarte em 1971. A ação foi protocolada em 17 de outubro. Eles podem pegar até 8 anos de prisão.

Ustra comandou o Destacamento de Operações Internas de São Paulo (DOI-Codi-SP) entre 1970 e 1974. O local era um dos postos oficiais de tortura utilizados pelas forças de repressão militar na cidade.

A decisão da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo é a terceira aceita no Brasil neste ano com base na tese do sequestro permanente, as outras ocorreram no Pará (Leia ). Essa abordagem foi desenvolvida por um grupo de procuradores ligados a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da Procuradoria Geral da República, após o País ser condenado a investigar e punir os responsáveis pelo desaparecimento forçado de integrantes da Guerrilha do Araguaia.

Como o sequestro é um crime que necessita do aparecimento do corpo ou da vítima para ser encerrado, os desaparecimentos forçados ocorridos durante a ditadura ainda estariam em execução. Logo, não poderiam ser incluídos na Lei da Anistia que perdoa os crimes cometidos no espaço de tempo entre 1961 e 1979, mas não após esse período. A tese é baseada em dois precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou a extradição de militares argentinos e uruguaios acusados de sequestro permanente na Argentina, entendendo que o crime não estava anistiado ou prescrito.

A decisão da Justiça de São Paulo aponta que uma das características da transição política no Brasil, ao contrário de outros países da região, “é a ausência de punição dos agentes estatais envolvidos nos excessos perpetrados” na ditadura, “vez que delitos como homicídios e lesões corporais, entre outros, foram albergados pela chamada Lei da Anistia”. O documento ressalta ainda que a anistia não se aplica ao caso de Duarte porque seu sequestro “se prolonga até hoje.

Para o procurador da República Sérgio Gardenghi Suiama, um dos coordenadores do grupo, a decisão “é um passo histórico no sentido da responsabilização criminal dos autores de crimes contra a humanidade”. “A vítima Edgar de Aquino Duarte nem mesmo era um dissidente político. Foi preso e ‘desaparecido’ pelos réus porque sabia demais, depois de ficar três anos presos no DOI-CODI e no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP), sem ordem judicial, de forma totalmente clandestina e ilegal.”


Edgar Aquino Duarte ficou preso ilegalmente no Doi-Codi e depois no Deops, até meados de 1973.

Nascido em 1941, no interior de Pernambuco, tornou-se fuzileiro naval e membro da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. Em 1964, após o golpe militar, foi expulso das Forças Armadas acusado de oposição ao regime. Exilou-se no México, depois em Cuba e voltou ao Brasil em 1968, quando mudou-se para São Paulo com o falso nome de Ivan Marques Lemos. À época, montou uma imobiliária e depois trabalhou como corretor da Bolsa de Valores.

No final dos anos 70, encontrou-se com um antigo colega da Marinha, José Anselmo dos Santos, o “Cabo Anselmo”, que havia retornado de Cuba. Ambos passaram a dividir um apartamento no centro de São Paulo, até que Anselmo foi cooptado pelo regime. Segundo o MPF, suspeita-se que Duarte foi sequestrado por conhecer a verdadeira identidade do delator.

O órgão aponta que documentos do II Exército atestam que Duarte não pertencia a nenhuma organização política e atuava de fato como corretor de valores. Não tinha, portanto, qualquer envolvimento com a resistência.

Outros casos

Palhano foi presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e da Confederação Nacional dos Bancários, além de vice-presidente da Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Quando preso, tinha 49 anos de idade e seu último contato com a família ocorreu há exatos 41 anos.

Em 1964, teve os direitos políticos cassados e perdeu o cargo que ocupava no Banco do Brasil. Por causa da perseguição política, se exilou em Cuba onde ficou até 1970 e passou a ser monitorado pelos órgãos de repressão. De volta ao Brasil, ligou-se ao movimento da Vanguarda Popular Revolucionária, liderado por Carlos Lamarca.

De acordo com o MPF, a prisão de Palhano foi ilegal, pois os agentes do governo não estavam autorizados a atentar contra a integridade física dos presos ou cometer sequestros. Além disso, todas as prisões deveriam ser comunicadas a um juiz competente.

Testemunhas ouvidas pelo órgão dizem que ele foi levado ao Doi-Codi e depois movido para a Casa de Petrópolis, centro clandestino de torturas no Rio de Janeiro, antes de voltar para São Paulo em “estado físico deplorável”.

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